ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2025 - Volume 15 - Número 1

Síndrome de Sweet na infância: um relato de caso

Sweet's syndrome in children: a case report

RESUMO

INTRODUÇÃO: A síndrome de Sweet (SS) é caracterizada por lesões cutâneas que podem se apresentar como pápulas, placas ou nódulos, difusos, dolorosos e eritematosos, associados à febre, sintomas inespecíficos e manifestações multissistêmicas.
RELATO DE CASO: Lactente com pápulas que progrediram para placas dolorosas associadas à febre e sintomas sistêmicos com 2 meses de evolução, não responsivo à antibioticoterapia. Realizada biópsia cutânea e iniciado tratamento com corticoide sistêmico com boa resposta.
CONCLUSÃO: Dermatose rara na população pediátrica, que faz diagnóstico diferencial com diversas condições infecciosas e inflamatórias. A associação com malignidades ocorre em parte dos casos, sendo necessária a sua exclusão. Apresenta resposta dramática à corticoterapia e necessita seguimento devido ao risco de recorrência.

Palavras-chave: Pediatria, Criança, Síndrome de Sweet.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Sweet syndrome (SS) is characterized by skin lesions that may present as papules, plaques, or nodules, diffuse, painful, and erythematous, associated with fever, nonspecific symptoms and multisystemic manifestations.
CASE REPORT: An infant with painful papules and plaques with fever and systemic symptoms with a 2-month evolution, unresponsive to antibiotic therapy. Skin biopsy performed, and systemic corticosteroid initiated with a good response.
CONCLUSION: A rare dermatosis in the pediatric population, requiring differential diagnosis with several infectious and inflammatory diseases. Association with cancer occurs in some cases, requiring exclusion. It shows a dramatic response to corticosteroid therapy and requires follow-up due to the risk of recurrence.

Keywords: Pediatrics, Child, Sweet Syndrome.


INTRODUÇÃO

A síndrome de Sweet (SS), também denominada dermatose neutrofílica febril aguda, foi descrita primeiramente em 1964 por Robert Douglas Sweet1,2. Compõe grupo heterogêneo de doenças inflamatórias da pele caracterizadas por infiltrados neutrofílicos estéreis3.

A fisiopatologia permanece pouco esclarecida, mas tem influência multifatorial1,2. Clinicamente, caracteriza-se por lesões cutâneas de distribuição difusa e assimétrica, com pápulas, placas ou nódulos, dolorosos e eritematosos2,4,5. Pode apresentar febre, mal-estar geral, artralgia, cefaleia e manifestações multissistêmicas diversas1,3,4,6.

O objetivo deste trabalho é descrever o caso desta rara dermatose neutrofílica em paciente pediátrico e sintetizar as evidências na literatura sobre a Síndrome de Sweet.


RELATO DE CASO

Paciente masculino, 8 meses de idade, admitido em pronto-atendimento com lesões papulares eritematosas iniciadas há 2 meses em região glútea e progressão para placas dolorosas, algumas com crostas e necrose. A mãe do paciente relatou aumento importante do número de lesões há 10 dias, associado à febre, irritabilidade, vômitos e inapetência. Paciente previamente hígido e sem dados relevantes de hábitos de vida e história familiar.

Na admissão estava em regular estado geral, com pápulas e placas eritematosas e infiltradas, algumas com focos de necrose, bem delimitadas e circinadas, distribuídas difusamente pelo corpo, com predomínio em face e membros inferiores. Na ocasião, os exames laboratoriais demonstravam leucocitose (16.040 células/µ) e aumento de proteína C-reativa (PCR). Inicialmente aventada a suspeita de piodermite e, devido à extensão das lesões, comprometimento do estado geral e baixa aceitação oral, optado pelo internamento para antibioticoterapia endovenosa.

Apesar do uso de antibióticos, o paciente evoluiu com piora das lesões (figuras 1 e 2), que surgiram inclusive em sítios de punção venosa. Realizou novos exames laboratoriais, com ampliação da investigação para outras doenças infecciosas, como leishmaniose e sífilis, vasculites e imunodeficiências, com resultados dentro da normalidade.









Solicitada avaliação da equipe de dermatologia pediátrica, que considerou como diagnósticos possíveis: linfoma, doenças histiocitárias, sarcoidose, micobacteriose atípica, síndrome de Sweet, edema hemorrágico agudo da infância, hanseníase ou micoses profundas. Orientada a realização de biópsia cutânea e administração de prednisolona 2 mg/kg/dia. Após início da corticoterapia, houve melhora da febre e redução importante das lesões. O paciente recebeu alta hospitalar após 23 dias de internamento, com desmame gradual da corticoterapia e para seguimento em ambulatório de dermatologia e imunologia. Em retorno ambulatorial, após um mês da alta hospitalar, apresentava regressão completa das lesões, com presença apenas de hipocromia residual.

O exame anatomopatológico da lesão demonstrou epiderme com ceratose compacta, focos de acúmulos de neutrófilos em área de acantose moderada com exocitose de neutrófilos e camada basal preservada. Derme papilar com edema exuberante e derme superficial e média com proeminente exsudato neutrofílico e interstício com numerosas células de padrão histiocitoide. Pesquisa de fungos e BAAR negativas. Com o resultado da biópsia, houve a confirmação do diagnóstico de síndrome de Sweet de padrão histiocitoide.


DISCUSSÃO

A síndrome de Sweet é rara na população pediátrica, que corresponde a 5 a 20% do total de casos4,6. Apresenta distribuição mundial, sem predileção racial1,6. Nos adultos, acomete mais o sexo feminino, com idade média de 50 anos6. Na infância, a doença não tem predileção por sexo e surge em média aos 5 anos, mas com descrição de casos desde o período neonatal7.

Caracteristicamente, apresenta-se com pápulas, placas ou nódulos eritematosos e dolorosos, que não evoluem com formação de cicatrizes2,4,5. Porém, há descrição de formas pustular, bolhosa e necrosante3. Apresentam distribuição assimétrica e predominam em face, região cervical e membros superiores2. O acometimento de mucosas acontece em apenas 5% dos casos3-5. As lesões podem surgir como uma resposta isotópica de Wolff, que consiste em distúrbio de pele no local de outra doença cutânea não relacionada e já curada1.  A patergia é observada em até 25% dos casos, com o surgimento de lesões em locais de biópsias prévias, picadas de insetos e sítios de punção venosa3-6.

O sintoma mais frequentemente associado é a febre, relatada em até 85% dos casos1,3. Outras queixas incluem artralgia, mal-estar geral, cefaleia e mialgia1,4. Pode haver acometimento ocular, pulmonar, cardíaco, gastrointestinal, renal, hepático.3,6 Os pulmões são o sítio extracutâneo mais acometido, com quadro de tosse, dispneia e pleurite3.

Os pacientes com SS apresentam nos exames laboratoriais leucocitose com neutrofilia e aumento de reagentes de fase aguda, como PCR e velocidade de hemossedimentação (VHS)1,2. Na suspeita da doença, são necessários anamnese e exame físico minuciosos, além de biópsia e cultura de amostra do tecido, que deve estender-se para o subcutâneo de uma lesão ativa2,3,5. Infiltrado de neutrófilos maduros localizados na derme papilar e reticular superior é uma característica histológica de síndrome de Sweet1,2. Pode haver ainda edema, alteração da epiderme e infiltração neutrofílica do tecido adiposo1. Dessa forma, as alterações histopatológicas verificadas no paciente são compatíveis com os achados trazidos na literatura e permitiram a confirmação diagnóstica de síndrome de Sweet.

Atualmente existem critérios para o diagnóstico da SS, descritos por Moschella e Davis (2012)8. Os principais incluem início abrupto de lesões cutâneas típicas e histopatologia compatível2,3,6. Entre os menores estão a presença de febre e manifestações sistêmicas, associação com malignidades, doenças inflamatórias, gravidez, vacinação ou infecções respiratórias e gastrointestinais, alteração de provas inflamatórias ou leucocitose e excelente resposta ao uso de corticosteroide sistêmico2,3,6. São necessários dois critérios principais e dois critérios menores3.

A SS possui 3 apresentações clínicas – clássica, paraneoplásica e induzida por drogas1,2,4,5. A forma clássica tem associação com quadros respiratórios ou gastrointestinais em 45% dos pacientes4. A forma paraneoplásica corresponde a 25% dos casos, associada principalmente à leucemia mieloide aguda5. Na forma induzida por drogas, é reconhecida a associação com fator estimulador de colônias de granulócitos, sulfametoxazol-trimetoprim, azatioprina e minociclina5. Além disso, a vacina contra Influenza e a BCG também foram relacionadas à SS1. No paciente em questão, não foi encontrada associação com malignidade ou medicações, diagnosticado então com a forma clássica da doença.

O diagnóstico diferencial da SS inclui condições infecciosas e inflamatórias6. Pioderma gangrenoso, poliarterite nodosa, eritema multiforme, lúpus eritematoso sistêmico e púrpura de Henoch-Schonlein são algumas das causas inflamatórias1,5,6. Entre causas infecciosas, podem ser citadas celulite bacteriana, erisipela, infecção pelo vírus herpes, tuberculose, sífilis e esporotricose6. Assim como no estudo de Stevens et al. (2018)4, o caso descrito teve piodermite como primeira hipótese diagnóstica. A semelhança clínica e laboratorial, além da maior prevalência dessa infecção, justificou o início da antibioticoterapia empírica. Com a evolução desfavorável, tornou-se necessária a ampliação dos diagnósticos diferenciais.

Até o momento, não existem diretrizes validadas para o tratamento da SS3. O tratamento padrão é realizado com corticosteroides sistêmicos, geralmente pela via oral, com prednisona 0,5 a 1 mg/kg/dia3,4,6. Assim como no caso descrito, geralmente há uma resposta dramática ao tratamento, tanto clínica quanto laboratorialmente4,6. Para as lesões localizadas podem-se utilizar corticosteroides tópicos ou intralesionais1. Nos quadros graves, preconiza-se 2 mg/kg/dia, e em casos refratários, a pulsoterapia1,3. Outras opções incluem colchicina, iodeto de potássio, clofazimina, ciclosporina, dapsona e indometacina1,3. Além disso, estudos isolados descrevem tratamento com ciclofosfamida, danazol, imunoglobulina, antagonistas de interferon-alfa e de fator de necrose tumoral1,3.

Existem relatos na literatura de regressão das lesões sem tratamento específico, o que pode demorar de semanas a meses1,6. Na forma associada a neoplasias é realizado o tratamento da malignidade subjacente e na forma associada à medicação deve ser feita a descontinuação do fármaco, medidas que podem ser suficientes para resolução das lesões6. A recorrência pode ocorrer em até 45% dos casos, principalmente na forma associada a malignidades3,4.


CONCLUSÃO

Com manifestações clínicas que se superpõem a uma gama de doenças, a SS necessita de elevado índice de suspeição para o diagnóstico, especialmente na população pediátrica. A exclusão de malignidades é de extrema importância, apesar da maioria dos casos ser idiopática. Mesmo com resposta importante à corticoterapia, o seguimento clínico desses pacientes se faz necessário, pois o risco de recorrência da doença é elevado.


REFERÊNCIAS

1. Anzalone CL, Cohen PR. Acute febrile neutrophilic dermatoses (Sweet’s syndrome). Curr Opin Hematol. 2013;20(1):26-35.

2. Villarreal-Villarreal CD, Ocampo-Candiani J, Villarreal-Martínez A. Sweet Syndrome: A Review and Update. Actas Dermo Sifiliogr. 2016;107(5):369-78.

3. Ashchyan HJ, Nelson CA, Stephen S, James WD, Micheletti RG, Rosenbach M. Neutrophilic dermatoses. J Am Acad Dermatol. 2018;79(6):1009-22.

4. Stevens GJ, Yutronic HJ, Pizarro OJ, Velozo PL. Síndrome de Sweet en Pediatría. A proposito de un caso. Rev Chil Pediatr. 2018;89(4):511-5.

5. García-Romero MT, Ho N. Pediatric Sweet syndrome. A retrospective study. Int J Dermatol. 2014;54(5):518-22.

6. Paydas S. Sweet’s syndrome: A revisit for hematologists and oncologists. Crit Rev Oncol Hematol. 2013;86(1):85-95.

7. Uihlein LC, Brandling-Bennett HA, Lio PA, Liang MG. Sweet Syndrome in Children. Pediatr Dermatol. 1011;29(1):38-44.

8. Moschella SL, Davis MDP. Neutrophilic dermatoses. In: Bolognia JL, Jorizzo JL, Schaffer JV, editors. Dermatology. 3rd ed. Philadelphia, PA: Elsevier Saunders; 2012:423-38.










1. Hospital Pequeno Príncipe, Residente de Pediatria - Curitiba - Paraná - Brasil
2. Faculdades Pequeno Príncipe, Faculdade de Medicina - Curitiba - Paraná - Brasil
3. Hospital Pequeno Príncipe, Curitiba - Paraná - Brasil

Endereço para correspondência:
Paula Brandalise Nunes
Hospital Pequeno Príncipe
Rua Desembargador Motta, 1070, Água Verde
Curitiba, PR, Brasil. CEP: 80250-060
E-mail: pbranunes@gmail.com

Data de Submissão: 04/12/2023
Data de Aprovação: 04/03/2024