ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo de Revisao - Ano 2015 - Volume 5 - 3 Supl.1

Exercício físico realmente promove a saúde dos adolescentes: solução ou problema?

Physical exercise actually promotes adolescent health: solution or problem?
Ejercicio físico promueve realmente la salud de los adolescentes: ¿solución o problema?

RESUMO

O autor analisa fundamentos da anamnese (padrão ouro), exame físico, exames de laboratório e indicações de esportes por faixas etárias. Além disso, destaca problemas relacionados ao excesso de treinamento em crianças e adolescentes e também comenta sobre a morte súbita durante esportes.

Palavras-chave: adolescentes, crianças, esportes, exame médico, exercício físico.

ABSTRACT

The author analyses the key points of the clinical history (gold pattern), physical exam and lab tests and also the relationship between sports and age of children and adolescents. Besides that, the author points out problems regarding overtraining and also sudden death of athletes.

Keywords: adolescents, children, exercise, medical examination, sports.

RESUMEN

El autor analiza los fundamentos de la historia (patrón oro), examen físico, pruebas de laboratorio y la información deportiva por grupos de edad. Además, pone de relieve los problemas relacionados con el sobre-entrenamiento en niños y adolescentes y también comenta sobre la muerte súbita durante la práctica deportiva.

Palabras-clave: adolescentes, niños, deportes, exámenes médicos, ejercicio.


INTRODUÇÃO

As ações educativas, dentro do marco conceitual de saúde do adolescente, fundamentam-se no conceito de saúde integral, na prevenção contínua, em seus diversos aspectos, enfatizando a prevenção primordial (fortalecimento dos fatores protetores na sociedade enquanto um todo), entre outros, a busca de estilos saudáveis de vida1-3.

O aumento do número de jovens que sofrem com transtornos da imagem, como bulimia, anorexia e vigorexia, é um reflexo da obsessão com as formas do corpo, cultuado por meio de dietas e cirurgias plásticas cada vez mais precoces. O modelo de valores dessa "nova sociedade" cria uma verdadeira ditadura do corpo na qual a obesidade, sobrepeso e formas mais arredondadas geram afastamento social e problemas psicológicos tais como depressão, baixa autoestima e angústia.

A rápida evolução da tecnologia virtual, o crescimento das redes sociais e a comunicação interligada globalmente contribuíram para que os adolescentes de hoje vivenciem uma rápida troca de informações e pesquisem assuntos em tempo real, implicando em novos questionamentos aos pediatras e demais profissionais que prestam assistência aos jovens. Um bom exemplo de informação virtual são as diversas modalidades esportivas que estão sendo "adaptadas" para jovens como "crossfit", triatlo e lutas como MMA, sem haver estudos confirmando os benefícios dessas atividades para crianças e adolescentes.

Entre os aspectos emocionais que levam os adolescentes a praticar esportes (competitivos ou não), podem ser citados: personalidade ajustada, carga agressiva equilibrada, resistência às frustrações e estabilidade emotiva.

Crianças e adolescentes crescem e maturam, tanto física quanto psicologicamente, com grandes diferenças individuais, modificações que são mais marcantes durante o estirão de crescimento na puberdade. Portanto, o critério idade não deve ser aplicado aos esportes (principalmente esportes coletivos, lutas), pois teremos atletas com força física e dimensões corporais distintas1,2.

É importante questionarmos os pacientes sobre os objetivos da atividade física escolhida, já que a grande pressão exercida pelos pais sobre os seus filhos é a principal causa de abandono das atividades físicas na adolescência, principalmente se levarmos em consideração que muitos pais não aceitam erros e derrotas, submetendo seus filhos a um grande nível de estresse psicológico.


ANAMNESE, EXAME FÍSICO E LABORATÓRIO

A história clínica continua a ser o padrão ouro da avaliação pré-participação, podendo identificar mais de 70% das patologias que exijam referências a outros profissionais (Quadro 1)1-5.




A morte súbita relacionada ao exercício e ao esporte (MSEE) pode ser definida como a morte que ocorre de modo inesperado, instantaneamente ou não. A MSEE tende a gerar grande repercussão nas diversas formas da mídia, especialmente quando ocorre em atletas profissionais que são considerados modelos de saúde6,7.

Aproximadamente 80% das MSEE não traumáticas de jovens atletas são causadas por anormalidades cardiovasculares funcionais ou estruturais, hereditárias ou congênitas, que fornecem o substrato para arritmias que predispõem à MSEE. Cerca de 80% das MSEE ocorrem durante ou imediatamente após exercício físico extenuante, sugerindo risco de deflagração de arritmias naqueles com cardiopatia8.

A causa mais comum de morte súbita no atleta jovem é a cardiomiopatia hipertrófica (CH)8. Os portadores de CH podem ser totalmente assintomáticos ou apresentar tonteiras, síncope, especialmente relacionadas com o exercício, dispneia, palpitações e angina.

Adolescentes que relatam síncope, perda de consciência ou mesmo lipotimia devem ser encaminhados ao cardiologista, já que atualmente esses sintomas podem ser preditivos de morte súbita.

Atletas que apresentem tosse durante ou após exercícios devem ser encaminhados ao especialista, pois pode ser o primeiro sintoma de asma induzida por exercício, mesmo que nunca tenha tido nenhuma crise de asma.

A idade ideal para práticas esportivas está descrita no Quadro 21,2.




O exame físico auxilia na detecção de patologias que possam impedir os adolescentes de praticarem atividades físicas e, assim, deve-se seguir um protocolo mínimo, a saber:

avaliação cardíaca
  • checar sopros e extrassístoles
  • palpar pulsos femorais
  • avaliar estigmas para Marfan (alta estatura/medir envergadura)
  • aferir PA em posição sentada
  • demais sistemas
  • plotar os dados de peso x altura (gráficos de crescimento)
  • avaliar acuidade visual mínima
  • determinar estágio de Tanner
  • avaliar aparelhos pulmonar (saturação de O2), abdominal (massas), genito-urinário (hidrocele, varicocele) e músculo-esquelético (lordoses, assimetrias)
  • verificar existência de órgãos únicos (rins, olhos, testículos)
  • Exames de laboratório2

    Em nosso meio, devemos estar atentos às verminoses e carências nutricionais específicas de cálcio, zinco e ferro, fatores limitantes das atividades físicas, principalmente em performance competitiva. A ferropenia é extremamente frequente entre atletas competitivos, gerando quedas mínimas no desempenho e, no início, cursando sem queda nos níveis de hemoglobina e hematócrito; assim, a medição do ferro sérico, da saturação de transferrina e, principalmente, da ferritina é importante nos atletas jovens.

    Em função da grande miscigenação no Brasil, devemos solicitar eletroforese de hemoglobina ou outros testes para diagnóstico de anemia falciforme e portador do traço falcêmico.

    A sífilis pode causar lesões da valva aórtica e/ou da aorta e, nos casos suspeitos, devem-se solicitar a pesquisa laboratorial de doenças venéreas (VDRL) e a absorção de anticorpo fluorescente antitreponêmico (FTA-ABS).

    Assim, devemos solicitar:
  • hemograma completo
  • ferro sérico, saturação de transferrina eferritina (quando possível)
  • parasitológico de fezes
  • eletroforese de hemoglobina
  • pesquisa de sífilis (VDRL/FTA-Abs)
  • Resumo

    O termo overtraining, antes restrito ao universo dos atletas adultos, vem ganhando espaço nos consultórios pediátricos e engloba uma série de sintomas, muitas vezes desvalorizados pelos pediatras: cefaleia, cansaço, excesso de lesões, dor generalizada nas pernas, dificuldade para acordar, oscilação do humor, perda de apetite, recusa em ir à aula e queda na performance e em competições9,10.

    Os pediatras são fundamentais na prevenção primordial relacionada a atividades físicas de seus pacientes, orientando sobre hidratação e nutrição, monitorando peso e altura a cada 6 meses e diagnosticando as lesões musculoesqueléticas que possam afetar a placa fisária e, consequentemente, prejudicar a estatura final.


    REFERÊNCIAS

    1. Barros R. Medicina desportiva. In: Oliveira MAB, Nóbrega ACL, orgs. Tópicos especiais em medicina do esporte. Rio de Janeiro: Atheneu; 2003. p.79-88.

    2. Barros R. Atividade física para crianças e adolescentes. In: Pinto AB, Cunha JB, eds. Saúde Escolar, Série Pediatria. 1a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2012. p.113-23.]

    3. World Health Assembly 57.17. In: Global Strategy on diet and physical activity. Geneva: WHO; 2004.

    4. Armstrong N. Aerobic fitness of children and adolescents. J Pediatr (Rio J). 2006;82(6):406-8. DOI: http://dx.doi.org/10.2223/JPED.1571

    5. Farias Edos S, Gonçalves EM, Morcillo AM, Guerra-Júnior G, Amancio OM. Effects of programmed physical activity on body composition in post-pubertal schoolchildren. J Pediatr (Rio J). 2015;91(2):122-9. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2014.06.004

    6. Lazzoli JK, Nóbrega ACL, Carvalho T, Oliveira MAB, Teixeira JAC, Leitão MB, et al. Position statement of the Brazilian Society of Sports Medicine: physical activity and health in children and adolescents. Rev Bras Med Esporte. 2000;6(4):116-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1517-86922000000400002

    7. Oliveira MAB, Leitão MB. Morte súbita no exercício e esporte. Diretriz da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte. Rev Bras Med Esporte 2005;11(supl 1):1-8.

    8. Almeida CC, Santos MA. Cardiologia do exercício: morte súbita em jovens atletas- como evitar o inesperado? Departamento de Ergometria, Reabilitação Cardíaca e Cardiológica Desportiva da SOCERJ. 2003 [Acesso 5 Jul 2015]. Disponível em: http://www.dercad.org.br/boletim/ano4num19/morte.asp

    9. Brenner JS; American Academy of Pediatrics Council on Sports Medicine and Fitness. Overuse injuries, overtraining, and burnout in child and adolescent athletes. Pediatrics. 2007;119(6):1242-5. DOI: http://dx.doi.org/10.1542/peds.2007-0887

    10. Barros RR. Atividade física em excesso pode ser prejudicial: os pediatras sabem disso? In: Boletim SOPERJ; 2009.










    Pediatra. Especialista em Pediatria e Medicina do Adolescente pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Médica Brasileira (AMB). Especialista em Medicina Desportiva pela Sociedade Brasileira de Medicina Desportiva e Associação Médica Brasileira (AMB). Chefe do Serviço de Adolescentes do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira da Universidade Federal do Rio de Janeiro- IPPMG/UFRJ. Professor de Pediatria da Pós-Graduação da Universidade Veiga de Almeida

    Endereço para correspondência:
    Ricardo Barros
    IPPMG/UFRJ
    Rua Nascimento Silva 76/703 - Ipanema
    Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP 22421-022