Relato de Caso
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Ano 2024 -
Volume 14 -
Número
4
Doença da arranhadura do gato como causa de síndrome de Parinaud: relato de caso
Cat scratch disease causing Parinaud syndrome: case report
Marcus Vinicius da Cruz Mendonça1,2; Tiago de Hungria Cruz Conti1,2; José Augusto de Oliveira Botelho2; Vitória Roja de Oliveira1,2
RESUMO
INTRODUÇÃO: A Doença da Arranhadura do Gato em pediatria (DAG) é uma moléstia de apresentação aguda, cuja associação com a síndrome de Parinaud é um evento raro.
OBJETIVO: Relatar caso de paciente com DAG que evoluiu com síndrome de Parinaud.
RELATO DE CASO: Pré-escolar, sexo feminino, chega ao pronto-socorro com histórico de edema em olho esquerdo há 2 dias. Ao exame físico, a região afetada possuía edema, eritema com dificuldade à abertura ocular ipsilateral associado à febre aferida e cefaleia que cessavam ao uso de analgésico. Com a internação e prescrição de antibioticoterapia, houve remissão importante do quadro.
CONCLUSÃO: Aprimorar os conhecimentos sobre as manifestações de infecção por Bartonella hanselae e suas complicações torna-se necessário a fim do melhor manejo dos pacientes.
Palavras-chave:
Doença da arranhadura de gato, Transtornos da motilidade ocular, Bartonella, Bartonella henselae.
ABSTRACT
INTRODUCTION: Cat Scratch Disease (CSD) in peditria is a disease of acute presentation, whose association with Parinauds syndrome is a rare event.
OBJECTIVE: To report a case of a patient with CSD that progressed to Parinauds syndrome.
CASE REPORT: Preschooler, female, arrives at the emergency room with a report of edema in the left eye 2 days ago.On physical examination, the affected region had edema, erythema with difficulty opening the ipsilateral eye associated with measured fever and headache that ceased with the use of analgesics. With hospitalization and prescription of antibiotic therapy, there was significant remission of the condition.
CONCLUSION: Improving knowledge about the manifestations of infection by Bartonella hanselae and its complications is necessary for a better approach to patients.
Keywords:
Cat-scratch disease, Ocular motility disorders, Bartonella, Bartonella henselae.
INTRODUÇÃO
A Doença da Arranhadura do Gato (DAG) foi inicialmente descrita por Henri Parinaud em 1889, porém a principal etiologia, Bartonella hanselae, só foi isolada em 19931. Seu reservatório principal é o gato; e as pulgas, seu principal vetor, onde a transmissão ocorre principalmente por mordida ou arranhões de tais animais jovens e, geralmente, assintomáticos1,2.
Sua clínica apresenta-se, principalmente, com pápulas no local da infecção com remissão benigna e linfoadenopatia próximo ao local da infecção3. Em casos raros, tal bactéria pode infectar a região ocular, ocasionando a Síndrome Oculoglandular de Parinaud4.
Apesar de ser a principal causa de linfadenopatia crônica infantil nos Estados Unidos, no Brasil existem raros relatos de casos, tornando seu diagnóstico mais difícil5.
RELATO DE CASO
Paciente L.M.N.G., 3 anos e 9 meses, branca, procedente de Campo Grande/MS, chegou ao Hospital Sociedade Beneficente Santa Casa de Campo Grande com queixa principal de "Inchaço no olho esquerdo há dois dias". Paciente com história de eritema e edema palpebral discreto à esquerda há 2 dias, com dificuldade à abertura ocular ipsilateral. Refere, associado ao quadro, febre aferida chegando a 39,5 ºC e cefaleia frontal, sintomas que cessavam ao uso de dipirona. Quadro não acompanhado de dor local, prurido ou saída de secreção ocular. Nega possuir gatos em seu lar, porém convive com outras crianças que possuem esses animais de estimação e tem seu lazer em parque de recreação infantil que possui caixa de areia aberta ao ar livre.
Deu entrada no Hospital Sociedade Beneficente Santa Casa de Campo Grande, foi avaliada pela equipe de Oftalmologia que aventou hipótese diagnóstica de Doença da Arranhadura do Gato (DAG), cursando com síndrome oculoglandular de Parinaud, excluindo diagnósticos diferenciais, tais como Conjuntivite e Celulite Periorbitária.
Realizada a Tomografia de Crânio e de Órbitas, com laudo normal. Foi iniciada azitromicina na dose de 10mg/kg/dia e cuidados gerais. No terceiro dia de antibiótico, o paciente apresentou melhora importante do quadro, com abertura ocular total, restante apenas discreto eritema ao exame físico.
Devido à melhora do quadro e criança permanecendo afebril, optado por alta hospitalar para completar antibioticoterapia em domicílio e orientado a procurar consultório de oftalmologista para acompanhamento.
DISCUSSÃO
A paciente em questão iniciou um quadro de edema palpebral à esquerda e foi encaminhada ao serviço terciário com hipótese diagnóstica de celulite periorbitária. Durante investigação, após tomografia de crânio e parecer de especialista (oftalmologia), excluída tal hipótese e aventada a possibilidade de Doença da Arranhadura do Gato, com evolução para Síndrome Oculoglandular de Parinaud.
Essa Síndrome cursa com febre, edema palpebral e linfadenopatia ipsilateral. Na chegada ao Hospital, o paciente não possuía abertura ocular à esquerda. Geralmente a DAG possui boa resposta ao uso de doxiciclina, porém esse medicamento é contraindicado em menores de 8 anos. Optou-se, no caso, por iniciar com outro macrolídeo, a azitromicina na dose de 10mg/kg/dia e mantida por 5 dias, sendo 3 dias durante a internação e mais 2 dias em domicílio.
No terceiro dia de antibiótico, já apresentando boa resposta ao tratamento proposto, a paciente evoluiu favoravelmente, com abertura ocular total, sem relato de dor — apresentou apenas discreta equimose na pálpebra superior esquerda.
A Síndrome Oculoglandular de Parinaud é definida como uma conjuntivite autolimitada que pode estar associada à linfadenopatia pré-auricular e febre baixa. Pode cursar com sintomas neurológicos como meningoencefalite, meningite, neurorretinite e a encefalopatia pode se manifestar desde cefaleia persistente até crises convulsivas. O quadro mais comum é o papiledema associado à exsudação macular, causando retinite estelar. Em estudos recentes, foi evidenciada como uma das causas de uveíte e B. henselae, juntamente com B. grahamii e B. quintana. Essa uveíte pode ser granulomatosa ou não granulomatosa6.
Geralmente, além de realizada uma anamnese completa e um exame físico, o teste sorológico pelo teste de imunofluorescência indireta (IFI) e ensaio de imunoabsorção enzimática (ELISA) são os pilares para um diagnóstico precoce de síndrome oculoglandular de Parinaud e de doença da arranhadura do gato7.
O prognóstico da doença em sua maioria tende a ser limitado, acontecendo onde a maioria dos casos ocorre por cerca de 5-7 dias, o que se assemelhou ao presente caso, onde pudemos observar melhora dos sinais clínicos após 3 dias de antibioticoterapia. Existem relatos de doença com duração de até 2 anos, alguns casos sobre inadequação terapêutica e dano ocular permanente em casos de ausência de tratamento7.
Assim como foi feito com a paciente do relato, a primeira linha de tratamento medicamentoso para a síndrome oculoglandular de Parinaud, sendo esta causada pela Barthonella henselae, é azitromicina na dose de 10mg/kg/dia no primeiro dia e seguido de 5mg/kg/dia por 4 dias em crianças com menos de 45,5 kg; em maiores de 45,5 kg ou adultos é feita a dose de 500mg no primeiro dia, seguido de 250mg por 4 dias. No relato em questão, foi mantida a dose de 10mg/kg/dia por 5 dias apresentando boa resposta clínica. Em pacientes imunocomprometidos, pode ser escolhida a doxiciclina na dose de 100mg. Em geral, na síndrome oculoglandular pela doença da arranhadura do gato, é a utilização de macrolídeos, quinolonas, trimetropina/sulfametoxazol como tratamento alternativo e, em alguns raros casos, a utilização de amoxicilina-clavulanato, em associação com a doxiciclina, tem se mostrado eficaz7.
Em seu relato, Souza (2011)8 mostra outros sintomas que podem acometer alguns casos que não evoluem para síndrome oculoglandular, que são febre (sintoma global) e dor poplíte. Neste caso, o paciente teve seu primeiro diagnóstico de celulite, semelhante ao caso descrito acima, que fora suspeitada de celulite periorbitária, e prescrita à paciente cefalexina por 10 dias e anti-inflamatórios, neste apresentou apenas melhora do quadro de febre. Um diferencial com este caso relatado é o contato direto da criança com 18 gatos. Sem a melhora do quadro, paciente buscou novo atendimento, iniciaram uso de ceftriaxona e clindamicina devido à não melhora clínica e solicitaram sorologia para Bartonella, que foi positiva, porém o resultado saiu após 13 dias. Paciente teve persistência de febre e no nono dia evoluiu com dor epigástrica, assim a antibioticoterapia foi ampliada para vancomicina 40mg/kg/ dia e piperacilina + tazobactam (tazocin) 300mg/kg/dia. Após 2 dias de esquema, com a positividade para Bartonella, foi iniciado claritromicina 15mg/kg/dia e rifampicina 600mg/kg/dia, apresentando melhora clínica e laboratorial. Paciente recebeu alta após 26 dias e com medicações para completar 15 dias de tratamento.
Portanto, sabendo que essa é uma doença autolimitada e de características benignas a princípio, a terapêutica ainda é muito questionável. No estudo de Hagiwara et al. (2021)1, foi realizado um único estudo duplo cego com uso de azitromicina em pacientes portadores de DAG não complicada, e em 30 dias mostrou pacientes com ótima melhora clínica comparada ao placebo.
CONLUSÃO
Neste relato, apresentamos um caso de doença da arranhadura do gato associada à rara síndrome de Parinaud contraída indiretamente do felino. Apesar de incomum, é necessário seu reconhecimento em relação à sua clínica clássica: linfoadenopatia regional em conjunto com conjuntivite. Atualmente, no grupo pediátrico, azitromicina é o antibiótico de escolha. Quando tratado adequadamente, seu prognóstico é benigno, porém quando não reconhecido e tratado corretamente, pode deixar sequelas persistentes, como cegueira.
REFERÊNCIAS
1. Hagiwara MK, Drummond MR, Velho PEN. Doença da arranhadura do gato (DAG) [internet]. Faculdade de Medicina Veterinária. Universidade de Campinas. 2021; [citado 2023 Abr 8]. Disponível em: https://crmvsp.gov.br/wp-content/uploads/2021/02/DOENCA_DA_ARRANHADURA_DO_GATO_SERIE_ZOONOSES.pdf.
2. Lemos AP, Domingues R, Gouveia C, Sousa R, Brito MJ. Atypical bartonellosis in children: What do we know? J Paediatr Child Health. 2020 Dec 10;57(5):653–8.
3. Li M, Yan K, Jia P, Wei E, Wang H. Metagenomic next-generation sequencing may assist diagnosis of cat-scratch disease. Front Cell Infect Microbiol. 2022 Sep 16;12:946849.
4. Guimarães AS, Aborghetti HP, Moura BO, Catelan L, Zorzal PGC, Tristão Sá R. Síndrome oculoglandular de parinaud com cultura positiva para sporothrix brasiliensis. Braz J Infect Dis. 2021 Jan;25:101444.
5. Novais DG, Mendes CC, Salla BL, Rocha GNF, Benetti CMS, Lima CC, et al. Doença da arranhadura do gato (DAG) e a importância de um diagnóstico preciso: relato de caso clínico. Arch Health Invest [Internet]. 2017; [citado 2023 Abr 8]: 6(5)222-4. Disponível em: https://archhealthinvestigation.com.br/ArcHI/article/view/2061/pdf.
6. Dias DSR, Matoso AA, Chaves LPV, Oréfice JL, Heringer GC. Forma atípica da neurorretinite por doença da arranhadura do gato - Relato de Caso. Poster apresentado em: 40 Congresso do Hospital São Geraldo (online). 2020[citado 8 abr 2023]; Belo Horizonte/MG. Disponível em: https://sistemaparaevento.com.br/upload/trabalhos/NEFNbSROBWgdGrEgkalPZY3QuYI0.pdf
7. Arjmand P, Yan P, O'Connor MD . Parinaud Oculoglandular Syndrome 2015: Review of the Literature and Update on Diagnosis and Management. J Clin Exp Ophthalmol. 2015;6(3):1000443.
8. Souza GF. Doença da arranhadura do gato: relato de caso. Rev Med Minas Gerais [Internet]. 2011; [citado 2023 Abr 8]; 21(1). Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-589468.
1. UNIDERP - Campo Grande - Mato Grosso do Sul - Brasil
2. Associação Beneficente Santa Casa de Campo Grande, Pediatria - Campo Grande - Mato Grosso do Sul - Brasil
Endereço para correspondência:
Marcus Vinicius da Cruz Mendonça
Universidade UNIDERP
Av. Ceará, 333 - Sala 01 - Miguel Couto
Campo Grande - MS, 79003-010
E-mail: marcusviniciuspediatria@gmail.com
Data de Submissão: 29/10/2023
Data de Aprovação: 16/01/2024