ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2025 - Volume 15 - Número 1

Manejo de cuidados em sala de parto e unidade de terapia intensiva neonatal: relato de caso de recém-nascido com encefalocele frontoparietal bilateral

Care management in the delivery room and neonatal intensive care unit: case report of a newborn with bilateral frontoparietal encephalocele

RESUMO

Os defeitos do sistema nervoso acometem 1 em cada 4.000 nascidos vivos. A encefalocele, que consiste na herniação do cérebro e/ou das meninges através de um defeito na calota craniana, está entre os principais defeitos do fechamento do tubo neural durante o desenvolvimento embrionário. O objetivo deste estudo foi relatar um caso de encefalocele frontoparietal bilateral rota em criança termo com diagnóstico prévio desde a 20ª semana de gestação. Nascida de parto vaginal, não realizadas manobras de reanimação, sem indicação de investimentos maiores devido às malformações. Após 48 horas do nascimento, foram iniciados cuidados intensivos em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal. Durante a internação na UTI, recebeu suporte ventilatório, fototerapia, tratamento cirúrgico para a transecção subpial de encefalocele frontoparietal bilateral, correção de fístula liquórica, reconstrução craniana para acrania/disrafismo aberto, terapia anticonvulsivante, suporte de drogas vasoativas e antibioticoterapia. Recebeu alta para enfermaria após 40 dias de internação, sem suporte ventilatório e com dieta plena. O diagnóstico se dá geralmente pelo ultrassom no segundo trimestre de gestação. O prognóstico tem relação direta com a assistência pré-natal, pós-natal, ao volume do conteúdo herniado, tecido cerebral envolvido e se há outras malformações associadas. A indicação de intervenções terapêuticas e a suspensão daquelas já instituídas suscitam frequentemente dilemas éticos na assistência neonatal. Dessa forma, faz-se necessária a divulgação de estudos explorando de forma detalhada esse tema.

Palavras-chave: Defeitos do tubo neural, Encefalocele, Unidades de terapia intensiva neonatal.

ABSTRACT

Nervous system defects affect 1 in every 4000 live births. Encephalocele, which consists of the herniation of the brain and/or meninges through a defect in the cranial vault, is among the main defects in the closure of the neural tube during embryonic development. The objective of this study was to report a case of ruptured bilateral frontoparietal encephalocele in a full-term child previously diagnosed since the 20th week of gestation. Born by vaginal birth, no resuscitation maneuvers were performed, no indication of greater investments due to malformations. 48 hours after birth, intensive care was initiated in the Neonatal Intensive Care Unit (ICU). During his stay in the ICU he received ventilatory support, phototherapy, surgical treatment for subpial transection of bilateral frontoparietal encephalocele, correction of cerebrospinal fluid fistula, cranial reconstruction for open acrania/dysraphism, anticonvulsant therapy, vasoactive drug support and antibiotic therapy. She was discharged to the ward after 40 days of hospitalization, without ventilatory support and on a full diet. Diagnosis is usually made via ultrasound in the second trimester of pregnancy. The prognosis is directly related to prenatal and postnatal care, the volume of herniated content, the brain tissue involved and whether there are other associated malformations. The indication of therapeutic interventions and the suspension of those already instituted often raise ethical dilemmas in neonatal care. Therefore, it is necessary to publish studies exploring this topic in detail.

Keywords: Neural tube defects, Encephalocele, Intensive care units, neonatal.


INTRODUÇÃO

A encefalocele é caracterizada pela protrusão do conteúdo craniano para além dos limites normais do crânio, resultado de uma malformação óssea congênita ou, mais recentemente, por meio de forames ou fissuras normais no crânio1. O defeito, geralmente na região occipital, pode ocorrer isoladamente ou associado2 a outros defeitos congênitos, contribuindo para síndromes diversas (20,5%)2,3. Essa condição pode estar relacionada a complicações como microcefalia, hidrocefalia e malformações de Chiari tipo III, entre outras (face, renal e cardiovascular)2.

A encefalocele é frequentemente classificada como um tipo de defeito de fechamento do tubo neural (DFTN), no qual os tipos mais comuns desse grupo são anencefalia e espinha bífida. A anencefalia, caracterizada pela ausência de calota craniana e hemisférios cerebrais, é uma anomalia grave e letal que ocorre nas primeiras semanas de embriogênese. Em contraste, a espinha bífida manifesta-se como um defeito na linha mediana da vértebra, com exposição dos elementos do canal vertebral, originando-se na 3ª ou 4ª semana de vida embrionária4.

Estudos recentes indicam que a encefalocele pode ter mecanismos básicos diferentes em comparação com a espinha bífida e a anencefalia, associados às fases específicas da embriologia do sistema nervoso central. O fechamento do tubo neural pode ocorrer de acordo com dois modelos durante a embriogênese: fechamento bidirecional ("zíper") e múltiplos sítios de fechamento, explicando a variação na localização anatômica da encefalocele.

Além disso, estudos genéticos revelaram diferenças na concordância entre irmãos e na prevalência de anomalias congênitas entre espinha bífida, anencefalia e encefalocele5. O risco de recorrência é maior em casos de espinha bífida, indicando a existência de fatores de risco variáveis entre essas condições6.

Dentre os fatores de risco conhecidos, destacam-se geração prévia com DFTN, casos familiares, agentes teratogênicos, hipertermia materna, diabetes gestacional, extremos de idade, uso de certos medicamentos pela gestante (ácido valproico, carbamazepina), tabagismo, consumo de álcool e exposição à radiação. A deficiência materna de ácido fólico também desempenha um papel significativo7.

A prevalência da encefalocele varia regionalmente, geralmente situando-se em torno de 1/1000 nascidos vivos. A ultrassonografia (USG) é o método preferencial para o diagnóstico pré-natal, sendo complementada por exames como radiografia craniana, tomografia e ressonância. A localização anatômica da encefalocele, juntamente com outros fatores, influencia o tratamento e o prognóstico, destacando a importância do diagnóstico pré-natal para determinar o curso clínico8.


RELATO DE CASO

Um recém-nascido do sexo feminino, nascido em 05/03/2021, apresentou índice de APGAR de 4/4/8, com 40 semanas e 2 dias de idade gestacional, peso ao nascer de 2.2655g, estatura de 41 cm, perímetro cefálico de 26 cm e tipo sanguíneo A-. Durante o pré-natal, ultrassonografias obstétricas realizadas em torno da 20ª semana revelaram sinais de má-formação no sistema nervoso central, confirmados por exames subsequentes, conforme Figura 1 (fotos autorizadas pela família). No parto, o bebê apresentou encefalocele parietal de grande proporção, rota. Cerca de 48 horas após o parto, ainda no centro obstétrico, manifestou dificuldades respiratórias, apneias e crises convulsivas, necessitando de suporte ventilatório, sendo transferido para uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal.





A mãe, 19 anos, primípara, A+, teve diagnóstico gestacional precoce com aproximadamente 10 consultas pré-natal, sem histórico de gestações anteriores. Nega uso de medicamentos, álcool, tabaco e outras substâncias. O pai é hipertenso. A ultrassonografia obstétrica revelou segmento cefálico de difícil caracterização, não permitindo distinguir entre anencefalia/acrania ou microcefalia severa, com idade gestacional de 36 semanas e 4 dias.

No exame físico, na admissão da UTIN, o recém-nascido apresentava-se em mau estado geral, dispneico leve em ar ambiente, pálido, hidratado, ictérico (zona IV de Kramer). Os achados incluíam murmúrio vesicular simétrico, sem ruídos adventícios, bulhas cardíacas rítmicas e normofonéticas, sem sopros. O abdômen era considerado normal, com tônus normal. Ativo e reativo aos estímulos. Destacava-se a presença de uma encefalocele de grandes dimensões com fístula, drenando secreção purulenta em quantidade reduzida, como observado na Figura 2. Os exames laboratoriais não evidenciaram infecção no hemograma, enquanto a tomografia craniana com contraste identificou encefalocele parietal alta com exposição de tecido parenquimatoso, meninges e vascular, conforme apresentado na Figura 2, a seguir.





Os exames maternos mostraram sorologias negativas, hemograma com anemia discreta (microcítica e hipocrômica), ferritina, ácido fólico e vitamina B12 normais. O tratamento incluiu suporte ventilatório, fototerapia, terapia anticonvulsivante, antibiótica, transfusão e intervenção cirúrgica. A intervenção neurocirúrgica foi realizada em dois tempos, sendo o primeiro composto por craniectomia e drenagem de cisto líquido, seguido por transecção subpial de encefalocele frontoparietal bilateral, correção de fístula liquórica, reconstrução craniana para acrania/disrafismo aberto. O tratamento cirúrgico envolveu uma abordagem multidisciplinar, com uma equipe médica especializada, e, apesar dos riscos, complicações foram evitadas ou tratadas, permitindo ao recém-nascido receber alta da Unidade de Terapia Intensiva com 42 dias de vida, em boas condições e continuar recebendo cuidados em leito de enfermaria.


DISCUSSÃO

Ao analisar os fatores de risco maternos, é fundamental considerar as características sociais, políticas e econômicas específicas de países em desenvolvimento, como o Brasil. Nesse contexto, potenciais riscos teratogênicos estão associados a fatores como baixos níveis educacionais e econômicos da população, alta incidência de doenças infecciosas, escassos recursos para saúde e pesquisa, diagnóstico gestacional tardio, uso não controlado de medicamentos e entorpecentes, e a proibição legal da interrupção da gestação. No caso apresentado, observa-se a presença de muitos desses riscos9.

A deficiência de ácido fólico é estabelecida como um fator de risco para defeitos de fechamento do tubo neural (DFTN), mas sua relação específica com subgrupos como anencefalia, espinha bífida e encefalocele é objeto de estudo. Embora o papel exato do ácido fólico no desenvolvimento do tubo neural seja desconhecido, é conhecido que essa vitamina do complexo B participa de reações metabólicas essenciais para a síntese de ácidos nucleicos. No entanto, estudos recentes indicam que, em algumas populações, a prevalência de encefalocele não diminuiu significativamente mesmo com o aumento da ingestão materna de ácido fólico, ao contrário do observado para anencefalia e espinha bífida10.

Embora a dosagem sérica de ácido fólico na mãe esteja dentro dos valores esperados, não contribui como fator de risco adicional neste caso. A suplementação de ácido fólico é considerada importante, especialmente considerando a baixa aderência à suplementação medicamentosa no Brasil. A fortificação compulsória das farinhas de trigo e milho com ferro e ácido fólico, implementada em 2004, visa reduzir a prevalência de anemia materna e defeitos do tubo neural11.

É relevante notar que a ingestão excessiva de ácido fólico sintético pode associar-se à deficiência de vitamina B12, aumentando o risco de complicações, como abortos repetitivos e nascimentos múltiplos. A suplementação pré-concepcional de ácido fólico é recomendada, com dosagens diferenciadas para mulheres sem e com antecedentes de DFTN12.

O tratamento cirúrgico da encefalocele envolveu uma abordagem multidisciplinar, com uma equipe médica especializada, e, apesar dos riscos, complicações foram evitadas ou tratadas, permitindo ao recém-nascido receber alta da UTI em boas condições e continuar recebendo cuidados em leito de enfermaria13.

Durante toda a assistência, a equipe médica, consciente da complexidade do caso, propôs cuidados paliativos como uma abordagem para garantir conforto e qualidade de vida. Entretanto, a mãe se revelou resistente a essa sugestão, mergulhada em uma mistura de sentimentos que envolveram o amor incondicional pelo seu bebê e a dificuldade em aceitar uma realidade tão delicada. A encefalocele, com suas ramificações físicas e emocionais, coloca diante dela um desafio que transcendeu o entendimento médico13.

Diante do exposto anteriormente, é perceptível que, embora os defeitos DFTN possuam uma etiologia heterogênea, com diversos mecanismos descritos em relação à sua origem, a maioria dos casos é atribuída à interação entre múltiplos genes e fatores ambientais, caracterizando uma herança multifatorial. A importância do diagnóstico pré-natal reside na determinação do prognóstico e na oferta de aconselhamento genético apropriado.

Os custos, tanto materiais quanto sociais (considerando as complicações decorrentes da lesão causada pelo DFTN), motivaram a revisão dos possíveis fatores que contribuíram ou complicaram a gravidade clínica da paciente. As medidas preventivas, muitas vezes simples, quando desconsideradas, podem resultar em complicações, custos médicos elevados e sequelas permanentes. Na UTI neonatal, a missão não se limitou a assegurar o direito à atenção integral do paciente ao tratamento adequado, mas também incluiu a adoção de medidas de suporte psicossocial à família bem como a orientação quanto à implementação de cuidados paliativos. Nas tentativas de abordagem sobre paliação feitas junto à genitora, a resistência dela pôde ser compreendida pela equipe como um reflexo da natureza instintiva do amor materno.

A equipe médica, sensível à angústia da mãe, buscou estabelecer uma comunicação aberta e empática. Procurou explorar as expectativas e os desejos dela, além de fornecer informações claras sobre o quadro clínico da filha. O diálogo constante visou construir uma ponte de compreensão entre a equipe médica e a mãe, considerando sempre o melhor interesse da criança.

É importante reconhecer que a resistência da mãe aos cuidados paliativos não é apenas uma barreira a ser superada, mas uma expressão de amor e apego profundos. O papel da equipe médica vai além do tratamento clínico; envolve o suporte emocional, o respeito às decisões familiares e a busca por soluções que proporcionem dignidade e conforto.

Nesse contexto, o desafio consistiu em encontrar um equilíbrio delicado entre oferecer os melhores cuidados possíveis e respeitar as escolhas da família. A compaixão e a empatia se tornaram ferramentas essenciais para criar um ambiente de cuidado centrado na família, onde a mãe, a criança e a equipe médica pudessem colaborar para proporcionar o máximo de qualidade de vida possível, independentemente das escolhas difíceis que precisaram ser feitas.


REFERÊNCIAS

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Júlia Daniele Tavares Teixeira Mota
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Data de Submissão: 07/12/2023
Data de Aprovação: 16/04/2024