ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2025 - Volume 15 - Número 1

Transposição corrigida de grandes artérias em rotina de alojamento conjunto: Relato de caso

Corrected transposition of great arteries in joint housing routine: Case report

RESUMO

INTRODUÇÃO: Reportamos um caso de uma recém-nascida portadora de Transposição Corrigida de Grandes Artérias, cardiopatia congênita associada à atresia pulmonar, comunicação interatrial, comunicação interventricular e situs inversus. Submetida à cirurgia de Blalock-Taussig-Thomas modificado com sucesso.
OBJETIVOS: Descrever sobre a Transposição Corrigida de Grandes Artérias, revendo a anatomia, elucidando os exames complementares confirmatórios e a conduta em um atendimento emergencial diante de cardiopatia congênita dependente de canal arterial.
RELATO DE CASO: Recém-nascido termo, adequado para idade gestacional, sexo feminino, nascido de parto normal sem necessidade de reanimação neonatal. A mãe realizou pré-natal regular, sem intercorrências. Na visita de rotina em alojamento conjunto, paciente apresentava cianose importante, sem alteração no exame físico que explicasse clínica.
CONCLUSÃO: Reforça-se a importância dos ultrassons durante pré-natal em busca do diagnóstico precoce de anomalias congênitas e presença de equipe multidisciplinar preparada para identificar sinais clínicos indicativos de cardiopatia cianótica crítica, permitindo atendimento rápido e assertivo fundamentais para um desfecho favorável para o recém-nascido.

Palavras-chave: Cardiopatias congênitas, Atresia pulmonar, Transposição das grandes artérias corrigida congenitamente, Pediatria.

ABSTRACT

INTRODUCTION: We report a case of a newborn with Congenitally Corrected Transposition of the Great Arteries, congenital heart disease associated with pulmonary atresia, atrial septal defect, ventricular septal defect and situs inversus. Pacient successfully underwent modified Blalock-Taussig-Thomas surgery.
OBJECTIVES: To describe the Corrected Transposition of the Great Arteries, reviewing the anatomy, elucidating the complementary confirmatory tests and the management of emergency care in the face of ductal-dependent congenital heart lesions.
CASE REPORT: Full-term newborn, appropriate for gestational age, female, born by vaginal delivery without need for neonatal resuscitation. The mother received regular prenatal care, without complications. During the routine rooming-in visit, the patient had significant cyanosis, with no alteration in the physical examination that would explain the clinical picture.
CONCLUSION: The importance of ultrasound during prenatal care is reinforced in the search for early diagnosis of congenital anomalies and the presence of a multidisciplinary team prepared to identify clinical signs indicative of critical cyanotic heart disease, allowing rapid and assertive care, which are fundamental for a favorable outcome for the newborn.

Keywords: Heart defects, congenital, Pulmonary atresia, Congenitally corrected transposition of the great arteries, Pediatrics.


INTRODUÇÃO

A Transposição Corrigida de Grandes Artérias (TCGA) é uma cardiopatia congênita rara que se caracteriza por dupla discordância (atrioventricular e ventrículo-arterial), contando com uma prevalência aproximada de 0,5% a 1,4% de todas as cardiopatias congênitas1. Dentre as malformações em recém-nascidos, as cardíacas apresentam a maior taxa de mortalidade no primeiro ano de vida no Brasil, sendo a segunda causa de morte até 30 dias de vida2.


RELATO DE CASO

Recém-nascido termo, adequado para idade gestacional, sexo feminino, nascido de parto normal sem necessidade de reanimação neonatal, com primeiro exame físico sem anormalidades aparentes. A mãe realizou pré-natal regular, sem intercorrências.

Na primeira visita realizada quando o recém-nascido (RN) e a mãe se encontravam no alojamento conjunto, com cerca de 10 horas de vida, foi identificada cianose central importante que piorava com choro. Exame físico sem desconforto respiratório e oximetria de pulso pré-ductal de 20% de saturação. Foi admitida na Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal (UTIN) e mesmo após iniciada ventilação não invasiva através de Continous Positive Airway Pressure (CPAP) nasal com fração de oxigênio inspirado até 100% mantinha hipoxia, sendo suspeitado de cardiopatia congênita. Iniciada infusão endovenosa de prostaglandina 0,01 microgramas por quilo por minuto com melhora da saturação, alcançando níveis superiores a 90%. No mesmo dia, RN foi submetida a um ecocardiograma transtorácico que revelou a doença cardíaca. Paciente transferida para hospital de referência em cardiopatia congênita pediátrica.

Ao dar entrada, RN é internada. Repete-se o ecocardiograma uni/bidimensional e doppler pulsado/contínuo, cuja conclusão foi situs inversus em dextrocardia, discordância atrioventricular e ventriculoarterial, atresia da valva pulmonar com via de saída única aórtica conectada ao ventrículo direito, Comunicação Interventricular (CIV) de mal alinhamento ampla, canal arterial patente. Anatomia cardíaca correlacionada à L-TGA.

Devido à atresia da valva pulmonar, realizou-se a cirurgia paliativa de anastomose sistêmico-pulmonar (Blalock-Taussig-Thomas modificado) com resultado satisfatório. Apresentou no pós-operatório imediato sangramento aumentado, hipotensão e oligúria, resolvidos com uso de transfusão de concentrado de hemácias, reparação volêmica com soro fisiológico 0,9% e furosemida. Extubada no segundo dia de pós-operatório. Após 24 dias de internação com boa evolução e sem novas intercorrências, paciente recebe alta com encaminhamento para ambulatório de cardiologia para manter acompanhamento médico.


DISCUSSÃO

As cardiopatias congênitas podem ser classificadas pela presença ou não de cianose. O principal achado semiológico das cardiopatias cianóticas é a cianose, provocada pelos baixos níveis de oxiemoglobina no sangue arterial.

Dentre as cardiopatias que causam cianose, a Dextro-Transposição de Grandes Artérias (D-TGA) é caracterizada pela discordância ventrículo-arterial (aorta emerge do ventrículo direito e a artéria pulmonar emerge do ventrículo esquerdo) o que coloca as circulações sistêmica e pulmonar em paralelo, ao invés de em série, sendo a presença de locais de shunt entre as duas circulações (comunicação interatrial, CIV, persistência do canal arterial) essenciais para a manutenção da vida. A conotação dextro de D-TGA refere-se ao looping dos ventrículos durante a morfogênese cardíaca que posiciona o ventrículo direito à direita do ventrículo esquerdo morfológico. Isso fornece um apelido abreviado para ajudar a diferenciar essa forma de transposição da Levo-Transposição das Grandes Artérias (L-TGA)3.

Nesta anomalia L-TGA ilustrada pela Figura 1 abaixo, o átrio morfologicamente direito relaciona-se com o ventrículo morfologicamente esquerdo, que por sua vez dá origem à artéria pulmonar. O átrio morfologicamente esquerdo está relacionado com o ventrículo morfologicamente direito (VD), do qual se origina a artéria aorta4. Existe, assim, uma dupla discordância, isto é, atrioventricular e ventrículo-arterial5.





O termo TGA corrigida congenitamente ou fisiologicamente corrigida é usado para descrever o retorno fisiológico normal do sangue venoso sistêmico desoxigenado ao coração e o transporte do retorno venoso pulmonar oxigenado à circulação sistêmica através dos ventrículos discordantes e grandes artérias7. Apesar disso, não se trata de "cardiopatia benigna", sem repercussão. Habitualmente, está associada a vários defeitos congênitos, entre eles os mais frequentes, em ordem: CIV; obstrução da saída pulmonar e anormalidade nas valvas tricúspide e mitral. Associa-se também o alto risco de evolução para bloqueio atrioventricular total, regurgitação valvar sistêmica, insuficiência cardíaca congestiva e disfunção do VD que por estar conectado à aorta, bombeia contra uma pressão sistêmica, função para a qual não está adaptado.

Na maioria dos pacientes portadores desta doença congênita rara, se não houver outras anomalias associadas significativas, a sintomatologia cardíaca só se tornaria presente na quarta ou quinta década de vida8. No entanto, a atresia de valva pulmonar da paciente referida neste caso clínico provoca pressão elevada no VD, criando um shunt direita-esquerda através da CIV, resultando em hipofluxo pulmonar e consequente hipoxemia. Por isso, é imprescindível o uso de prostaglandina para manter pérvio o ducto arterioso, possibilitando a manutenção de um fluxo pulmonar mínimo satisfatório, até a realização da cirurgia.

A operação de Blalock-Taussig-Thomas modificado cria um shunt com tubo de politetrafluoroetileno na artéria subclávia para a artéria pulmonar ipsilateral, permitindo fluxo pulmonar e desenvolvimento das artérias pulmonares e da circulação arterial pulmonar. Essa cirurgia demonstrou ser um método confiável e seguro no tratamento paliativo das cardiopatias com hipofluxo pulmonar9. A desvantagem dessa operação, quando comparada à sua versão clássica, é o não crescimento do enxerto com o desenvolvimento da criança, já que o próprio ramo da artéria subclávia do paciente é anastomosado. Na Figura 2 a seguir, é possível observar o resultado dos procedimentos descritos.





Poucos estudos descreveram o achado pré-natal de TCGA em fetos até o momento. Estabelecer o diagnóstico antes do nascimento é essencial para um melhor aconselhamento dos pais e cuidados interdisciplinares pós-natais11. Ressaltamos assim, a importância da realização do pré-natal, em destaque para o ecocardiograma fetal, buscando identificar e diagnosticar precocemente as cardiopatias congênitas, permitindo a indicação do nascimento em centros de referência e especializados no tratamento de cardiopatias congênitas, pois pacientes que não possuem o diagnóstico pré-natal evoluem com maior chance de complicações pré-operatórias, com aumento de morbidade e mortalidade12.

Vale destacar a importância deste relato para a equipe assistencial de maternidades, envolvida nos cuidados do recém-nascido, por reafirmar importantes condutas emergenciais e a importância do diagnóstico diferencial diante de um neonato com cianose central. Destaco a realização do exame físico à beira-leito avaliando a permeabilidade da via aérea, expansibilidade torácica e sinais de insuficiência respiratória, ausculta cardíaca e aferição de saturação de oxigênio pré e pós-ductal. O diagnóstico definitivo é feito com avaliação ecocardiográfica. A suspeita clínica de cardiopatia congênita dependente de canal arterial é feita quando ocorre refratariedade na resposta ao uso de oxigenioterapia, sendo esse um dos aspectos fundamentais para indicação de início de infusão de prostaglandina, medicamento essencial no controle da hipoxemia nesses pacientes.


REFERÊNCIAS

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7. Kane DA. L-transposition of the great arteries: Anatomy, clinical features, and diagnosis. In: UpToDate. Alphen aan den Rijn: Wolters Kluwer; c2023; [cited 2024 Jan 1]. Available from: https://www.uptodate.com/contents/
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1. Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, Medicina - Vitória - Espírito Santo - Brasil
2. Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória - Unidade Pro-Matre, Neonatologia - Vitória - Espírito Santo - Brasil

Endereço para correspondência:
Bruno Dias Queiroz
Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória
Av. Nossa Sra. da Penha, 2190 - Santa Luíza
Vitória, ES, Brasil. CEP: 29045-402
E-mail: bruno@ciclo.com.br

Data de Submissão: 30/10/2023
Data de Aprovação: 11/03/2024