ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo de Revisao - Ano 2024 - Volume 14 - Número 4

O papel da cultura brasileira frente à obesidade infantil durante as últimas três décadas

The role of Brazilian culture in the face of childhood obesity over the last three decades

RESUMO

A obesidade infantil pode afetar a saúde na vida adulta de diversas maneiras. Em primeiro lugar, os estudos mostraram que crianças obesas têm maior probabilidade de se tornarem adultos obesos. Isso aumenta significativamente o risco de desenvolvimento de doenças crônicas, como diabetes, hipertensão, doenças cardíacas, câncer e outras condições que podem ter impacto negativo na qualidade de vida. Este trabalho busca trazer reflexões sobre as mudanças ambientais e culturais, quanto aos hábitos, que podem ter contribuído com o aumento da obesidade da população brasileira, através da publicidade, assim como comidas típicas e rotina das crianças antes da pandemia de COVID-19.

Palavras-chave: Obesidade, Cultura, Pediatria, Brasil.

ABSTRACT

Childhood obesity can affect health in adulthood in several ways. First, studies have shown that obese children are more likely to become obese adults. This significantly increases the risk of developing chronic diseases such as diabetes, hypertension, heart disease, cancer and other conditions that can negatively impact quality of life. This work seeks to bring reflections on environmental and cultural changes in terms of habits, which may have contributed to the increase in obesity in the Brazilian population, through advertising, as well as typical foods and childrens routine before the COVID-19 pandemic.

Keywords: Obesity, Culture, Pediatrics, Brazil.


INTRODUÇÃO

A obesidade infantil é um problema crescente no Brasil, e vem se tornando mais comum nas últimas décadas. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que, em 2019, uma em cada três crianças de 5 a 9 anos estava acima do peso. Os fatores que contribuem para o aumento da obesidade infantil no Brasil são múltiplos e incluem o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, a diminuição da atividade física e os hábitos alimentares inadequados1,2.

A cultura brasileira é caracterizada por uma grande variedade de pratos típicos, muitos dos quais são ricos em calorias e gorduras. A disponibilidade de alimentos ultraprocessados também tem aumentado nos últimos anos, e o consumo desses alimentos vem sendo associado ao aumento da obesidade infantil no Brasil e em todo o mundo3,4.

Para tal, este artigo objetivou realizar uma revisão bibliográfica, com enfoque na obesidade infantil e discutir os fatores que têm influência nos hábitos de vida das crianças, como a mídia audiovisual, as relações no núcleo familiar, o impacto da cultura brasileira através da publicidade, comidas típicas e estilo de vida das crianças frente à obesidade infantil, no período das últimas três décadas, antes da pandemia de COVID-19.


METODOLOGIA

Uma ampla pesquisa foi realizada na literatura médica, extraindo informações da literatura nacional e internacional, entre os anos de 1990 e 2023. As Bases de dados utilizadas para essa revisão sistemática foram: Electronic Library Online (SciELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em ciências da saúde (LILACS), PubMed e Google Acadêmico. Foram utilizados como descritores: "obesidade infantil cultura brasileira". A coleta de dados iniciou-se por meio da pré-seleção dos artigos, conforme os critérios de inclusão. Após isso, foram selecionados os artigos que tratavam do tema de interesse. Os dados analisados após leitura dos artigos selecionados mostraram temas específicos como: má alimentação, ausência de atividade física e influência genética, psicologia associada à obesidade, fatores familiares e obesidade e influências da mídia. Excluímos os que tratavam do período durante a pandemia de COVID-19 ou os que não enfatizavam as influências ambientais em relação à obesidade infantil.


RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após a busca nas bases de dados sobre o tema obesidade infantil na cultura brasileira, foram encontrados 150 artigos, selecionados os publicados entre 1990 e 2023, e utilizados 33 artigos para comporem esta revisão de literatura.

Uma das mais importantes epidemias, que vem despontando como o mal do século XXI, é a obesidade. A obesidade é uma doença que provoca um aumento de gordura corporal. Uma criança é considerada obesa quando possui 20% a mais do peso ideal para a sua idade. Para a aferição, pesa-se a criança registrada em quilos (kg), e a idade é calculada em meses. Esses valores são identificados no gráfico de crescimento infantil por idade, que corresponde à curva que reflete o crescimento, IMC por idade e peso por idade que está presente na caderneta de saúde da criança, fornecida após o nascimento dela, tendo uma padronização de menino e outra padronização da menina. Pontos de corte de peso para a idade para crianças menores de 10 anos: percentil >97 e/ou Escore z >+2 considerado peso elevado para a idade3.

Um dos fatores que podem levar à obesidade é a má alimentação, com alimentos ricos em sódio, açúcares e gorduras, sendo um fator de risco para o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis4.

Com o crescente número de casos em escala mundial, a obesidade na infância é um assunto em ascensão, que causa grande preocupação. A Comissão de Obesidade no Brasil (COB) revelou que o sobrepeso e a obesidade são encontrados com grande frequência a partir dos 5 anos de idade, em todos os grupos de renda e em todas as regiões brasileiras. Segundo o último relatório sobre a obesidade infantil, liberado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 41 milhões de crianças menores de 5 anos estavam obesas ou acima do peso em 2014. A obesidade pode ter início em qualquer idade e seu desenvolvimento está relacionado a fatores genéticos, metabólicos e fisiológicos, os quais podem ser agravados pelo ambiente. Dentre os fatores ambientais que podem levar à obesidade infantil, podemos citar: a influência midiática, que estimula uma alimentação inadequada, ao mesmo tempo que cobra um padrão ideal de magreza; e a economia/política que estimula tanto o consumismo quanto os interesses da indústria da alimentação não saudável4-8.

O sobrepeso e a obesidade são condições consideradas sérias e relevantes, apontadas como um dos maiores problemas de saúde no mundo, responsáveis pelo aumento na morbidade e mortalidade por Doenças Crônicas Não Transmissíveis, segundo a OMS. A obesidade infantil traz diversos riscos para a saúde e pode ser relacionada a várias doenças como cardiovasculares, hiperlipidemias, câncer colorretal, diabetes mellitus II, gota, artrite, doenças pulmonares, baixa resistência ao calor, entre outras9,10.

Uma das muitas consequências causadas pela obesidade na infância é o surgimento de psicopatologias. Mais da metade das crianças apresentavam níveis de estresse, e uma pequena quantidade já fazia uso de medicamentos psiquiátricos. Ademais, a obesidade tem poder desfavorável sobre quadros de ansiedade, autoestima e depressão11,12.

Na infância, os fatores etiológicos determinantes para o estabelecimento da obesidade são: o desmame precoce, a introdução de alimentos inadequados, o emprego de fórmulas lácteas inadequadamente preparadas e a inatividade física. Outros fatores estariam relacionados ao ambiente familiar. Filhos de pais obesos têm 80% de chances de se tornarem crianças obesas, essas chances caem pela metade se apenas um dos pais for obeso e 7% se nenhum dos pais for obeso. Outro fator relacionado ao ambiente familiar, que aumenta a probabilidade da obesidade infantil, é o fato de ser filho único, que pode diminuir a frequência das brincadeiras, que resultam em gasto energético. É essencial tratar não apenas a criança, mas toda a família, pois ela possui um papel importante no desenvolvimento físico, psíquico e moral, exercendo influência nos hábitos alimentares, sendo seus primeiros educadores emocionais e nutricionais. As crianças também acabam exercendo influência nos hábitos alimentares da família, quando iniciam o acompanhamento nutricional, porque os pais necessitam fazer uma reeducação alimentar para auxiliar as crianças neste processo13.

Por muitos anos, era entendido que as complicações vindas da obesidade ocorriam exclusivamente no público adulto, mesmo compreendendo seu efeito no público infantil. Existem estudos que comprovam as consequências negativas do ganho de peso no público infantil e seu consequente prejuízo na saúde, e a responsabilidade por isso é uma alimentação inadequada, principalmente ligada à falta de atividade física, e a um número crescente de doenças crônicas, além da exclusão que essas crianças sofrem em consequência do bullying. A criança é o reflexo dos pais, portanto, se eles não dispuserem de uma prática de vida saudável, a criança vai seguir o exemplo, dessa forma é importante a realização de atividades físicas cotidianamente e mudança de hábitos alimentares. O estudo sobre tratamento da obesidade infantil destaca dois fatores: a participação da família e o ambiente. A família funciona como modelo no processo de aprendizagem, e o ambiente contribui nessa prática educativa, considerando que a família é o principal fator de influência neste ambiente13.

Segundo o dicionário Michaelis, "cultura" se baseia em: "Conjunto de conhecimentos, costumes, crenças, padrões de comportamento, adquiridos e transmitidos socialmente, que caracterizam um grupo social". A história alimentar mostra origens, civilidade, comportamentos e culturas. A essência da gastronomia remete a mudanças, temporalidade e o passado demonstrado como um processo contínuo da visão sobre as transformações, que se mantém e o que acontece eventualmente. Quando se estuda a cultura popular do Brasil, uma das principais questões é descobrir de onde surgiram esses saberes e suas relações com as múltiplas influências que formaram a cultura brasileira. A cultura brasileira é caracterizada por uma grande variedade de pratos típicos, muitos dos quais são ricos em calorias e gorduras. Os ciclos de imigração também trouxeram a culinária africana, portuguesa, italiana e síria. Lembrando ainda as referências e traços de pratos indígenas, como o uso da mandioca e outras raízes. Considerando que "os alimentos e os manjares se ordenaram em cada região segundo um código detalhado de valores, de regras e de símbolos, em torno do qual se organiza o modelo alimentar de uma área cultural num determinado período", pode-se pensar, a partir daí, a formação da gastronomia regional, aqui compreendida como o conjunto de saberes-fazeres que englobam ingredientes, técnicas culinárias e receitas, que são dispostas em um panorama relativamente coerente, delimitado geograficamente e passível de ser reconhecido como tal. O termo prato típico é ainda mais utilizado no contexto da atividade turística. Dentro do contexto da gastronomia regional, nota-se que algumas iguarias terminam por se destacar e, marcadas por determinadas especificidades (combinação de ingredientes, técnicas de preparo ou serviço, por exemplo) que sobrevivem ao passar dos tempos, são adaptadas e ressignificadas, mas mantêm uma essência identitária passível de ser reconhecida. Esses pratos, comumente denominados pratos típicos, ligam-se à história e ao contexto cultural de um determinado grupo, constituindo uma tradição, que se torna símbolo de sua identidade.

Os pratos típicos (ou comidas típicas) são entendidos, portanto, como elementos integrantes da gastronomia regional, que emergem desse conjunto mais amplo por inúmeras razões (praticidade, associação com outra prática cultural, associação a determinadas celebrações) e podem ser consumidos simbolicamente, desde que o comensal possua conteúdos capazes de permitir tal experiência. Tal perspectiva se torna possível, pois como observa o antropólogo Sidney Mintz, os hábitos alimentares "podem mudar inteiramente quando crescemos, mas a memória e o peso do primeiro aprendizado alimentar e algumas das formas sociais aprendidas através dele permanecem, talvez para sempre, em nossa consciência". O conceito de alimento-memória diz respeito às iguarias que, ao serem degustadas, permitem uma experiência nostálgica e uma conexão com conteúdos simbólicos que podem estar associados tanto à memória individual (lembranças pessoais da infância) quanto à memória coletiva (lembranças de situações experimentadas - ou "herdadas" no seio dos grupos sociais), exercitando a chamada memória gustativa13-17.

Nas últimas décadas, as práticas alimentares da população brasileira sofreram alterações em virtude das transformações ocorridas no dia a dia de vida e trabalho das pessoas, devido a diversos fatores que marcam a vida contemporânea, como o desenvolvimento das cidades, urbanização, industrialização, marketing e as várias atribuições da mulher, que, na maioria das famílias, é quem exerce papel principal no cuidado com a saúde e a alimentação de todos, além de trabalhar fora de casa. Esses e diversos outros fatores, como a realização de refeições fora de casa visto como praticidade e otimização do tempo, contribuem na construção de um comportamento alimentar inadequado e, principalmente, para o elevado consumo de alimentos industrializados.

A ajuda alimentar dos países desenvolvidos ao Terceiro Mundo também foi responsável por alterar os hábitos regionais. O programa "Alimentos para a Paz", desenvolvido pelos Estados Unidos, foi apresentado como uma forma de melhorar a alimentação do brasileiro. O trigo e o leite em pó foram doados à população na década de 50. Na realidade, percebeu-se que para os Estados Unidos era importante encontrar um escoamento de sua produção excedente, pois do contrário os preços baixariam. Além disso, esse programa "obteve o desejado efeito de aumentar enormemente os mercados comerciais norte-americanos para o exterior". Esses dois produtos foram incorporados aos hábitos da população, tornando-a dependente desses alimentos. Em troca, a população reduziu o consumo de produtos tradicionais da dieta como a mandioca e o milho, remanescentes da cultura indígena. O governo brasileiro também incentivou o consumo do trigo durante o período em que subsidiou seu preço para o consumo da população. Não apenas a cultura alimentar foi alterada, mas ainda a alimentação foi empobrecida, já que o trigo-branco carece de nutrientes encontrados no milho e na mandioca. Em um país onde a fome ainda é um sério problema de saúde pública, essa situação veio agravar a condição de grande parte da população. Além disso, o consumidor paga mais. O preço de um pão francês, por exemplo, é proporcionalmente maior do que o do mingau de fubá. É interessante observar que já se sugeriu introduzir o milho no preparo do pão comercializado, pois o preço poderia ser reduzido. Entretanto, parcelas da população foram absolutamente contrárias a essa medida. Defendiam o trigo sem saber o quanto ele é recente na história alimentar do país14,15,18,19.

Outro forte fator que influencia a obesidade infantil é o papel da mídia como indutor ao consumo de determinados tipos de alimentos. A mídia tem "participação ativa e majoritária na infância"; por meio dessas mídias, empresas estimulam o consumo de alimentos com alto teor de gorduras, sódio e outras substâncias nocivas à saúde. O uso de brinquedos e personagens infantis é utilizado pela publicidade para atrair as crianças a adquirir os alimentos anunciados19,20.

A mídia vem se tornando um meio de comunicação influente nos últimos anos e contribui para o comportamento dos transtornos alimentares. Dessa perspectiva, podemos visualizar o poderoso impacto da mídia no comportamento alimentar dos indivíduos, especialmente crianças e adolescentes. Nesse cenário, a publicidade, uma das molas propulsoras da sociedade de consumo, propõe-se a influenciar as escolhas dos indivíduos. Pode-se dizer que é importante que a população não se deixe influenciar pelo que é exposto. Para tal, o senso crítico, em relação às afirmações que chegam ao infante, deve ser constantemente estimulado, pois existem diversas informações e propagandas que incitam o consumidor ao erro. O aumento de consumo de refrigerantes e embutidos, que têm marketing muito agressivo, ou mesmo dos laticínios, que, além da propaganda maciça, também tiveram redução de preço nos últimos anos, permite dizer que a propaganda, aliada ao bom preço, tem sido eficaz na mudança de hábitos do brasileiro. À margem do consumo durante décadas, alguns setores mais pobres estão exercendo seu poder de compra, talvez buscando para além da praticidade o status que esses produtos industrializados lhes fornecem. Outra revelação desta revisão é que o brasileiro das grandes cidades está seguindo a tendência mundial, que para alguns pode ser chamada "padrão americano", traduzida em comer mais, aumentar a proporção da gordura ingerida e adotar o hábito de comer fora de casa. Em relação à utilização de refeições rápidas, só na década de 90, esse mercado cresceu 30%. Mas o problema pode ser ainda maior, cada vez mais o fast-food invade também os lares brasileiros. O consumo de hambúrguer no Brasil iniciou-se com a rede de lanchonetes Bob's, na década de 50, em Copacabana. Cabe aqui uma ressalva: na França, o início dos fast-foods é bem posterior, quase vinte anos mais tarde. Os jovens eram, no início, o principal grupo-alvo. Progressivamente, as crianças foram também captadas para esse mercado. Hoje um instrumento de marketing do McDonald's é um palhaço. Apesar do consumo alimentar ser ainda um tema pouco explorado no Brasil, algumas pesquisas apontam para uma mudança no padrão alimentar do brasileiro, percebe-se um aumento do consumo da alimentação industrializada13,14,21-27.

É importante que profissionais da saúde que lidam com crianças saibam que a influência da mídia é uma preocupação social. Dependendo da proporção, existe a possibilidade de intervenção direta e/ou indireta, durante o desenvolvimento infantil. Nesse cenário, a publicidade propõe-se a influenciar as escolhas dos indivíduos26.

A disponibilidade de alimentos ultraprocessados também tem aumentado nos últimos anos, e o consumo desses alimentos vem sendo associado ao aumento da obesidade infantil no Brasil e em todo o mundo. Muitos estudos têm sido feitos para entender a relação da cultura com a obesidade infantil no Brasil. Os resultados desses estudos sugerem que intervenções que considerem as especificidades da cultura brasileira como a promoção de hábitos alimentares saudáveis que envolvam alimentos locais e tradicionais, podem ser eficazes para reduzir a obesidade infantil26,27.

Um dos fatores que pode influenciar as escolhas alimentares dos adolescentes está relacionado aos hábitos familiares em relação à alimentação. Além disso, podemos citar a influência das publicidades de alimentos associados ao marketing. Os hábitos praticados por adolescentes, como assistir televisão, podem estar associados a um estilo de vida que não é considerado saudável, diminuindo o consumo de frutas, legumes e verduras, e substituindo por alimentos divulgados através de campanhas publicitárias que não beneficiam a saúde26.

Uma pesquisa realizada em 27 cidades do Brasil em 2016, pela Vigitel33, mostra dados de frequência de adultos que despendem três horas ou mais por dia do seu tempo livre assistindo à televisão ou usando computador, tablet ou celular foi de 61,7%, sendo semelhante em homens e mulheres. Esse estudo mostra como as pessoas são expostas a mídias influentes, com a promoção de alimentos não nutri tivos, sendo que é importante ensinar as crianças sobre boas escolhas alimentares e o uso das redes sociais, informações essas que devem partir de um adulto28.

Os tempos em que vivemos são diferentes de todos os anteriores, sendo nomeado por intelectuais como pós-modernismo, caracterizado pela globalização e revolução tecnológica, reduzindo as fronteiras entre nações, povos e costumes. Com o aumento da tecnologia, associado ao alcance da mídia, as empresas de estética estão cada vez mais trabalhando na otimização do corpo, com a remoção de manchas, marcas e outros. A prevalência dos transtornos alimentares, o crescimento da mídia e a predominância de informações sobre saúde, dieta e alimentação são causas que requerem mais estudos. Por outro lado, muitos jovens são influenciados pela indústria do capitalismo cultural e querem ter o corpo intitulado "corpo perfeito", definido pela própria indústria e idealizado pela sociedade, um padrão estético, fator esse que pode causar sofrimento e decepção. O público com maior risco de desenvolvimento de transtornos alimentares é composto por adolescentes, que estão com autoestima baixa, apresentando humor negativo, depressivo e maior perfeccionismo26.

O consumo de feijão e de farinha, alimentos que foram a base do cardápio da grande maioria da população desde o século 17, reduziu-se nos últimos dez anos. O consumo anual de feijão caiu de 11,8 kg para 9,9 kg por brasileiro e a farinha de mandioca ocupa o 38º lugar no mercado alimentar. A alimentação do brasileiro, ao contrário do que supõe alguns, está incorporando progressivamente as novidades criadas pela indústria. Parece certo que a população das grandes cidades está mais propensa a essas transformações, e nelas são as crianças as mais afetadas, através dos biscoitos, dos chips e dos iogurtes infantis. Apesar de essas mudanças serem um fato no mundo todo, parece que no Brasil elas encontram uma facilidade maior para ocorrer. A cultura brasileira, desde o período colonial, parece apreciar com bons olhos tudo o que vem de fora, o que não parece ocorrer, na mesma proporção, com os artigos nacionais14,29-32.

O Brasil tem um longo histórico de políticas públicas voltadas para a superação de carências nutricionais e, mais recentemente, para a superação da epidemia de sobrepeso/obesidade. Portanto, além de políticas sociais que devem disponibilizar espaços recreativos para lazer, ambientes propícios para prática de atividades físicas e informações básicas sobre saúde, a mudança de hábitos alimentares depende da sociedade e suas escolhas individuais. A taxa de obesidade da população brasileira deve ser monitorada para compreensão dos padrões e fatores de risco, garantindo uma prevenção à obesidade infantil e promovendo hábitos saudáveis na sociedade brasileira, sendo fundamental o apoio a políticas públicas. O mundo digital tem um alcance global por meio de redes sociais, sites e canais televisivos, sendo uma ferramenta para que indústrias de diversos segmentos divulguem seus produtos, e, para ganhar mais visibilidade e lucro, contratam famosos da internet conhecidos como influenciadores digitais, ou atores de novelas e filmes conhecidos pela sociedade. "A OMS está comprometida em melhorar os métodos de monitoramento e restrição da comercialização digital de produtos não saudáveis para crianças"26,33.


CONCLUSÃO

A obesidade infantil é um problema crescente no Brasil, e sua relação com a cultura brasileira é complexa. A identificação dos fatores que contribuem para a obesidade infantil no Brasil, bem como a elaboração de intervenções eficazes que considerem as especificidades da cultura brasileira, é essencial para prevenir e reduzir esse problema de saúde pública. Vimos através deste amplo estudo o quanto as influências ambientais, tais como publicidade, comidas típicas e estilo de vida das crianças brasileiras, têm levado ao aumento substancial de uma geração obesa, doente física, psicológica e socialmente. Assim como fatores genéticos influenciam a patogênese dessa doença multifatorial, também vimos que os fatores ambientais não podem e não devem ser ignorados. Cabe a toda sociedade, desde os profissionais de saúde, como pediatras, endocrinologistas, psicólogos, assim como pais, professores e políticos, se conscientizar a respeito das consequências que a obesidade pode causar a longo prazo na saúde de crianças.


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Universidade de Vassouras, Pediatria - Vassouras - Rio de Janeiro - Brasil

Endereço para correspondência:
Nathalye Emanuelle Souza
Universidade de Vassouras
Av. Expedicionário Osvaldo de Almeida Ramos, 280 - Centro
Vassouras - RJ, 27700-000
E-mail: artigoscientificosdemedicina@gmail.com

Data de Submissão: 03/10/2023
Data de Aprovação: 21/12/2023