ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2024 - Volume 14 - Número 4

Displasia septo-óptica: um relato de caso sobre síndrome de Morsier

Septo-optic dysplasia: a case report on Morsier syndrome

RESUMO

INTRODUÇÃO: A displasia septo-óptica, também conhecida como Síndrome de Morsier, é considerada uma doença congênita rara, com incidência estimada de 1 para cada 100.000 nascidos vivos e é caracterizada pela tríade: defeitos da linha média (agenesia de corpo caloso e/ou septo pelúcido), hipoplasia de nervo óptico e anormalidades hormonais da hipófise. As alterações clínicas da doença são variadas, o que torna o diagnóstico um desafio, mas fundamental para reduzir a alta morbidade associada à doença.
OBJETIVO: Relatar um caso de Síndrome da displasia septo-óptica e como se chegou ao seu diagnóstico.
RELATO DO CASO: Paciente do sexo masculino, nascido em maternidade da cidade de São Paulo, com alteração no exame físico inicial: micropênis, macrocrania e nistagmo. Equipe de neonatologia interrogou a presença de alguma síndrome. Como parte da investigação de malformações, solicitaram avaliação oftalmológica que identificou hipoplasia de nervo óptico bilateral. Outros achados foram anormalidades hormonais das pituitárias e, com isso, dois dos critérios diagnósticos para a síndrome de Morsier.
CONCLUSÃO: O pediatra deve estar apto ao raciocínio clínico diagnóstico das síndromes raras, pois é o primeiro profissional que tem contato com o paciente, a fim de iniciar intervenção precoce diminuindo as morbidades associadas.

Palavras-chave: Displasia septo-óptica, Hipoplasia do nervo óptico, Neonatologia, Relatos de casos.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Septo-optic dysplasia, also known as Morsier Syndrome, is considered a rare congenital disease, with an estimated incidence of 1 in every 100,000 live births and is characterized by the triad: midline defects (corpus callosum agenesis and/or septum pellucidum), optic nerve hypoplasia and hormonal abnormalities of the hypophysis. The clinical changes of the disease are varied, which makes the diagnosis a challenging, but essential to reduce the high morbidity associated with the disease.
OBJECTIVE: Report a case of septo-optic dysplasia syndrome and how it came to be diagnosis.
CASE REPORT: Male patient, born in a maternity hospital in city of São Paulo, with changes in the initial physical examination: micropenis, macrocrania and nystagmus. The neonatology team questioned the presence of any syndrome. As part investigation of malformations, requested an ophthalmological evaluation that identified bilateral optic nerve hypoplasia. Other findings were hormonal abnormalities of the pituitary glands and, therefore, two of the diagnostic criteria for Morsier Syndrome.
CONCLUSION: The pediatrician must be capable of clinical diagnostic reasoning of rare syndromes, as he is the first professional who has contact with the patient, in order to initiate early intervention, reducing associated morbidities.

Keywords: Case reports, Optic nerve hypoplasia, Neonatology, Septo-optic dysplasia.


INTRODUÇÃO

A displasia septo-óptica, também conhecida como síndrome de Morsier, é considerada uma doença congênita rara, com incidência estimada de 1 para cada 100.000 nascidos vivos, igual para ambos os sexos1.

A doença está inserida no grupo das malformações cerebrais de linha média e é caracterizada pela tríade: defeitos da linha média (agenesia de corpo caloso e/ou septo pelúcido), hipoplasia de nervo óptico e anormalidades hormonais pituitárias, sendo que o seu diagnóstico requer pelo menos duas das três características. Pode-se suspeitar e chegar ao diagnostico por alterações clínicas desde o nascimento, como no caso relatado a seguir, ou ser diagnosticada mais tarde, em crianças com baixa estatura e outras alterações endócrino-metabólicas e alterações visuais1.

As principais alterações clínicas descritas são disgenesia do corpo caloso, esquizencefalia, microftalmia, anoftalmia, estrabismo, hipoplasia dos tratos ópticos, puberdade precoce ou tardia, micropênis, autismo e malformações cardíacas e esqueléticas, podendo o diagnóstico ser confirmado por exame oftalmológico, ressonância magnética de crânio e avaliação hormonal pituitária2-4.

As apresentações clínicas e radiológicas são variadas e relacionadas ao tipo e extensão das anomalias associadas, podendo ser feito ainda intraútero através da ecografia transfontanelar, o que torna o seu diagnóstico difícil, mas fundamental, a fim de realizar intervenção precoce para reduzir as morbidades associadas à doença5,6.


RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, nascido a termo no Hospital São Luiz Gonzaga (HSLG-SP), de parto cesárea devido à parada secundária da descida e macrossomia. Mãe com idade materna avançada, terceira gestação, sem intercorrência nas gestações anteriores, com dois filhos vivos, hígidos, do mesmo pai, filhos de pais não consanguíneos. Iniciou o pré-natal com dois meses de gestação, realizou nove consultas, com sorologias para hepatite B, hepatite C, sífilis e HIV negativas, com infecção do trato urinário tratada no primeiro trimestre de gestação, sem história de uso de álcool ou drogas. Paciente nasceu com APGAR 5/7, com necessidade de reanimação neonatal e encaminhado para internação em Unidade de Cuidados Intermediários.

No exame físico inicial, identificado micropênis, macrocrania e nistagmo, desconforto respiratório em sala de parto, necessitou de CPAP por dois dias e manteve necessidade de oxigenoterapia com cateter nasal de oxigênio por 110 dias. Ainda apresentou: icterícia prolongada, sendo realizada fototerapia por sete dias.

Pelas alterações oftalmológicas, solicitada avaliação oftalmológica que identificou a presença de hipoplasia de nervo óptico bilateral e levantada a hipótese de síndrome de Morsier.

Dessa forma, a equipe de neonatologia seguiu com a investigação:


1. Coletado cariótipo: 46, XY;
2. Realizados exames laboratoriais para a detecção precoce de hipopanpituitarismo, conforme listados na tabela 1:





1. Encaminhado para o Hospital Santa Marcelina para avaliação da otorrinolaringologia: identificado laringomalácia grau I, sem condutas no momento;
2. Realizados exames de imagem: ultrassonografia de rins e vias urinárias sem alterações; Ecocardiograma transtorácico: presença de comunicação interatrial ostium secundum 4mm, com fluxo direcionado do átrio esquerdo para átrio direito e sinais indiretos de hipertensão pulmonar; Ultrassonografia transfontanela sem alterações; Tomografia computadorizada de crânio e sela túrcica sem alterações; e ultrassonografia de abdome total sem alterações;
3. Necessitou de dieta enteral prolongada, e optado por gastrostomia aos três meses de vida devido ao baixo ganho ponderal e dificuldade de sucção.


Recebeu alta hospitalar com 4 meses de vida (116 dias de vida) em seio materno livre demanda, fórmula hidrolisada proteica, adtil 2 gotas/dia, levotiroxina 5mcg/kg/dia, hidrocortisona 10mg/m2, e seguimento ambulatorial com hepatopediatria, endocrinopediatria, oftalmologia, otorrinolaringologia.

Paciente apresentou múltiplas internações devido a quadros respiratórios e de sibilância recorrentes, perdendo o seguimento com as especialidades. Aos seis meses de vida, internou devido à

bronquiolite no Hospital São Paulo, sendo avaliado pela equipe da genética e encaminhado para seguimento ambulatorial, especialidade que acompanha atualmente.

Conforme demonstrado a seguir, a Figura 1 representa uma ressonância magnética de crânio, sem alterações, a fim de demonstrar a localização e a morfologia da glândula pituitária, em comparação à imagem encontrada no exame realizado pelo paciente aos nove meses de vida (Figura 2), com não caracterização de hipersinal em T1 habitual na sela turca, sendo caracterizado hipersinal no assoalho do terceiro ventrículo, na região da eminência mediana, anterior aos corpos mamilares, medindo 0,3cm, possível pituitária ectópica, além de corpo caloso, septo pelúcido e nervos ópticos de morfologia habitual.






No exame físico atual, o paciente apresenta atraso de desenvolvimento neuropsicomotor, plagiocefalia, fronte proeminente, nistagmo bilateral, limitação de pronação dos cotovelos bilaterais, hipermobilidade articular (interrogado se secundário à hipotonia) e micropênis. Aguarda retorno ambulatorial com a genética para avaliar a complementação com estudo específico da sela turca por ressonância magnética com contraste paramagnético e segue com as medicações de uso contínuo. Atualmente, o paciente encontra-se com dificuldade de seguimento com as especialidades por questões sociais.


DISCUSSÃO

A síndrome de Morsier ou Displasia Septo-óptica é uma doença congênita rara que foi descrita pela primeira vez em 1941 por Reeves e, posteriormente reclassificada pelo neurologista George de Morsier, recebendo o nome de síndrome de Morsier. Por existir a possibilidade de consequências graves para o desenvolvimento da criança, é fundamental o relato de caso dessa síndrome a fim de divulgar informações a respeito7.

O diagnóstico pode ser dado por alterações clínicas suspeitas, exames de imagem com a presença de pelo menos dois dos três achados da tríade: defeitos da linha média (agenesia de corpo caloso e/ou septo pelúcido), hipoplasia de nervo óptico e anormalidades laboratoriais dos hormônios hipofisários. Juntos, os três componentes aparecem em 30% dos casos, sendo o hipopituitarismo e a ausência do septo pelúcido as complicações mais comuns7.

Sabe-se que os genes associados ao desenvolvimento embrionário dos nervos ópticos, dos olhos e da hipófise, estão relacionados ao surgimento da displasia septo-óptica, sendo eles: HESX1, SOX2, SOX3 e OTX2. Porém, como os casos familiares compreendem menos de 1%, acredita-se que a etiologia precisa é multifatorial1,2.

A literatura médica identifica alguns fatores de risco pré-natais associados à síndrome de Morsier, como o consumo materno de álcool e drogas durante a gestação, a presença de infecções virais maternas, diabetes gestacional, idade materna jovem, primiparidade e prematuridade8.

Clinicamente, as manifestações podem variar de ausentes a severas, o que dificulta o seu diagnóstico. Dentre elas podemos citar hipoglicemia, icterícia, micropênis com ou sem criptorquidia, nistagmo, hipotonia, espasticidade e anormalidades variadas da linha média. Na literatura, encontramos que os distúrbios metabólicos, principalmente hipoglicemia e hipernatremia, são responsáveis por convulsões e atraso no desenvolvimento. Em crianças mais velhas, a baixa estatura é um achado significativo que sempre deve ser valorizado4,5,9.

Como mencionado, as anormalidades da linha média são variadas, incluindo agenesia de corpo caloso, ausência de septo pelúcido, hipoplasia cerebelar, aplasia do fórnice e esquizencefalia. Tais alterações estão presentes em até 75%-80% dos pacientes, aumentando para 90% naqueles com déficits neurológicos associados9-11.

A presença da hipófise posterior ectópica prediz a existência de deficiência hormonal hipofisária9. Dentre as anormalidades hormonais pituitárias a mais comum é a do hormônio do crescimento (GH). Entretanto, o hipotireoidismo central é a diagnosticada mais precocemente. Tais deficiências podem se desenvolver ao longo do tempo, sem estarem presentes nos primeiros dias de vida, o que leva à necessidade de acompanhamento durante toda a vida12.

Para dar segmento ao diagnóstico, a oftalmoscopia do nervo óptico é de grande importância, sendo descrita a presença da hipoplasia óptica, na qual a papila é pequena, pálida e muitas vezes com duplo contorno13.

Além dos achados clínicos, laboratoriais e da avaliação fundoscópica, é fundamental o emprego da ressonância magnética de crânio, exame padrão-ouro para avaliação das malformações cerebrais que caracterizam a síndrome, além da exclusão de outras possíveis malformações associadas da linha média. Em pacientes com deformidades adicionais do cérebro ou de estruturas extraneurais, um cariótipo também deve ser solicitado. Nessa situação, um cariótipo anormal é um fator adicional de pior prognóstico em termos de desenvolvimento14,15.

O tratamento da síndrome é direcionado, a fim de corrigir principalmente as deficiências hormonais que resultam em riscos de hipoglicemia, crise adrenal e, consequentemente, morte. Além disso, devido às várias alterações clínicas, torna-se importante o seguimento do paciente com equipe multiprofissional, incluindo oftalmologista, geneticista, neurologista e endocrinologista pediátrico2,4.


CONCLUSÃO

A displasia septo-óptica é considerada uma doença congênita rara, com alterações clínicas variadas, dificultando o seu diagnóstico. Contudo, trabalhos científicos voltados ao tema buscam demonstrar a importância do diagnóstico precoce, para o tratamento das deficiências hormonais, para melhorar o prognóstico na maioria dos casos e para evitar atrasos no desenvolvimento neurológico, em uma criança já comprometida por dificuldade visual.

O caso relatado apresentou dois critérios da tríade diagnóstica: hipoplasia de nervo óptico e anormalidades hormonais pituitárias, sendo que apenas 30%-47% dos pacientes apresentam a tríade completa. Entre os dados maternos e gestacionais, não encontramos fatores de risco no caso do paciente em questão. A partir das alterações observadas no exame físico inicial do paciente, a equipe de neonatologia do serviço já suspeitou de uma possível síndrome e iniciou a investigação e o tratamento precoce.

Conforme exposto, ressaltamos que o pediatra deve estar apto ao raciocínio clínico diagnóstico das síndromes raras, pois é o primeiro profissional que tem contato com o paciente.


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1. Hospital São Luiz Gonzaga, Pediatria - São Paulo - São Paulo - Brasil
2. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernades Figueira (IFF - FIOCRUZ), Neonatologia - São Paulo - São Paulo - Brasil

Endereço para correspondência:
Marina Bonagurio Julio
Hospital São Luiz Gonzaga. R. Michel Ouchana, 94 - Jaçanã
São Paulo - SP, 02276-140
E-mail: m.arinabonaj@gmail.com; m.arinabona@hotmail.com

Data de Submissão: 21/09/2023
Data de Aprovação: 15/01/2024