ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2024 - Volume 14 - Número 3

Síndrome de Hamman e a importância do controle da asma: relato de caso e revisão da literatura

Hamman Syndrome and the importance of asthma control: case report and literature review

RESUMO

INTRODUÇÃO: A síndrome de Hamman é uma condição que afeta 1 a cada 25.000 pessoas, entre 5 e 34 anos de idade, sendo a maioria do sexo masculino (70%) e do biotipo longilíneo. Suas repercussões clínicas podem comprometer a qualidade de vida do paciente, sendo necessários seu conhecimento e adoção de medidas de prevenção.
OBJETIVO: Descrever relato de caso sobre síndrome de Hamman e sua correlação com a asma, assim como a importância da adesão terapêutica e do conhecimento entre os profissionais de saúde.
RELATO DE CASO: Pré-escolar, masculino, branco, com IMC de 20,5 kg/m2, foi admitido no serviço com crise asmática há 5 dias, associada a dor torácica e piora da tosse há 1 dia, evoluindo com enfisema subcutâneo. Apresentava-se eupneico, afebril, sem esforço respiratório, com murmúrio vesicular reduzido e estertores subcrepitantes em base posterior esquerda de hemitórax direito, enfisema subcutâneo que, inicialmente, envolvia a circunferência torácica, e, posteriormente, expandiu para a região cervical anterior e supraclavicular, bilateralmente. Estava em uso irregular da medicação para a asma. A tomografia de tórax evidenciou extenso enfisema subcutâneo, pneumomediastino e pneumorraque. Pela suspeita de síndrome de Hamman, orientou-se conduta expectante e observação em leito de enfermaria. Paciente recebeu alta hospitalar após melhora clínica, e foi encaminhado para seguimento no ambulatório de pneumologia pediátrica do serviço.
CONCLUSÃO: Disseminar o conhecimento sobre esta rara afecção entre profissionais de saúde poderá permitir o manejo adequado do paciente, assim como evitar recidivas e desfechos clínicos desfavoráveis.

Palavras-chave: Asma, Enfisema mediastínico, Síndrome, Pré-escolar.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Hamman syndrome is a condition that affects 1 in every 25,000 people, between 5 and 34 years of age, the majority of whom are male (70%) and have a long body type. Its clinical repercussions can compromise the patients quality of life, making it necessary for them to be aware of and adopt preventive measures.
OBJECTIVE: To describe a case report on Hamman syndrome and its correlation with asthma, as well as the importance of therapeutic adherence and knowledge among health professionals.
CASE REPORT: preschooler, male, white, with BMI of 20.5 kg/m2, was admitted to the service with an asthma attack for 5 days, associated with chest pain and worsening cough for 1 day, progressing to subcutaneous emphysema. He was eupneic, afebrile, without respiratory effort, with reduced breath sounds and subcrepitant rales in the left posterior base of the right hemithorax, subcutaneous emphysema that initially involved the thoracic circumference, and later expanded to the anterior cervical and supraclavicular region, bilaterally. He was taking his asthma medication irregularly. Chest tomography showed extensive subcutaneous emphysema, pneumomediastinum and pneumorrhacs. Due to the suspicion of Hamman syndrome, expectant management and observation in the infirmary bed were advised. The patient was discharged from hospital after clinical improvement, and was referred for follow-up at the service's pediatric pulmonology outpatient clinic.
CONCLUSION: Disseminating knowledge about this rare condition among healthcare professionals may allow for adequate patient management, as well as preventing relapses and unfavorable clinical outcomes.knowledge about this rare condition among healthcare professionals may allow for adequate patient management, as well as preventing relapses and unfavorable clinical outcomes.

Keywords: Asthma, Syndrome, Mediastinal emphysema, Pré-escolar. Child, preschool.


INTRODUÇÃO

A síndrome de Hamman, ou pneumomediastino espontâneo, é uma condição rara que afeta 1 a cada 25.000 pessoas1 entre 5 e 34 anos de idade, sendo a maioria do sexo masculino (70%)1 e do biotipo longilíneo2. Nos Estados Unidos, a prevalência pediátrica é de cerca de 800 pacientes a cada 42.000 crianças atendidas na emergência e de 1 a cada 30.000 crianças em serviços de referência3. No Brasil ainda não se tem dados epidemiológicos significativos. Em uma revisão bibliográfica de 20134, foram identificados 600 pacientes com pneumomediastino espontâneo em 1.771 artigos, em um período de 22 anos.

Apesar da baixa incidência de casos, suas repercussões clínicas e radiológicas podem comprometer a qualidade de vida do paciente, sendo necessário o seu conhecimento e a adoção de medidas de prevenção. Além disso, por ser uma entidade benigna e autolimitada, ela geralmente desencadeia diversas investigações e sub-diagnóstico, devido à presença do pneumomediastino e à possibilidade de ruptura de outra víscera. Com base em revisões de literatura e em relatos de caso publicados no PubMed, tem-se demonstrado que fatores de risco de alta prevalência5,4, como a asma inadequadamente tratada (presente em 13,7% dos pacientes), podem predispor essa síndrome, sendo seu controle fundamental para o melhor desfecho e menor risco de recidivas.


OBJETIVO

Correlacionar a síndrome de Hamman apresentada em relato de caso com importante fator de risco, a asma, e a importância da adesão terapêutica e do conhecimento entre os profissionais de saúde.


RELATO DE CASO

Pré-escolar, masculino, branco, com IMC de 20,5kg/m2, foi admitido no serviço com crise asmática há 5 dias, associada à dor torácica, febre não aferida há 2 dias e piora da tosse há 1 dia, evoluindo com enfisema subcutâneo. Negou sintoma prévio semelhante. Ao exame físico, estava eupneico, afebril, sem esforço respiratório, com murmúrio vesicular reduzido e estertores subcrepitantes em base posterior esquerda de hemitórax direito, enfisema subcutâneo que, inicialmente, envolvia a circunferência torácica e, posteriormente, expandiu para a região cervical anterior e supraclavicular, bilateralmente. Estava em uso de salbutamol spray 100mcg de 6 jatos de 6/6h e metilprednisolona de 1g de 12/12h, devido à asma brônquica exacerbada, e em uso irregular de budesonida spray de 50mcg 1 puff/dia. A tomografia de tórax evidenciou bronquiolite celular multifocal de provável natureza inflamatória/infecciosa; extenso enfisema subcutâneo, pneumomediastino e pneumorraque (achados que podem estar relacionados à síndrome de Hamman) (Figura 1).





Pela suspeita de síndrome de Hamman, orientou-se conduta expectante e observação em leito de enfermaria para investigação diagnóstica. Paciente recebeu alta hospitalar após dois dias de internação, após melhora clínica, e foi encaminhado para seguimento no ambulatório de pneumologia pediátrica do serviço.


METODOLOGIA

Revisão narrativa a partir de relato de caso sobre o tema síndrome de Hamman. Foram avaliados 10 artigos no total, sendo 8 relatos de casos e 2 revisões bibliográficas, no período de 13 anos, nos bancos de dados Medline e PubMed.


RESULTADOS

A Síndrome de Hamman, ou pneumomediastino primário, é o resultado do dissecamento de ar para o mediastino e para planos mais superficiais, originando o enfisema subcutâneo. Essa síndrome é uma condição rara que afeta 1 a cada 25.000 pessoas1, entre 5 e 34 anos de idade (média de 22 anos), sendo a maioria do sexo masculino (70%)1 e do biotipo longilíneo. Apesar de ser uma entidade benigna e autolimitada, ela geralmente desencadeia diversas investigações e subdiagnóstico, devido à presença do pneumomediastino e à possibilidade de ruptura de outra víscera3. Para elucidar a abordagem diagnóstica e terapêutica, assim como a associação da síndrome de Hamman com a asma, foram analisados 10 artigos, publicados entre 2010 e 2020, sendo 8 relatos de casos e 2 revisões bibliográficas, totalizando 625 pacientes estudados.


DISCUSSÃO

Em relação à etiologia, apesar de o mecanismo fisiopatológico não ser bem definido, acredita-se que a teoria mais aceita se denomina efeito Macklin, em que ocorre dissecamento de ar para o mediastino e para planos superficiais, originando o enfisema subcutâneo.

Os fatores de risco mais relacionados seriam eventos que levam ao aumento da pressão intratorácica, como manobras de Valsalva, dentre elas tosse (10%) e vômitos incoercíveis (7%)6, uso de substâncias ilícitas (2 casos)7, como a cocaína, e intoxicação por álcool (4)7. Além disso, tem-se fatores predisponentes associados, como síndrome de Marfan (1) e asma (3 pacientes)7. Em 20% dos casos, não houve fator de risco identificado, como visto em um relato de uma lactente sem fator precipitante8. A asma, tema em destaque da revisão e presente em 8%-39% dos pacientes com a síndrome6, conforme a literatura, e presente em 14,1% dos relatos analisados, desencadearia o pneumomediastino através do aprisionamento aéreo, sendo o seu controle importante para evitá-lo.

Os sinais e sintomas mais relacionados à síndrome de Hamman, conforme os artigos pesquisados, são enfisema subcutâneo (41%), dor torácica (60%), dispneia (40%), seguidos por dor cervical (16,5%), disfagia (14%), rouquidão (4,8%), odinofagia (3,8%), rinolalia (3,3%), febre (3,2%), taquicardia (0,7%) e ansiedade (0,7%)4,7,9. Em 25% dos pacientes com asma há tosse, simultaneamente6,9. Apenas 1 paciente evoluiu com enfisema peridural10. A síndrome pode manifestar-se sem sintomas, identificada em 50% dos casos. O achado semiológico específico é o sinal de Hamman7,9, um sopro sistólico em foco precordial presente em 14% dos pacientes4.

A radiografia de tórax, nas incidências póstero-anterior e perfil, seria o primeiro passo diagnóstico, conforme demonstrado em 80% dos casos. Contudo, ela pode subestimar a gravidade em mais de 30% dos pacientes, devido à limitação ao visualizar conteúdo aéreo9. A complementação com outros métodos de imagem não invasivos pode ser adotada, porém dependem da disponibilidade do serviço e se houver dúvida diagnóstica, como foi evidenciado em 80% pacientes. A tomografia computadorizada é considerada padrão-ouro, pois detecta pequenas porções de ar não visíveis na radiografia e foi adotada em quase 100% dos casos relatados, sem necessidade de investigação etiológica, posteriormente.

Os principais diagnósticos diferenciais são a síndrome de Boerhaave, dissecção aórtica e infarto miocárdico8. Pode haver leucocitose e PCR elevada, porém a maioria dos pacientes não possui infecção.

A terapia é conservadora em mais de 90% dos casos, demonstrada nessa revisão, por oxigenoterapia e analgesia. A utilização de drenos em selo d'água é necessária quando há pneumotórax associado e em evoluções clínicas e radiológicas mais graves. A recidiva é rara nesses pacientes, acometendo somente 0,8% dos pacientes4,6 e com potencial para evoluir para pneumotórax (1,2%), pneumopericárdio e tamponamento cardíaco9. A adesão ao controle da asma, seja ela através da terapia medicamentosa e do controle ambiental, é medida aliada à prevenção de evento primário e recidiva da síndrome, assim como melhor desfecho clínico do pneumomediastino primário.


CONCLUSÃO

A síndrome de Hamman é uma condição rara, porém benigna, que pode acometer crianças, em especial do sexo masculino e do biotipo longilíneo, sendo o seu principal fator de risco a asma inadequadamente tratada. No artigo foram relatados 625 pacientes com síndrome de Hamman, apresentando a dor torácica e o enfisema subcutâneo como principais manifestações do quadro clínico em 40% e 41%, respectivamente. A terapêutica é conservadora, incluindo analgesia e oxigenoterapia, além de tratamento para o fator causal, quando encontrado. Assim, o conhecimento dessa patologia entre profissionais de saúde e o controle ambiental e medicamentoso da asma permitem o manejo adequado do paciente, assim como evita recidivas e desfechos clínicos desfavoráveis.


REFERÊNCIAS

1. Grapatsas K, Tsilogianni Z, Leivaditis V, Kotoulas S, Kotoulas C, Koletsis E, et al. Hamman's syndrome (spontaneous pneumomediastinum presenting as subcutaneous emphysema): A rare case of the emergency department and review of the literature. Respir Med Case Rep. 2017 Dec 11;23:63-65. DOI: https://doi.org/10.1016/j.rmcr.2017.12.004.

2. Duarte NO, Verdelho CH, Queiroz RM. Presence of gas in an unusual place: spontaneous pneumomediastinum (Hamman's syndrome). J Bras Pneumol. 2018 Jul-Aug;44(4):334. DOI: https://doi.org/10.1590/S1806-37562018000000117.

3. Singh D, Kumar S, Stead TS, Ganti L. Spontaneous Mediastinal Emphysema. Cureus. 2018 Mar 26;10(3):e2369. DOI: https://doi.org/10.7759/cureus.2369.

4. Dajer-Fadel WL, Argüero-Sánchez R, Ibarra-Pérez C, Navarro-Reynoso FP. Systematic review of spontaneous pneumomediastinum: A survey of 22 years' data. Asian Cardiovasc Thorac Ann. 2014;22(8):997-1002. DOI: https://doi.org/10.1177/0218492313504091.

5. Kamal YA. Hamman's syndrome in a child. Med Intensiva (Engl Ed). 2021 Aug-Sep;45(6):385. DOI: https://doi.org/10.1016/j.medine.2019.09.011.

6. García-García A, Parra-Virto A, Galeano-Valle F, Demelo-Rodríguez P. Spontaneous Pneumomediastinum and Subcutaneous Emphysema: Hamman's Syndrome. Arch Bronconeumol (Engl Ed). 2019 Dec;55(12):661-3. DOI: https://doi.org/10.1016/j.arbres.2019.05.011.

7. Kelly S, Hughes S, Nixon S, Paterson-Brown S. Spontaneous pneumomediastinum (Hamman's syndrome). Surgeon. 2010 Apr;8(2):63-6. DOI: https://doi.org/10.1016/j.surge.2009.10.007.

8. Gowa MA, Abidi SMA, Chandio B, Nawaz H. Case report of a child with spontaneous pneumomediastinum and subcutaneous emphysema. J Int Med Res. 2023;51(9):3000605231200269. DOI: https://doi.org/10.1177/03000605231200269.

9. Mohamed W, Exley C, Sutcliffe IM, Dwarakanath A. Spontaneous pneumomediastinum (Hamman's syndrome): presenting as acute severe asthma. J R Coll Physicians Edinb. 2019 Mar;49(1):31-3. DOI: https://doi.org/10.4997/JRCPE.2019.106.

10. Sirotkin L, Ladde JG. A case of spontaneous pneumomediastinum and epidural pneumatosis in a young woman in the Emergency Department. J Emerg Med. 2013 May;44(5):e353-5. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jemermed.2012.11.008.











1. Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE), Clínica Médica - São Paulo - São Paulo - Brasil
2. Hospital PUC-Campinas, Pediatria - Campinas - São Paulo - Brasil
3. Hospital PUC-Campinas, Cirurgia Pediátrica - Campinas - São Paulo - Brasil

Endereço para correspondência:
Ana Clara Charantola Beloni
Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE), Clínica Médica - São Paulo - São Paulo - Brasil
Rua Pedro de Toledo, 1800 - Vila Clementino
São Paulo, SP, Brasil. CEP: 04039-000
E-mail: anaclaracbeloni@gmail.com

Data de Submissão: 31/08/2023
Data de Aprovação: 14/02/2024