Artigo Original
-
Ano 2024 -
Volume 14 -
Número
4
Terapêutica não medicamentosa para febre: tem validade?
Physical methods management for fever: it can be used?
Victor Lenon Aires Peixoto; Fernando de Almeida Machado
RESUMO
INTRODUÇÃO: a febre é uma das ocorrências mais incidentes na prática pediátrica. Entretanto, muitas atitudes são tomadas precipitadamente por responsáveis e profissionais na sua abordagem por ser uma manifestação clínica que gera ansiedade. Dentre as atitudes tomadas para seu controle, estão as medidas físicas.
OBJETIVOS: apresentar o que a literatura médica diz sobre o uso dessa modalidade terapêutica não medicamentosa de controle de temperatura corporal, suas vantagens e desvantagens e, se possível, identificar fatores que possam estar associados a essas atitudes.
METODOLOGIA: revisão integrativa da literatura sobre a terapia não medicamentosa da febre. Foi definida a pergunta norteadora: "A terapêutica não medicamentosa da febre tem validade?" Foi selecionada a base de dados Medline e feita uma pesquisa livre para a identificação de material relevante que não estivesse indexado na base de dados selecionada.
RESULTADOS: foram incluídos 25 estudos para análise.
DISCUSSÃO: há muitos resultados conflitantes mostrando ou não eventuais benefícios do tratamento físico da febre, e muitos deles apresentam diminuição da temperatura corporal somente nos primeiros minutos. As inúmeras inconsistências nos resultados podem ser devido a problemas metodológicos.
CONCLUSÕES: atualmente, não existem respostas definitivas na análise de riscos e benefícios referentes ao uso de métodos físicos para controle da febre.
Palavras-chave:
Febre, Criança, Conhecimentos, Atitudes e prática em saúde.
ABSTRACT
INTRODUCTION: Fever is one of the most common complaints seen in a pediatric appointment. Although this, many physicians and parentes atitudes are taken soonly because they have too many misconceptions and concerns about fever. Among these attitudes, physical cooling methods are common.
OBJECTIVES: the aim of this study is showing what is disseminated by medical literature about cooling methods in management of fever, its benefits and harms.
METHODS: its a literature integrative review about non chemical management of fever. The authors searched the Medline trials register and a free search to find others studies not published in that digital platform with the question: Whats is the value of non chemical fever management?
RESULTS: It was included 25 studies met the inclusion criteria.
DISCUSSION: there are many conflicting results showing or not showing benefits in the fever management with physical methods. Much of them show benefits only in the first minuts after cooling. Several conflicting results must be due the methodological problems.
CONCLUSIONS: Currently, there is no definitive answers about advantages and disadvantages in fever management by using physical methods, considering risk and benefits.
Keywords:
Fever, Child, Health knowledge, Attitudes, Practice.
INTRODUÇÃO
A febre representa até 40% das queixas referidas pelos pais e, muitas vezes, é a principal queixa numa consulta pediátrica de emergência1,2. Apesar disso, ainda não há consenso entre os vários autores sobre o valor específico para a definição de febre em crianças, em decorrência das inúmeras variáveis biológicas e ambientais que influenciam a temperatura corporal. Mas de maneira não quantitativa, a febre pode ser conceituada como elevação da temperatura corpórea acima de um intervalo considerado normal em resposta a uma variedade de estímulos, sempre dependente de um reajuste no centro termorregulador na área preóptica do hipotálamo anterior (APO/HA)3,4. A participação do reajuste central da temperatura corporal diferencia a febre de uma hipertermia, pois nesta última há desequilíbrio entre a produção e a perda de calor, sem haver modificações no set point hipotalâmico4.
Embora a febre possa se associar a desconforto clínico, ela confere benefícios durante processos infecciosos. As temperaturas febris aumentam a probabilidade de uma resposta imune efetiva ao estimular tanto a resposta imune inata quanto a adaptativa. O desempenho imune torna-se melhor na vigência da febre, sendo otimizado por volta dos 39,5oC. Tais substâncias pirogênicas endógenas podem atuar em diferentes mecanismos de indução da febre, mecanismos esses dependentes ou não das prostaglandinas (PG)4-7.
A evidência científica mostra que há efeitos benéficos da temperatura elevada na evolução clínica de uma infecção, apesar dos seus efeitos adversos8. A termorregulação desempenha um papel fundamental em vários aspectos da fisiologia humana e na defesa do organismo contra os patógenos. O desempenho imune torna-se melhor na vigência da febre, sendo otimizado por volta dos 39,5ºC7. No entanto, paradoxalmente, o tratamento da febre baseia-se no pressuposto de que ela tem um efeito prejudicial e a sua redução sempre beneficiará o paciente8.
A despeito da elevada incidência dessa queixa nas consultas pediátricas e dos mecanismos fisiopatogênicos serem relativamente bem conhecidos, existe uma dificuldade em estabelecer uma relação prognóstica entre a intensidade da temperatura e a gravidade das doenças que a determinam ou mesmo em complicações que possam ser atribuídas à condição febril. É, portanto, compreensível que exista subjetividade para apontar o momento certo para intervenção e como fazê-la9. A conduta deve ser norteada pela linha tênue que define o equilíbrio entre os benefícios do tratamento e suas desvantagens. Concepções equivocadas sobre as complicações da febre muitas vezes levam os profissionais de saúde a iniciar um tratamento precoce e questionável com antipirético, independentemente do estado geral da criança9,10.
O grande número de dúvidas e divergências nas condutas médicas sobre a febre tem refletido no conhecimento geral dos cuidadores, gerando ansiedade, medo e atitudes controversas há muito tempo. O médico pediatra Barton Schmitt, em 1980, popularizou a expressão "Fever Phobia" ao descrever as incertezas e a ansiedade dos cuidadores em relação à febre. Destaca-se o fato de que a maioria dos pais entrevistados relata que suas opiniões sobre a febre foram influenciadas principalmente por médicos e paramédicos11. Esse comportamento foi sustentado em estudo posterior por Crocetti et al., em 200112.
Além disso, muitos cuidadores ainda acreditam que, na ausência de tratamento antitérmico, a temperatura pode subir para níveis muito altos e prejudiciais. Isso causa danos cerebrais e em outros órgãos, vitais, o que motiva o uso de antipiréticos precocemente. Além do debate a respeito da terapia antipirética com métodos farmacológicos e o melhor momento para utilizá-la, a aplicação de métodos físicos, como compressas e banhos frios, também gera discussão.
Em consideração à grande diversidade de atitudes e argumentos favoráveis ou desfavoráveis ao uso de métodos físicos para abaixar a temperatura corporal na vigência da febre, o presente artigo tem como objetivo apresentar o que a literatura médica diz sobre o uso dessa modalidade terapêutica não medicamentosa para controle de temperatura corporal, vantagens e desvantagens e, se possível, identificar fatores que possam estar associados a essas atitudes.
METODOLOGIA
Realizou-se uma revisão integrativa da literatura, na qual foram analisados dados publicados que permitissem um entendimento sobre a terapia não medicamentosa da febre. Para realizar esta pesquisa, foi definida a pergunta norteadora: "A terapêutica não medicamentosa da febre tem validade?" Como fonte de pesquisa foi selecionada a base de dados Medli ne, cujo indexador é o PubMed. Para a realização da pesquisa, recorreu-se à seleção de descritores MeSH: Hyperthermia; fever; Therapeutics, e de outras duas expressões: 'cooling methods' e "fever phobia" com os seus correspondentes em português e os seus devidos cruzamentos. Foi realizada também uma pesquisa livre para a identificação de material relevante que não estivesse indexado nas bases de dados selecionadas. Nas bases de dados escolhidas, foram realizadas as combinações dos termos, com o uso de operadores booleanos (conectores AND, OR), identificados no Quadro 1.
Nessa etapa procedeu-se à seleção dos critérios de elegibilidade. Foram incluídos artigos publicados no período de 1970 a 202. Artigos publicados em português, inglês ou espanhol. Artigos que relatem tratamentos utilizados na supressão da febre ou que comparem tratamentos farmacológicos com não farmacológicos. Optou-se por incluir artigos a partir de 1970, porque muitas publicações mais recentes faziam referência a trabalhos publicados nos anos 1970 ou posteriores, mas sem detalhar suas metodologias, o que gerou a necessidade de buscar a publicação original. Foram critérios de exclusão: 1. Artigos que não abordavam técnicas não farmacológicas; 2. Artigos tratando da hipertermia induzida por exercícios; 3. Artigos sobre tratamento de febre na sepse ou choque séptico; 4. Artigos sobre convulsões febris; 5. Artigos sobre febre após cirurgia neurológica, acidentes vasculares cerebrais, encefalopatia hipóxico-isquêmica.
Os autores cumpriram os aspectos éticos exigidos para esse tipo de estudo, respeitando as informações apresentadas pelos respectivos trabalhos.
RESULTADOS
Na procura PubMed, colocados os termos fever AND cooling method, a resposta foi de 311 artigos. Destes, estavam disponíveis para leitura na íntegra 91 documentos.
Therapeutics AND Children AND fever teve como resposta 4.674 artigos. Os artigos foram descartados na sua maioria pois não integravam 'fever', e todos citavam antipiréticos ou medicamentos (prática somente medicamentosa). A combinação Fever OR hyperthermia AND therapeutics AND cooling methods AND Children resultou em 16 artigos.
Fever AND fever phobia AND Children OR parents e fever phobia não são termos MeSH, ficando fora do indexador e o resultado foi de 144.054 artigos; destes, foi utilizado o filtro 'best match' onde 10 artigos foram utilizados na discussão. O uso dos termos Therapeutics AND fever phobia AND Children resultou em 7 artigos, e todos já estavam listados anteriormente.
De um total de 124 referências localizadas no PubMed, após a exclusão de 84 referências duplicadas, restaram 40 para análise. Após a exclusão de oito estudos que não preenchiam os critérios de inclusão, restaram 32 artigos. Após leitura completa dos artigos, foram excluídos mais sete, por apresentarem população ou intervenção diferentes dos critérios de elegibilidade.
DISCUSSÃO
A termorregulação é resultante do equilíbrio entre a produção e a perda de calor. A geração de calor é gerada pelos tremores musculares e pela termogênese química (tecido adiposo marrom – TAM) e é diretamente proporcional à taxa de metabolismo corporal. A perda de calor ocorre por quatro modalidades físicas. A radiação representa 60% das perdas em indivíduos normais. Evaporação contabiliza 25% das perdas, incluindo a forma gasosa dos pulmões. Convecção, transferência de calor pelas correntes de ar, representa 12%. Condução, transferência de calor pelo contato com outra superfície de temperatura diferente, é responsável por 3% da perda de calor. A produção e a perda de calor também dependem de comportamentos termorregulatórios básicos e complexos. Essas modalidades físicas são a base para se compreender as atitudes não farmacológicas de controle da febre13,14.
Dentre os efeitos indesejáveis da febre, devem ser consideradas algumas alterações metabólicas importantes como o aumento do metabolismo em 13% e da frequência cardíaca em torno de 15 batimentos por minuto, ambos para cada grau Celsius de elevação da temperatura corporal, hiperventilação e depleção hidroeletrolítica. Menos comuns são alterações na consciência (como delírios e convulsões), maior consumo de plaquetas e efeitos nocivos à formação embrionária15.
A recomendação de métodos físicos, como a aplicação de compressas corporais, tem sido motivo de discussão e controvérsia na literatura, e os resultados de diferentes pesquisas nem sempre são concordantes.
Utilização de meios físicos de resfriamento corporal como adjuvantes terapêuticos é uma prática comum em muitas populações. Embora muitos considerem esses métodos seguros, relatam-se efeitos colaterais que podem ser graves, na dependência dos métodos utilizados e no modo de execução12.
Os métodos que foram citados na literatura variavam entre banhos de imersão ou com água corrente, com diferentes temperaturas da água. Compressas mornas ou mais frias, compressas com álcool, ventilação, exposição a ambientes frios, aplicação de bolsa térmica com gelo e descreve-se até enema com solução gelada16.
Os efeitos colaterais mais frequentemente descritos são o choro, o desconforto, tremores, alterações vasomotoras e arrepios. A incidência desses efeitos colaterais varia na literatura, provavelmente por serem sintomas subjetivos. As compressas com água gelada provocam mais efeitos indesejáveis do que compressas mornas, além de trazerem maior probabilidade de um efeito rebote, ou seja, a elevação posterior da temperatura17.
Baseando-se nas modalidades físicas de perda de calor é que se sustentam os diferentes métodos físicos propostos no controle antitérmico. Como o calor específico da água é superior ao do ar, o contato da água com a pele pode absorver uma maior quantidade de calor do que o ar. Para cada grama de água evaporada, há perda de 0,58 calorias. A retirada de cobertas e roupas, em ambiente com temperatura mais baixa (em torno de 22oC) e ventilação adequada, aumenta a condução e convecção. As compressas mornas estimulam a evaporação, mas precisam ser usadas por tempo prolongado, por até 2 horas ou mais3. Nos trabalhos avaliados, não se estabelecia o tempo em que as compressas tépidas ou frias eram mantidas.
Não estão claros se os métodos físicos trazem benefícios quando comparados ao uso de antitérmicos isoladamente ou em combinação3. Muitos estudos mostram benefício no controle da temperatura por meio da combinação de métodos, apesar dos eventos adversos leves18-20. Em outros estudos, não há constatação de que os eventos adversos como choro e irritabilidade sejam significativos na comparação com o grupo não submetido aos meios físicos21 e outros estudos não documentam benefício algum3.
Uma das explicações para essa inconsistência nos resultados pode ser atribuída a problemas metodológicos. Muitos desses estudos não se referem com precisão como as medidas de temperatura são realizadas. Qual é a superfície corporal submetida às compressas mornas ou frias. Quanto tempo as compressas ou banhos são aplicados, a temperatura da água utilizada nas compressas. Em que local as temperaturas corporais são obtidas (se os termômetros ficam em contato com a pele resfriada). O tipo de termômetro usado, se são usados os mesmos termômetros nos diferentes pacientes. Não especificam a temperatura ambiente e a umidade relativa do ar em que a criança está, as quais são variáveis importantes na determinação da temperatura corporal.
Durante a febre, o resfriamento externo por qualquer das medidas físicas pode provocar vasoconstrição periférica e aferir informações ao centro termorregulador hipotalâmico, ativando mecanismos de conservação e produção de calor. Essa vasoconstrição explica por que os pacientes febris expostos a compressas podem ter queda maior de temperatura nas avaliações iniciais, geralmente nos primeiros 15 a 30 minutos, mas não se sustenta nos períodos subsequentes. Ainda que esses valores de temperatura corporal obtidos no início do período de observação sejam artificialmente baixos em função do resfriamento corporal externo20.
Doyle, Zehner e Temdrup (1992)22 constataram que o resfriamento da cabeça e do pescoço diminuía a temperatura da membrana timpânica, demonstrando assim que o resfriamento ocorre não só pelo contato direto da superfície fria com a superfície cutânea ou mucosa a ser avaliada. Conclusões semelhantes foram feitas na publicação de Sharber (1997)20. Entretanto, não há clara demonstração de que isso possa ser generalizado a outros sítios anatômicos de obtenção habitual da temperatura.
Em estudo realizado por Purssell (2000)23, a adição de banho tépido ao uso de paracetamol no tratamento de crianças febris resultou em queda da temperatura corporal um pouco mais rápida em comparação com o uso exclusivo de paracetamol, o que não foi associado à importância clínica. Outro estudo realizado por autores brasileiros mostrou que, nos primeiros 15 minutos, a temperatura axilar diminuiu de forma mais significativa, no grupo que fez uso de dipirona associada ao banho tépido, em comparação com o grupo que usou dipirona exclusivamente 24. Porém, a partir dos 30 minutos, foi observada uma queda maior da temperatura no grupo que usou apenas dipirona. Assim, a queda da temperatura corporal não pode ser atribuída à associação com o banho. É possível que aos 30 minutos já tenha tido tempo de a pele reaquecer ou mesmo deixar evidente um possível efeito rebote.
Alguns estudos, entretanto, mostram efeito antitérmico mais prolongado. Variáveis não controladas podem enviesar resultados, dentre essas, a umidade relativa do ar e a exposição à ventilação no ambiente. Sabe-se que perdas de calor por radiação de ondas infravermelhas e perdas por evaporação podem ser maiores em ambientes menos quentes e menos úmidos19.
Meremikwu e Oyo-Ita (2003)17 relataram estudos que utilizavam métodos físicos associados a um medicamento, com placebo ou a nenhum medicamento em crianças com febre de origem infecciosa presumida. Muitos desses estudos apresentados pelos autores tinham evidentes limitações metodológicas. Grande parte das publicações mostrava quedas da temperatura corporal mais evidentes na primeira hora no grupo que associava antitérmico com métodos físicos, resposta não sustentada em períodos mais longos. Mas, resultados diferentes também foram encontrados no relato dos autores. Como a melhor resposta antitérmica após duas horas no grupo que associou métodos físicos com farmacológicos ou mesmo nenhuma diferença entre os dois grupos, em qualquer momento da avaliação.
Embora pouco utilizado atualmente, o álcool já foi usado com mais frequência em tempos passados como adjuvante no resfriamento corporal dos pacientes febris. Em 1970, Steele et al. (1970)18 demonstraram que o uso de álcool antecipava a queda da temperatura, mas apenas na primeira hora. Na 2ª hora, não havia mais diferença estatística entre o uso de álcool e o uso de compressa morna. Pelas complicações descritas ao longo do tempo associadas ao uso de álcool, hoje este método é pouco empregado.
Apesar disso, um estudo conduzido na Turquia, em 2010, com o objetivo de avaliar as concepções de médicos que trabalham em atendimento primário, mostrou que 22,5% dos profissionais achavam que fricção do corpo com álcool devia ser recomendada para reduzir a febre. Neste mesmo estudo, 87,5% dos médicos recomendavam medidas físicas como banho e 70% eram favoráveis a compressas frias9.
Em um trabalho publicado por Dong et al. (2015)25, os percentuais de cuidadores que apresentavam conceitos equivocados geradores de ansiedade foram elevados. Esses autores relataram que 83,9% dos cuidadores de crianças internadas afirmaram ter recebido educação sobre febre. É preciso trazer para reflexão que, na prática médica, muitas vezes a prescrição hospitalar rotineira inclui antitérmicos caso a criança apresente febre, algumas vezes estipulando o valor de 38oC para medicar. Esse modelo educa a população leiga no sentido de que toda febre (geralmente acima de 38oC) precisa ser medicada. Se os próprios serviços de saúde fazem isso, o modelo é copiado na comunidade.
Um estudo recentemente publicado apresentou alta prevalência de pais com conceitos equivocados a respeito da febre. Desses, 56,8% utilizavam-se de práticas inadequadas no controle térmico, incluindo uso de antibióticos como automedicação para febre alta por 15,7% dos entrevistados. Nessa população, o método físico mais adotado no manejo da febre foi a aplicação de compressa fria, referido por 40% dos entrevistados26.
Outro aspecto a ser considerado como método físico diz respeito à hidratação. Pacientes com febre têm predisposição à desidratação. A oferta hídrica é necessária para compensar o aumento das perdas insensíveis e para manter um fluxo sanguíneo adequado à dissipação do calor. Relata-se um aumento de perda hídrica insensível de 7 ml/kg de peso corporal/dia para cada grau de temperatura acima de 37,2oC3,20.
Pesquisas experimentais e clínicas mostram que a suplementação hídrica tem um papel benéfico em manter a temperatura corporal mais baixa. Muitos estudos abrangentes com propostas de diretrizes recomendam apenas um aporte adequado ou aumentado de líquidos sem uma determinação mais objetiva. Enquanto outros chegam a propor 10 ml/kg para cada grau acima do limite normal ou mesmo volumes maiores. Mas essas recomendações não têm publicações com nível de evidência estabelecido. Em resumo, ainda não há estudos bem delineados que determinem a relação entre a oferta hídrica ótima ou desejada para um controle térmico definido20,27. A hidratação não foi um recurso amplamente referido como uma medida física para abaixar a temperatura corporal nos estudos avaliados.
Os dados hoje presentes na literatura médica são insuficientes para avaliar se o uso exclusivo de métodos físicos bastaria para normalizar a temperatura corporal, pois poucos estudos avaliam as medidas físicas isoladamente17. Igualmente, os resultados quanto ao uso associado de medidas físicas e químicas na terapêutica são conflitantes ao refutar ou estimular tal prescrição. Essa falta de uniformidade na recomendação ou na não recomendação dos métodos físicos é observada mesmo em diferentes revisões sistemáticas. Por exemplo, a atitude de não agasalhar ou mesmo desagasalhar uma criança febril é contraindicada pela Sociedade Italiana de Pediatria, pelo Guideline da África do Sul e pelo Guideline do National Institute for Health and Care Excellence (NICE) e indicada pelos Guidelines da OMS, dentre outras27.
Chiappini et al. (2018)28 aplicaram um questionário a 562 pediatras com o objetivo de avaliar seus conhecimentos sobre as atitudes diante de uma criança febril, tendo como referência o guideline italiano, publicado previamente e difundido por todo o país. O protocolo considera incorreto o uso de métodos físicos, e mesmo assim tal atitude foi recomendada por 51,6% dos pediatras.
A inconsistência nas recomendações é evidente mesmo nos estudos mais recentes. No artigo de Green et al. (2021)27, os níveis de evidência para a maioria das recomendações são baixos ou indeterminados.
Grande parte das diretrizes que abordam o uso de métodos físicos se coloca a favor do uso de esponja morna ou de compressas, mas muitas sequer abordam o tema. A diminuição da temperatura por meio do resfriamento externo é de curta duração. A pequena redução inicial na temperatura corporal não compensa o desconforto potencial27. A literatura médica não confirma consistentemente os benefícios das medidas físicas. Elas não trazem vantagens para o controle da febre e causam desconforto à criança. Além disso, não eliminam a necessidade de medicamentos quando esses são necessários. Essas medidas estão associadas a efeitos adversos e até a um aumento paradoxal da febre16,29.
Em algumas situações clínicas, a associação de métodos físicos de resfriamento pode ser considerada, com argumentos mais plausíveis e consistentes. É o caso de pacientes febris com hiperpirexia ou febre muito elevada e com algum risco específico de ficar exposto a essa situação, em situações em que a febre está muito alta com prejuízo no bem-estar do paciente e com impossibilidade de medicar com antitérmico no momento apropriado, nas elevações súbitas e significativas da temperatura corporal de pacientes em que não se deseja um aumento da demanda metabólica (cardiopatas, pneumopatas, dentre outros), e nas pessoas em que se deseja um abaixamento da temperatura corporal e a resposta aos antitérmicos está insatisfatória29.
Há uma grande disparidade entre a alta incidência de febre na prática clínica e a baixa quantidade de ensino formal dedicada à fisiopatologia e ao tratamento nas faculdades de medicina. O ensino e a pesquisa sobre as modalidades de tratamento da febre, incluindo as medidas físicas, podem não ser suficientes, deixando os médicos, em muitos casos, despreparados para tomar atitudes assertivas com relação ao controle da temperatura corporal na vigência de alguma infecção30.
CONCLUSÕES
Existem poucos estudos que utilizam formas não farmacológicas isoladas, prevalecendo estudos comparando fármaco e placebo, fármaco isoladamente e fármaco associado à terapia não farmacológica. Estudos mostram que métodos físicos de tratamento da febre, quando têm algum efeito, são reconhecidos apenas na diminuição do tempo que a temperatura corporal leva para abaixar. O efeito não é sustentado dentro de um prazo um pouco mais longo de observação, geralmente após 60 a 90 minutos.
Muitos estudos apresentam problemas e limitações metodológicas significativas, não detalhando variáveis importantes na utilização das medidas físicas.
Atualmente, não existem respostas definitivas na análise de riscos e benefícios a respeito do uso de métodos físicos. Mas enfatiza-se que os métodos físicos não são isentos de efeitos colaterais. É necessário educar profissionais e cuidadores no sentido de desestimular a ansiedade gerada pela presença da febre e as consequentes atitudes precipitadas.
REFERÊNCIAS
1. Hay AD, Heron J, Ness A, ALSPAC study team. The prevalence of symptoms and consultations in pre-school children in the Avon Longitudinal Study of Parents and Children (ALSPAC): A prospective cohort study. Fam Pract. 2005;22(4):367-74.
2. Elkon-Tamir E, Rimon A, Scolnik D, Glatstein M. Fever Phobia as a Reason for Pediatric Emergency Department Visits: Does the Primary Care Physician Make a Difference? Rambam Maimonides Med J. 2017;8(1):e0007. DOI: https://doi.org/10.5041/RMMJ.10282.
3. Chandra J, Bhatnagar K. Antipyretics in Children. Indian J Pediatr. 2002;69(1):69-74.
4. Hanna-Juma S, Carraretto M, Forni L. The pathophysiological basis and consequences of fever. Crit Care. 2016;20(1):1-10.
5. Evans SS, Repasky EA, Fisher DT. Fever and the termal regulation of immunity: the system feels the heat. Nature Rev Immunol. 2015;15(6):335-49.
6. Zampronio AR, Soares DM, Souza GEP. Central mediators involved in the febrile response: effects of antipyretic drugs. Temperature (Austin). 2015;2(4):506-21.
7. El-Radhi AS; Carroll J; Klein N. Pathogenesis of Fever. Clinical Manual of Fever in Children. 47 Doi: 10.1007/978-3-540-78598-9, © Springer-Verlag Berlin Heidelberg 2009.
8. González Plaza JJ, Hulak N, Zhumadilov Z, Akilzhanova A. Fever as an important resource for infectious diseases research. Intractable Rare Dis Res. 2016;5(2):97-102. DOI: https://doi.org/10.5582/irdr.2016.01009.
9. Demir F, Sekreter O. Knowledge, attitudes and misconceptions of primary care physicians regarding fever in children: a cross sectional study. Ital J Pediatr. 2012;38:40-6.
10. Al-Eissa YA, Al-Zaben AA, Al-Wakeel AS, Al-Alola SA, Al-Shaalan MA, Al-Amir AA, et al. Physician's perceptions of fever in children. Facts and myths. Saudi Med J. 2001;22(2):124-8.
11. Schmitt BD. Fever phobia: misconceptions of parents about fevers. Am J Dis Child. 1980 Feb;134(2):176-81.
12. Crocetti M, Moghbeli N, Serwint J. Fever phobia revisited: have parental misconceptions about fever changed in 20 years?. Pediatrics. 2001;107(6):1241-6.
13. Tan CL, Knight ZA. Regulation of body temperature by the nervous system. Neuron. 2018;98(1):31-48.
14. Roth J, Blatteis CM. Mechanisms of Fever Production and Lysis: Lessons from Experimental LPS Fever. Compr Physiol. 2014;4(4):1563-604.
15. Voltarelli JC. Febre e Inflamação. Medicina (Ribeirão Preto). 1994;27(1-2):7-48.
16. Axelrod P. External Cooling in the Management of Fever. Clin Infect Dis. 2000;31(Suppl 5):S224-9.
17. Meremikwu MM, Oyo-Ita A. Physical methods versus drug placebo or no treatment for managing fever in children. Cochrane Database Syst Ver. 2003;2003(2):CD004264.
18. Steele RW, Tanaka PT, Lara RP, Bass JW. Evaluation of sponging and of oral antipyretic therapy to reduce fever. J Pediatr. 1970;77(5):824-9.
19. Mahar AF, Allen SJ, Milligan P, Suthumnirund S, Chotpitayasunondh T, Sabchareon A, et al. Tepid sponging to reduce temperature in febrile children in a tropical climate. Clin Pediatr (Phila). 1994;33(4):227-31.
20. Sharber J. The efficacy of tepid sponge bathing to reduce fever in young children. Am J Emerg Med. 1997;15(2):188-92.
21. Kinmonth A-L, Fulton Y, Campbell MJ. Management of feverish children at home. BMJ. 1992;305(6862):1134-6. DOI: https://doi.org/10.1136/bmj.305.6862.1134.
22. Doyle F, Zehner WJ, Terndrup TE. The effect of ambient temperature extremes on tympanic and oral temperatures. Am J Emerg Med. 1992;10(4):285-9.
23. Purssell E. Physical treatment of fever. Arch Dis Child. 2000;82(3):238-9.
24. Alves JGB, Almeida NDCM, Almeida CDCM. Tepid sponging plus dipyrone versus dipyrone alone for reducing body temperature in febrile children. Sao Paulo Med J. 2008;126(2):107-11.
25. Dong L, Jin J, Lu Y, Jiang L, Shan X. Fever phobia: a comparison survey between caregivers in the inpatient ward and caregivers at the outpatient department in a children's hospital in China. BMC Pediatrics. 2015;15(1):1-9.
26. Hussain SM, Al-Wutayd O, Aldosary AH, Al-Nafeesah A, AlE'ed A, Alyahya MS, et al. Knowledge, Attitude, and Practice in Management of Childhood Fever Among Saudi Parents. Glob Pediatr Health. 2020;7:1-9. DOI: https://doi.org/10.1177/2333794X20931613.
27. Green C, Krafft H, Guyatt G, Martin D. Symptomatic fever management in children A systematic review of national and international guidelines. PLoS One. 2021;16(6):e0245815. DOI: https://doi.og/10.1371/journal.pone.0245815.
28. Chiappini E, Cangelosi AM, Becherucci P, Pierattelli M, Galli L, de Martino M. Knowledge, attitudes and misconceptions of Italian healthcare professionals regarding fever management in children. BMC Pediatr. 2018;18(1):194. DOI: https://doi.org/10.1186/s12887-018-1173-0.
29. World Health Organization (WHO). The management of fever in young children with acute respiratory infections in developing countries. Geneva: WHO; 1993.17p.
30. Ipp M; Jaffe D. Physicians' attitudes toward the diagnosis and management of fever in children 3 months to 2 years of age. Clin Pediatr (Phila).1993:32(2):66-70. DOI: https://doi.org/10.1177/000992289303200201.
Universidade Federal do Tocantins (UFT), Curso de Medicina - Palmas - Tocantins - Brasil
Endereço para correspondência:
Fernando de Almeida Machado
Universidade Federal do Tocantins. UFT
Avenida NS-15, Quadra 109 - Alcno 14, Norte, s/n - bloco D - Plano Diretor Norte
Palmas - TO, 77001-090
E-mail: fam@uft.edu.br
Data de Submissão: 16/09/2022
Data de Aprovação: 04/09/2024