ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo de Revisao - Ano 2025 - Volume 15 - Número 1

Retinopatia da prematuridade e a sua relação com oxigenoterapia:uma revisão integrativa

Retinopathy of prematurity and its relationship with oxygen therapy: an integrative review

RESUMO

INTRODUÇÃO: Retinopatia da prematuridade (ROP) trata-se de uma doença caracterizada por angiogênese anormal da retina ainda imatura. Uma das principais causas é a inadequada e má administração de oxigênio em salas de parto e/ ou unidades de cuidados intensivos neonatais.
OBJETIVOS: Levantar evidências científicas a respeito da ROP e uso de oxigenoterapia, assim como compreender sua fisiopatologia e possíveis fatores de prevenção.
MÉTODOS: Trata-se de uma revisão integrativa. Foram utilizadas base de dados PubMed, Medline, ScienceDirect, SciELO e Cochrane, sendo pesquisados termos relacionados à ROP nos idiomas inglês, francês ou português.
RESULTADOS: A retinopatia da prematuridade trata-se de uma doença vasoproliferativa grave que ocorre em recém-nascidos prematuros, que, se não tratada em tempo hábil, pode levar ao descolamento da retina e deficiência visual. Fisiopatologicamente o desenvolvimento vascular retiniano completo, que ocorre entre a 40ª e a 44ª semana de idade pós-menstrual, é interrompido devido à prematuridade. Atualmente, a principal causa de ROP é o mal uso da oxigenoterapia em recém-nascidos; no entanto, há outros fatores como cardiopatias congênitas e anencefalia.
CONCLUSÃO: Os avanços em cuidados neonatais permitiram uma elevação na taxa de sobrevivência em prematuros e a incidência de ROP acompanhou esse aumento. Visto isso, como a principal causa está relacionada ao uso inadequado de oxigenoterapia, englobando hiperóxia e flutuações nos níveis de saturação de oxigênio, manter o controle dessa técnica terapêutica mostra-se um grande artifício contra a ocorrência de ROP. Entretanto, é necessário cautela ao diminuir os níveis de saturação de oxigênio, já que essa redução pode aumentar a mortalidade dos neonatos.

Palavras-chave: Retinopatia da prematuridade, Oxigenoterapia, Nascimento prematuro, Recém-nascido.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Retinopathy of prematurity (ROP) is a disease characterized by abnormal angiogenesis of the immature retina. One of the main causes is inadequate and poorly administered oxygen administration in delivery rooms and/or neonatal intensive care units.
OBJECTIVES: To gather scientific evidence regarding ROP and the use of oxygen therapy, as well as to understand its pathophysiology and possible prevention factors.
METHODS: This is an integrative review. The PubMed, Medline, ScienceDirect, SciELO and Cochrane databases were used, and terms related to ROP were searched in English, French or Portuguese.
RESULTS: Retinopathy of prematurity is a severe vasoproliferative disease that occurs in premature newborns, which, if not treated in a timely manner, can lead to retinal detachment and visual impairment. Pathophysiologically, complete retinal vascular development, which occurs between the 40-44th week of postmenstrual age, is interrupted due to prematurity. Currently, the main cause of ROP is the misuse of oxygen therapy in newborns, however, there are other factors such as congenital heart disease and anencephaly.
CONCLUSION: Advances in neonatal care have allowed an increase in the survival rate in preterm infants and the incidence of ROP has accompanied this increase. Therefore, since the main cause is related to the inadequate use of oxygen therapy, including hyperoxia and fluctuations in oxygen saturation levels, maintaining control of this therapeutic technique is a great artifice against the occurrence of ROP. However, caution is required when decreasing oxygen saturation levels, as this reduction may increase mortality in neonates.

Keywords: Retinopathy of prematurity, Oxygen inhalation therapy, Premature birth, Newborn.


INTRODUÇÃO

A retinopatia da prematuridade (ROP) trata-se de uma doença grave que ocorre em recém-nascidos (RN) prematuros, aqueles nascidos antes de 37 semanas de idade gestacional, onde há acometimento dos vasos sanguíneos da retina durante o desenvolvimento do recém-nascido1. Fisiopatologicamente, trata-se de uma angiogênese anormal que se desenvolve a partir da vascularização de uma retina imatura2, podendo evoluir para proliferação fibrovascular em direção ao vítreo formando membranas e pontes de tração, as quais ocasionam um deslocamento da retina e redução da acuidade visual em graus variados3.

A principal causa do desenvolvimento da ROP é a inadequada e má administração de oxigênio em salas de parto ou em unidades de cuidados intensivos neonatais1. No entanto, outros fatores podem contribuir para o progresso dessa patologia, entre eles: persistência do canal arterial, asfixia perinatal, hemorragia intraventricular, sepse, nutrição parenteral prolongada e transfusões sanguíneas3.


MÉTODOS

Este artigo é uma revisão integrativa. Todos os artigos utilizados foram pesquisados nas bases de dados públicas PubMed, Medline, ScienceDirect, SciELO e Cochrane. O processo de busca desses artigos foi feito por meio de termos relacionados à retinopatia da prematuridade, oxigenoterapia, nascimento prematuro e recém-nascidos. Foi dada a preferência para artigos com menos de 10 anos de publicação, que eram gratuitos para leitura e que estavam disponíveis em inglês, francês ou português. Foram selecionados estudos que continham diagnóstico, prevenção e diferentes causas da retinopatia da prematuridade. A seleção foi limitada a artigos publicados em periódicos de influência significativa; artigos duplicados, pagos e que estavam em tempo superior há 20 anos de publicação foram excluídos. Literatura adicional não presente nessas bases de dados foi utilizada para complementar a compreensão geral dos mecanismos de ação, classificações específicas e para ilustrar descrições históricas do fator em estudo. Os autores deste artigo declaram a inexistência de conflitos de interesse.


DISCUSSÃO

A retinopatia da prematuridade (ROP) trata-se de uma doença vasoproliferativa grave que ocorre em RN prematuros, aqueles nascidos antes de 37 semanas de idade gestacional, onde há acometimento dos vasos sanguíneos da retina durante o desenvolvimento do concepto1,4. Ela se manifesta em RN prematuros, em especial aqueles nascidos com menos de 28 semanas e com menos de 1000g5, como prejuízo na vascularização da retina, que, se não detectada e tratada em tempo hábil, pode levar ao descolamento da retina e à grave deficiência visual1,6, como glaucoma, estrabismo, miopia e ambliopia6.Por certo, a ROP configura uma das mais importantes causas de cegueira prevenível em crianças4.

A fisiopatologia da ROP envolve o atraso na vascularização da retina, com atenuação e obliteração de vasos logo após o nascimento. O desenvolvimento vascular retiniano completo, que ocorre entre a 40ª e a 44ª semana de idade pós-menstrual, é interrompido devido à prematuridade6. Além disso, de 4-8 semanas após o nascimento, ocorre proliferação anormal de células vasculares da retina com neovascularização retiniana e do vítreo, estimulando a retina periférica avascular por hipóxia celular relacionada à demanda metabólica6. Essa hipóxia da retina avascular periférica é o principal estímulo bioquímico que leva à produção de fatores induzíveis devido à baixa oferta de oxigênio, ativando a produção de genes angiogênicos e estimulando a neovascularização patológica da ROP6.

Atualmente, a principal causa de ROP é o uso mal controlado de oxigenoterapia em recém-nascidos nas unidades de terapia e cuidados intensivos neonatais (UTI neonatais). Dentre as demais causas da ROP, há as cardiopatias congênitas 2 cianogênicas e a anencefalia1. Além disso, os fatores de risco para o desenvolvimento de ROP incluem fatores maternos, pré-natais e perinatais, demografia, intervenções médicas, nutrição e genética. Dentre eles, encontram-se baixo peso ao nascer, baixa IG, nutrição parenteral prolongada, apneia, hipocapnia e hipercapnia, hipoxemia intermitente (SpO2 <80% por 1 minuto ou mais), flutuações nos níveis de oxigênio, reanimação com oxigênio a 100% (hiperóxia precoce), número de transfusões sanguíneas realizadas, uso de antenas, quantidade de horas em ventilação, septicemia, dentre outros1,6 (Tabela 1)




Uma metanálise realizada por Askie et al. (2017)7, que inclui 5 ensaios clínicos randomizados, concluiu que RNs alocados no grupo de menor saturação de oxigênio (85% a 89%), em comparação com o grupo de maior saturação de oxigênio (91% a 95%), tiveram menor incidência de doenças graves, como ROP e DPOC, porém apresentaram risco elevado de morte dos 18 a 24 meses de idade corrigida.

No entanto, segundo Sabri et al. (2022)6, por sua vez, outra metanálise mostra não haver diferença estatística de morte e doenças graves entre grupos com maior e menor saturação de oxigênio. Além disso, afirma que a maioria das revisões sistemáticas, declarações de consenso, comentários e a Academia Americana de Pediatria estabeleceram uma meta terapêutica de saturação de oxigênio entre 90% e 95%6. Ademais, outras medidas preventivas que podem ser adotadas incluem: administração de corticosteroides pré-natais entre 24-35 semanas de IG para gestantes com risco de trabalho de parto prematuro (TPP), segundo o Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologistas (2017)8; otimização de nutrição parenteral evitando hiperglicemia, controle de dor, infecções e temperatura e suplementação de vitamina E, inositol e amamentação adequada6.

Classificação da ROP

A ROP possui uma Classificação Internacional padronizada, instituída em 1984, baseada em sua localização, características morfológicas e gravidade da ROP ativa e cicatricial6. Em 2021, foi atualizada para a terceira versão da Classificação Internacional de Retinopatia da Prematuridade (ICROP3), quanto mais posterior a doença, maior é a gravidade e quantidade de tecido vascular retiniano envolvido9. Atualmente a ROP pode ser classificada em 4 zonas, em 5 estágios de gravidade e associada à presença de doença plus, um biomarcador vascular da retina posterior. A divisão em zonas abrange: Zona I, Zona II posterior, o restante da Zona II e Zona III, sendo que as duas primeiras indicam um estágio mais grave6. Dessa forma, a gravidade da doença é estabelecida com base na zona, estágio e na tortuosidade e dilatação dos vasos retinianos desenvolvidos no polo posterior do globo ocular, chamada doença “pré-plus” ou “plus”10.

Diagnóstico da ROP

O diagnóstico desta patologia baseia-se sobretudo na realização do fundo de olho11. O Ministério da Saúde recomenda que todos os nascidos sejam submetidos ao teste do reflexo vermelho (TRV) antes de receber alta da maternidade e que essa investigação seja feita, pelo menos, duas ou três vezes no ano, durante os primeiros três anos de vida do recém-nascido12. Além disso, a Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica (SBOP) e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomendam que nos prematuros com idade gestacional abaixo de 32 semanas ou peso ao nascimento inferior a 1500g, o TRV seja realizado aos 30 dias de vida e depois sequencialmente conforme orientação do oftalmologista13.


CONCLUSÃO

Em conclusão, a compressão dos mecanismos relacionados à patogênese da ROP é de extrema importância, visto que os avanços em cuidados neonatais permitiram uma elevação na taxa de sobrevivência em prematuros e a incidência dessa patologia acompanhou esse aumento. Assim, a aplicação de métodos de prevenção é essencial. Como a principal causa de ROP está relacionada ao uso inadequado de oxigenoterapia, englobando hiperóxia e flutuações nos níveis de saturação de oxigênio, manter o controle dessa técnica terapêutica se mostra um grande artifício contra a ocorrência da doença. Entretanto, é necessário cautela ao diminuir os níveis de saturação de oxigênio, já que essa redução pode aumentar a mortalidade dos neonatos.


CONFLITOS DE INTERESSE

Todos os autores declararam não haver conflitos de interesse.


FINANCIAMENTO DO ESTUDO

Nenhum financiamento direcionado relatado. Esta pesquisa não recebeu nenhuma bolsa específica de agências de fomento dos setores público, comercial ou sem fins lucrativos.


REFERÊNCIAS

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1. Universidade da Região de Joinville (Univille) - Acadêmicos de Medicina - Joinville - Santa Catarina - Brasil
2. Universidade da Região de Joinville (Univille) - Professora do curso de Medicina - Joinville - Santa Catarina - Brasil

Endereço para correspondência:

Ed Cleso Pereira de Souza Filho
Universidade da Região de Joinville. R. Paulo Malschitzki, Zona Industrial Norte
Joinville, SC, Brasil. CEP: 89219-710.
E-mail: ed.estude@gmail.com

Data de Submissão: 13/12/2023
Data de Aprovação: 22/04/2024