Relato de Caso
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Ano 2025 -
Volume 15 -
Número
1
Tumor edematoso de Pott: complicação rara de uma doença pediátrica comum
Pott's puffy tumor: a rare complication of a common pediatric disease
Caio Sousa Cortes; Paula Brandalise Nunes; Luana Deon Dulaba; Thayná Siqueira Lipienski; Adriano Keijiro Maeda; Rafaela Wagner
RESUMO
INTRODUÇÃO: A sinusite bacteriana aguda é uma complicação comum das infecções de vias aéreas superiores na faixa etária pediátrica em cerca de 8% dos casos. Em alguns casos, pode evoluir com complicações intra e extracranianas.
OBJETIVO: Relatar o caso de um paciente que evoluiu com uma rara complicação após quadro de sinusite bacteriana, denominada tumor edematoso de Pott.
RELATO DE CASO: Paciente masculino, 12 anos, com história de sintomas gripais e febre há 3 meses. Evoluiu com cefaleia diária com sinais de alarme e piora progressiva, associado à massa em região frontal. Realizou ressonância magnética de crânio que demonstrou formação expansiva nos planos extracranianos da região frontal mediana, que se estende até a região fronto-etmoidal erodindo a calota craniana. Levado ao centro cirúrgico e drenado secreção purulenta, com posterior crescimento de Streptococcus intermedius em cultura, diagnosticado como tumor edematoso de Pott.
CONCLUSÃO: Apesar de raro, a sinusite bacteriana pode evoluir com complicações graves que necessitam abordagem cirúrgica e terapia antimicrobiana de largo espectro.
Palavras-chave:
Osteomielite, Infecções estreptocócicas, Abscesso epidural, Sinusite.
ABSTRACT
INTRODUCTION: Acute bacterial sinusitis is a common complication of upper respiratory tract infections in the pediatric age group in about 8% of cases. In some cases, it may evolve with intra and/or extracranial complications.
OBJECTIVE: The aim of this article is to report a case of a patient who developed a rare complication after sinusitis, called Pott’s puffy tumor.
CASE REPORT: 12-year-old male patient with a history of flu-like symptoms and fever for 3 months, developed daily headache with red flag signs, associated with a mass in the frontal region. Magnetic resonance imaging revealed an expansive formation in the extracranial plan of the mid frontal region, extending to the front ethmoidal region, eroding the cranial vault. He underwent surgical drainage of purulent secretion, in which was later identified Streptococcus intermedius in culture, corroborating to the diagnosis of Pott’s puffy tumor.
CONCLUSION: Although rare, sinusitis can progress with severe complications that require surgical intervention and broad-spectrum antimicrobial therapy.
Keywords:
Osteomyelitis, Streptococcal infections, Epidural abscess, Sinusitis.
A sinusite bacteriana aguda é uma complicação comum das infecções de vias aéreas superiores na faixa etária pediátrica em cerca de 8% dos casos1,2. Apesar de a maioria dos pacientes evoluir favoravelmente ao tratamento com antibiótico, algumas crianças podem evoluir com complicações intracranianas como meningite, abscesso epidural, empiema subdural, abscesso cerebral e trombose de seio cavernoso. Uma complicação extracraniana menos comum é o abscesso subperiosteal do osso frontal com osteomielite, que recebe o nome de tumor edematoso de Pott, em referência ao neurocirurgião de mesmo nome que o descreveu pela primeira vez em 17603.
O objetivo deste artigo é apresentar um relato de caso de um paciente portador de tumor edematoso de Pott.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo masculino, 12 anos, previamente hígido, admitido em pronto atendimento de um hospital pediátrico terciário.
Há cerca de três meses iniciou com sintomas respiratórios altos associados a febre. Posteriormente, evoluiu com cefaleia diária de intensidade progressiva até apresentar “a pior cefaleia da vida” no dia anterior à consulta. Associado, a criança relatava despertares noturnos devido à dor, com náuseas e vômitos esporádicos no período. Há 2 meses, já havia passado por consulta com neurologista, que fez diagnóstico clínico de enxaqueca devido à história familiar materna positiva, porém o paciente negava foto e fonofobia. Em seguida, a criança evoluiu com formação de massa em região frontal de crânio, bem localizada, sem sinais flogísticos, de consistência amolecida (Figura 1). Ao exame físico, não se encontravam outras alterações além da massa já descrita, e o exame neurológico estava dentro da normalidade.
Nos exames laboratoriais iniciais, foi detectado linfopenia, com provas de atividades inflamatórias negativas. Foi realizada ressonância magnética (RNM) de crânio que evidenciou formação expansiva de aspecto lobulado centrada nos planos extracranianos da região frontal mediana, que se estendia até a região fronto-etmoidal erodindo a calota craniana locorregional (Figura 2). Após avaliação da equipe da neurocirurgia, optado por drenagem em centro cirúrgico, com saída de grande quantidade de secreção purulenta em região frontal, sendo elencada então a hipótese diagnóstica de tumor de Pott. Na cultura coletada do abscesso durante o intraoperatório, houve crescimento da bactéria Streptococcus intermedius e a biópsia evidenciou tecido conjuntival com edema e infiltrado histiocitário, associado a plasmócitos, neutrófilos, linfócitos e células gigantes multinucleadas.
O paciente evoluiu bem clinicamente após a drenagem, com melhora completa da dor. Recebeu antibioticoterapia com cefepime, vancomicina e metronidazol por 29 dias. Após esse período, realizou nova RNM de crânio, a qual evidenciou ausência de componente residual. Durante o internamento, também foi avaliado pela equipe da imunologia, e após a realização de exames complementares, foi constatado que paciente apresentava linfopenia e hipocomplementenemia, além de apresentar fraca resposta vacinal. Não foi possível, naquele momento, devido à gravidade da infecção, diferenciar se o quadro de imunodeficiência era primário ou secundário, sendo encaminhado para seguimento ambulatorial, com uso profilático de amoxicilina e recomendação de não aplicar vacinas de vírus vivos atenuados até segunda ordem.
DISCUSSÃO
As complicações do quadro de sinusite bacteriana aguda do seio frontal podem ser decorrentes de disseminação embólica e/ou por contiguidade. No caso relatado, o paciente não apenas evoluiu com disseminação pela fina parede anterior do seio frontal, mas também com erosão da parede posterior. A invasão da infecção em osso também resulta em osteomielite associada. Há descrição na literatura de associação de tumor edematoso de Pott com complicações intracranianas em até 85% dos casos3,4.
O paciente do caso apresenta características epidemiológicas e clínicas semelhantes à de outros casos relatados na literatura. A prevalência da doença é maior em adolescentes pelo aumento da circulação sanguínea nas veias diploicas do seio frontal nessa faixa etária, o que facilita a disseminação hematogênica. A idade média é de 11 anos e 70% dos indivíduos afetados são meninos5. Os sintomas mais comuns na admissão dos pacientes relatados são edema tenso na região frontal da face, cefaleia, febre, rinorreia e fotofobia6.
A intervenção cirúrgica, seja via externa ou endoscópica, é o principal pilar do tratamento com objetivo de drenar o abscesso e remover o osso com osteomielite, não sendo substituível por nenhum antibiótico5,7.
Em relação à etiologia, o Streptococcus intermedius é uma bactéria coco Gram-positiva, alfa-hemolítica, membra do grupo Streptococcus anginosus (SAG), que inclui também S. anginosus e S. constellatus. Por possuir enzimas hidrolíticas, é responsável pela formação de pus e liquefação de tecidos. Essas bactérias fazem parte da microbiota normal dos tratos respiratório, gastrointestinal e geniturinário. O S. intermedius, uma das bactérias mais prevalentes em abscessos cerebrais e infecções de cabeça e pescoço, é comumente identificado nos casos de tumor de Pott6. Pacientes com doença invasiva por S. intermedius evoluíram com hospitalização mais prolongada e com maiores taxas de mortalidade em relação a outras bactérias do grupo SAG8.
Uma revisão de 101 relatos de casos entre 1996 e 2019 aponta que os principais sintomas na admissão dos pacientes que posteriormente positivaram um sítio de infecção para S. intermedius foram febre intermitente e cefaleia, assim como os principais fatores de risco foram história de sinusite e de manipulação dentária. Os antibióticos mais comumente usados foram a combinação de ceftriaxona, metronidazol e vancomicina8.
Uma revisão de 95 casos de pacientes cujas culturas identificaram SAG no Children’s Texas Hospital entre 2011 e 2018 indicou uma média de idade de 11,4 anos, do sexo masculino (66%), e a bactéria mais comumente isolada foi S. intermedius (80%). Desses pacientes, 15,5% com manifestação de tumor de Pott e mais de 80% das bactérias do grupo SAG isoladas eram sensíveis à penicilina9. Apesar disso, estudos corroboram a associação de antibióticos que penetram barreira hematoencefálica desde o início do tratamento, como ceftriaxona e vancomicina, com objetivo de cobrir outros patógenos associados. As bactérias anaeróbias e Staphylococcus aureus, por exemplo, são um dos agentes mais comumente isolados em culturas polimicrobianas7,9,10. Ainda que não exista um consenso, o tempo médio de antibioticoterapia foi de 28 dias11.
Apesar de uma complicação rara, o tumor edematoso de Pott deve ser considerado em todas as crianças com quadro de aparecimento de massa em região frontal associado à história recente de sintomas respiratórios. A investigação complementar com ressonância de crânio é essencial para melhor estudo da extensão da infecção e o tratamento deve ser invasivo, com drenagem em centro cirúrgico, associado à antibioticoterapia de amplo espectro por tempo prolongado.
REFERÊNCIAS
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Hospital Infantil Pequeno Príncipe, Pediatria - Curitiba - Paraná - Brasil
Endereço para correspondência:
Caio Sousa Cortes
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E-mail: caiosousacortes@hotmail.com
Data de Submissão: 11/01/2024
Data de Aprovação: 13/03/2024