ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo de Revisao - Ano 2025 - Volume 15 - Número 1

Benefícios da amamentação na redução do risco cardiovascular em crianças a médio e longo prazo: uma revisão sistemática

Benefits of breastfeeding in reducing cardiovascular risk in children in the medium and long term: a systematic review

RESUMO

OBJETIVO: Revisar qual é a influência da amamentação com leite materno na saúde cardiovascular a médio e longo prazo.
MÉTODO: Foi realizada a busca sistemática da literatura em inglês, português e espanhol nas seguintes bases de dados: PubMed/MEDLINE, Embase, Cochrane e Scopus. Os principais descritores em ciência da saúde buscados em português e inglês foram: "breastfeeding" e "risk cardiovascular".
RESULTADO: Este estudo revisou 5.936 pacientes que foram avaliados quanto a fatores de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares e a influência da amamentação com leite materno. Dentre os ensaios observou-se uma leve prevalência do sexo masculino em relação ao feminino. A idade média dos estudos variou entre 13,2 e 71 anos.
CONCLUSÃO: A amamentação exclusiva por pelo menos 3-6 meses com leite materno pode estar relacionada à redução do risco cardiovascular por redução de fatores de risco como a reposta endotelial, espessura médio-intimal, chance de desenvolvimento de placas aterosclerótica, colesterol total, pressão arterial e razão LDL/HDL. Também foi observada redução de hemoglobina glicada em pacientes não diabéticos. Além disso, a soma dessas variáveis pode refletir em uma saúde cardiovascular favorável. No entanto, não foi observada diferença estatística em relação ao índice de massa corporal, triglicerídeos e glicemia.

Palavras-chave: Aleitamento materno, Fatores de risco de doenças cardíacas, Aterosclerose, Obesidade.

ABSTRACT

OBJECTIVE: review the influence of breastfeeding with maternal milk on medium and long-term cardiovascular health.
METHOD: A systematic literature search was conducted in English, Portuguese, and Spanish using the following databases: PubMed/MEDLINE, Embase, Cochrane, and Scopus. The main health science descriptors searched in Portuguese and English were "breastfeeding" and "risk cardiovascular."
RESULTS: This study reviewed 5936 patients who were evaluated for cardiovascular disease risk factors and the influence of breastfeeding with breast milk. Among the trials, a slight male prevalence was observed compared to females. The average age of the studies ranged from 13.2 to 71 years.
CONCLUSION: Exclusive breastfeeding for at least 3-6 months with breast milk may be associated with a reduction in cardiovascular risk by decreasing risk factors such as endothelial response, medium-intimal thickness, likelihood of atherosclerotic plaque development, total cholesterol, blood pressure, and LDL/HDL ratio. A reduction in glycated hemoglobin was also observed in non-diabetic patients. Additionally, the sum of these variables may contribute to favorable cardiovascular health. However, no statistical difference was observed in relation to body mass index, triglycerides, and blood glucose.

Keywords: Breast feeding, Heart disease risk factors, Atherosclerosis, Obesity.


INTRODUÇÃO

O leite materno é um fluido dinâmico que fornece nutrição para os bebês, sendo sua composição rica em bioatividade e biodisponibilidade de fatores de crescimento, enzimas, anticorpos e células-tronco que podem contribuir para o melhor funcionamento dos sistemas e aparelhos1.

Além disso, difere da fórmula infantil em vários aspectos como a proporção entre proteínas e gorduras2. O leite materno possui menor quantidade de proteínas e rico em gordura quando comparado ao leite de vaca e rico em colesterol quando comparado à fórmula infantil comercial3. Também possui hormônios e fatores de crescimento importantes que podem estar relacionados ao desenvolvimento do sistema cardiovascular4,5.

A prática da amamentação com leite materno em bebês tem sido ligada a uma redução nos fatores de risco cardiovascular na fase infantil. Em nações desenvolvidas, as crianças que foram amamentadas tendem a apresentar menor peso corporal durante a infância e adolescência, em comparação com aquelas que foram alimentadas com leite de vaca ou fórmulas comerciais para bebês6.

Alguns estudos, incluindo um ensaio aleatório envolvendo bebês prematuros, mostraram que as crianças amamentadas têm pressão arterial mais baixa, embora outros estudos não tenham encontrado essa relação7. Crianças amamentadas também apresentam níveis mais baixos de insulina em comparação com os que são alimentados com fórmula infantil8.

É importante notar que, embora os níveis de colesterol no sangue possam ser mais altos entre os bebês amamentados em comparação com aqueles alimentados com fórmula infantil, essa diferença desaparece quando a amamentação é interrompida e pode evoluir para perfis lipídicos mais favoráveis durante a adolescência9,10.

A amamentação com leite materno pode proporcionar uma maior capacidade de tolerância à glicose e diminuir o risco de desenvolvimento de diabetes mellitus, conforme indicado por alguns estudos11. No entanto, é importante observar que uma pesquisa recente apontou uma associação preocupante entre a duração prolongada da amamentação e a diminuição da flexibilidade das artérias em adultos jovens12.

Nesse sentido, este estudo visa revisar qual é a influência da amamentação na saúde cardiovascular a médio e longo prazo.


MATERIAIS E MÉTODOS

Esta revisão sistemática foi realizada de acordo com a declaração dos Principais Itens para Relatar Revisões Sistemáticas e Metanálises (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses, PRISMA, em inglês).

Estratégia de busca e critérios de seleção

Foi realizada a busca sistemática da literatura em inglês, português e espanhol nas seguintes bases de dados: PubMed/MEDLINE, Embase, Cochrane e Scopus. Os principais descritores em ciência da saúde buscados em português e inglês foram: "breastfeeding" e "risk cardiovascular". Foram utilizados operadores booleanos como AND/e e OR/ou nas bases de dados. Inicialmente todos os estudos que discutiam sobre a amamentação e risco cardiovascular em crianças foram abordados para triagem, sendo selecionados pelos critérios.

Os critérios de inclusão foram: a) estudos que correlacionem a amamentação de crianças com alterações no risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares; b) estudos que avaliaram indivíduos amamentados com leite materno exclusivo por pelo menos 3-6 meses; c) trabalhos que avaliaram as alterações com acompanhamento durante os primeiros meses de vida e na adolescência ou vida adulta; d) artigos que realizam estudos com casos controles avaliando variáveis adicionais como dieta e hábitos de vida na criança, adolescente e adultos; e) estudos que compararam a amamentação com leite materno com o uso de fonte alimentar suplementar.

Os critérios de exclusão foram: a) revisões sistemáticas; b) relatos de caso; c) ensaios experimentais; d) estudos que não descreviam fatores adicionais e avaliaram exclusivamente a amamentação sem fatores adicionais como risco para risco cardiovascular; e) ensaios sem grupo-controle.

Os artigos também foram selecionados de acordo com a estratégia de População, Intervenção, Comparação, Desfecho (Population, Intervention, Comparison, Outcome, PICO, em inglês).


• População: indivíduos amamentados com leite materno por pelo menos 3-6 meses e apresentaram modificação no risco cardiovascular.

• Intervenção: análise de parâmetros estatísticos de incidência de obesidade, perfil lipídico e hipertensão em crianças, adolescentes e adultos que foram amamentados por pelo menos 6 meses.

• Comparação: ocorreu através da observação do grupo que realizou aleitamento artificial ao grupo com amamentado com leite materno em relação aos indicadores de risco cardiovascular.

• Desfecho: demonstrar a existência de relação causal entre amamentação com leite materno por pelo menos 6 meses e redução do risco cardiovascular em crianças, adolescentes e adultos.


Extração de dados

Após avaliação inicial dos resumos diante dos critérios, os trabalhos com relevância foram selecionados para leitura completa e triados. Os dados foram extraídos pela equipe de pesquisa composta por dois revisores independentes. As divergências entre os revisores, quanto à inclusão ou à exclusão de um estudo, foram resolvidas por consenso, e, quando necessário, consultou-se um quinto revisor. As variáveis coletadas incluíram idade média, sexo, tempo de acompanhamento, as intervenções realizadas e os resultados funcionais obtidos.

Avaliação da qualidade

Para avaliação da qualidade dos estudos encontrados, foi utilizada a escala de Newcastle-Ottawa, que avalia oito itens e tem pontuação de 0-9 pontos em relação ao critério de seleção, comparabilidade e desfechos dos estudos controle.


RESULTADOS

Busca na literatura e características dos estudos


Nas bases de dados, foram encontrados 387 resultados. Ao todo, 113 estudos foram excluídos por estarem duplicados. Na segunda etapa, 262 estudos foram excluídos devido aos critérios pré-estabelecidos, sendo 168 por não se enquadrarem nos critérios de inclusão, 27 por terem como objetivo de avaliação a saúde materna, os 63 restantes foram avaliados conforme critérios de inclusão. Após análise, 4 artigos foram considerados elegíveis para a produção desta revisão.

Características das referências

Este estudo revisou 5.936 pacientes que foram avaliados quanto a fatores de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares e à influência da amamentação com leite materno. Dentre os ensaios observou-se uma leve prevalência do sexo masculino em relação ao feminino. A idade média dos estudos variou entre 13,2 e 71 anos, sendo que todos os ensaios avaliaram dados nos primeiros anos de vida e posteriormente na adolescência ou vida adulta (Tabela 1). Os parâmetros mais avaliados foram o perfil lipídico, glicemia, índice de massa corporal e pressão arterial. Os estudos avaliaram prospectivamente a população estudada, sendo o período de acompanhamento mínimo de dois anos da primeira infância. Os dados coletados incluíram a comparação entre os parâmetros laboratoriais entre aqueles que foram amamentados com leite materno e com alimentação suplementar.





DISCUSSÃO

O risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares é multifatorial e a amamentação com leite materno aparenta apresentar-se como modulador dessas variáveis. Apesar das deficiências de estudos longitudinais que avaliem a longo prazo a influência da amamentação e fatores adicionais. Nesse sentido, vários ensaios demonstram relação positiva com a redução de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares.

Quando avaliada a função endotelial entre crianças amamentadas comparadas as que usam fórmula, observou-se que as respostas da acetilcolina estavam significativamente relacionadas com a duração da amamentação13. Além disso, em modelos controlados por idade e sexo, a amamentação foi inversamente associada à espessura médio-intimal da carótida comum (IMT; diferença -0,03mm; IC 95%), bifurcação (diferença -0,19mm; IC 95%), placa carotídea (OR: 0,52; IC 95%) e placa femoral (OR: 0,54; IC 95%)14.

Um fator importante dentro da avaliação são os fatores adicionais como hábitos de vida, atividade física, alimentação, tabagismo e alcoolismo. A inclusão adicional de glicemia de jejum, colesterol, Índice de Massa Corporal, proporção percentual cintura/quadril, peso ao nascer, classificação de Tanner e atividade física não alterou a relação significativa entre ACh e amamentação13, como também controlando as variáveis socioeconômicas na infância e na idade adulta, o tabagismo e o álcool fizeram pouca diferença para efetuar as estimativas da espessura médio-intimal14.

No que diz respeito ao perfil lipídico, houve diferenças entre alguns estudos, enquanto um avaliou 405 participantes de um estudo de coorte inglês com 65 anos de acompanhamento, demonstrou pouca evidência de diferenças nos fatores de risco (adiposidade, pressão arterial, lipídios ou resistência à insulina), outro avaliou 216 participantes randomizados acompanhados por 13 anos, identificando menor concentração de Proteína C-Reativa (PCR) e relação LDL/HDL (14% menor, IC 95%) do que aqueles que receberam fórmula para prematuros14,15.

O baixo peso ao nascer esteve menos frequente nos participantes que foram amamentados com leite materno; além disso, foram observados hábitos alimentares mais saudáveis durante a vida16. Também foi observada evidência de que a amamentação estava associada a uma glicemia média mais baixa medida pela hemoglobina A1c (HbA1c) em pessoas sem diabetes e correlação significativa entre tempo de amamentação e redução de pressão arterial e nível sérico de colesterol14,16.

Fatores como redução de LDL/HDL e PCR podem estar relacionados à redução na chance de placas carotídeas e femorais15,16. As diferenças na prevalência de placas associadas à amamentação foram de magnitude semelhante às diferenças observadas em fumantes versus nunca fumantes e naqueles com e sem evidência de doença coronariana14.


CONCLUSÃO

O risco para desenvolvimento de doenças cardiovasculares é multifatorial, envolvendo principalmente hábitos alimentares, fatores genéticos, atividade física e presença de etilismo e/ou tabagismo. A amamentação com leite materno pode atuar no desenvolvimento do sistema cardiovascular em crianças e reduzir o risco para novas doenças. Além disso, a partir dos estudos revisados, este parece demonstrar efeito modulador sobre o epitélio de grandes vasos, reduzindo a incidência de aterosclerose, como também redução da glicemia em não diabéticos e menores valores pressóricos na vida adulta. No entanto, é importante destacar as limitações deste estudo, uma vez que os ensaios não são randomizados e não é possível concluir de forma definitiva sobre os benefícios. Além disso, ensaios futuros são necessários com elaboração de protocolos validados que possibilitem a associação entre o aleitamento e função cardiovascular sem desprezar seu componente multifatorial. Desse modo, este estudo observa possível influência do aleitamento sobre o risco de doenças cardiovasculares; todavia, novos ensaios devem ser elaborados para esclarecer como a amamentação modula o desenvolvimento cardiovascular e fatores adicionais como perfil lipídico e função endotelial.


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1. Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Faculdade de Medicina (FM) - Cuiabá - Mato Grosso - Brasil
2. Universidade Católica Portuguesa (UCP), Departamento de Pediatria - Lisboa - Lisboa - Portugal

Endereço para correspondência:
Ronaldi Gonçalves dos Santos
UFMT-Universidade Federal de Mato Grosso
Rua Quarenta e Nove, 2367, Boa Esperança
Cuiabá, MT, Brasil. CEP: 78060-900
E-mail: ronaldi.goncalves.s02@gmail.com

Data de Submissão: 23/11/2023
Data de Aprovação: 28/01/2024