Ponto de Vista
-
Ano 2025 -
Volume 15 -
Número
1
Impacto social e importância da tuberculose na infância e adolescência
Social impact and importance of tuberculosis in childhood and adolescence
Magnólia Arango Loboguerrero
RESUMO
O controle da TB requer uma melhoria real nas condições de vida das crianças e suas famílias, a solução é responsabilidade de todos: do Estado, dos sistemas de saúde e da sociedade em geral. Este artigo discute a situação da tuberculose em crianças e adolescentes no mundo e faz reflexões sobre perspectivas de controle da doença.
Palavras-chave:
Impacto social, Tuberculose, Criança, Adolescente.
ABSTRACT
Controlling TB requires a real improvement in the living conditions of children and their families. The solution is everyone’s responsibility: the State, health systems and society in general. This article discusses the situation of tuberculosis in children and adolescents around the world and reflects on perspectives for controlling the disease.
Keywords:
Social Change, Tuberculosis, Child, Adolescent.
Em todo o mundo, cerca de 1.250.000 crianças (12% de todos os casos de tuberculose (TB) adoecem por TB; mais de 214.000 morrem por esta causa (16% de todas as mortes por TB)1 e 7.500.000 se infectam por TB2. Na Região das Américas, há 10.151 crianças notificadas com a doença de um total estimado de 16.000; há uma lacuna significativa de 5.849 crianças não detectadas. Apesar do exposto e de ser tão significativa, a TB infantil e adolescente foi esquecida e subestimada até o momento; também foi considerada secundária nos programas de saúde pública e na clínica, que priorizam adultos bacilíticos para identificar, tratar e prevenir a transmissão. Ao contrário, a TB em crianças geralmente se apresenta como uma infecção primária que não é percebida, com pequenas populações bacilares e baixo contágio.
Devido à alta vulnerabilidade como grupo populacional e à gravidade que implica crianças e adolescentes, a TB é hoje uma prioridade da OMS e da OPAS em suas políticas de controle e prevenção focadas na detecção de contatos e pacientes para diagnóstico e tratamento oportunos. É necessário um compromisso urgente com crianças e adolescentes para ajudar a corrigir essa situação.
Dadas as peculiaridades das crianças em termos de imaturidade imunológica e suas diferenças epidemiológicas, fisiopatogênicas e clínicas com os adultos, e que a passagem da infecção para a doença não é óbvia, ao contrário, é rápida e aguda, e elas podem desenvolver doença grave e disseminada. Ha dificuldades na coleta de amostras e no diagnóstico pelo laboratório. A ocorrência da TB na população infantojuvenil é muitas vezes esquecida3.
Em várias regiões do continente há subnotificação e os casos pediátricos em muitos lugares não são desagregados por idade ou por forma de doença, o que leva a números imprecisos e altamente variáveis. Por outro lado, a diminuição da consciência de risco sobre a frequência da TB, a detecção insuficiente de sintomas respiratórios e de pessoas infectadas e doentes, o tratamento incompleto ou inadequado e o controle e adesão deficientes também contribuem para o aumento da exposição ao bacilo e para a falha em cortar adequadamente a cadeia de transmissão da doença. Além disso, em muitos países latino-americanos existem milhares de crianças que não existem “oficialmente” para o Estado, porque nunca foram registradas como cidadãs por viverem em áreas remotas, de difícil acesso ou por outros motivos. Portanto, não estão cobertas por nenhum sistema ou atividade social ou de saúde. Não aparecem em nenhum programa de saúde e não são consideradas para ações de saneamento, educação ou prevenção4,5.
Embora seja verdade que avanços no diagnóstico, tratamento e implementação de intervenções têm favorecido o controle global da TB e que a doença é evitável, controlável, tratável e curável e, apesar dos tratamentos baratos e eficazes, a TB ainda causa milhões de casos de doença ativa e mortes. Afeta desproporcionalmente os mais pobres e vulneráveis em países de baixa renda e até mesmo em países altamente desenvoltos, os marginalizados e carentes6. Por outro lado, a pandemia de COVID-19 deteriorou os programas assistenciais, o número de casos detectados, a morbimortalidade por TB e causou atraso significativo em relação aos avanços das últimas décadas. O diagnóstico e o tratamento da TB reduziram a imunização de rotina, incluindo BCG, e, devido ao confinamento, houve aumento da transmissão da TB dentro das famílias, com aumento muito possível de casos pediátricos associados à exposição em casa, especialmente em países com menos recursos.
O ressurgimento global da TB teve impacto direto nas crianças devido à deterioração socioeconômica e, portanto, das condições de vida, baixa renda, dietas inadequadas, superlotação. O aumento da migração e do deslocamento resultantes de conflitos nacionais complexos, coinfecção TB/HIV, aumento da resistência, a crescente presença de imunossupressão e doenças subjacentes aumentou a população vulnerável. Sem dúvida, à semelhança dos adultos, as crianças estão sendo gravemente afetadas; nelas a TB é um reflexo da prevalência em adultos e um evento sentinela que indica transmissão recente e progressiva da doença. Metade das crianças expostas é infectada, com risco aumentado de progressão para TB grave (25%) em menores de 5 anos de idade, especialmente menores de 2 anos de idade, assim como nos casos de coinfecção TB-HIV e desnutrição. A infecção recente é um risco substancial de adoecer. Logo, a busca de crianças expostas deve ser priorizada para descobrir se estão infectadas ou doentes e tomar as medidas cabíveis. O risco cumulativo de TB em dois anos de crianças infectadas por TB é de 20%7.
A TB influencia todos os aspectos da qualidade de vida que, ao se deteriorar, apresenta desafios que devem ser enfrentados, superando a visão exclusivamente bióloga/organicista, olhando além da abordagem clínica e microbiológica. As dimensões socioculturais e psicológicas que impactam os afetados devem ser consideradas. Há alguns avanços neste campo, mas ainda não há dados consistentes em pediatria8.
Igualmente subestimada, mas de crescente frequência e morbidade e mortalidade, é a TB materna, uma vez que a forma genital, além da infertilidade, pode causar TB congênita e neonatal9. Há maior risco para gestantes com HIV positivas ou com TB não tratada (infectadas ou não pelo HIV) nas quais os problemas obstétricos e perinatais são aumentados. A mãe com TB- HIV tem risco 2,5 vezes maior de transmissão vertical do HIV. Está associada à prematuridade, baixo peso ao nascer, baixo peso para a idade gestacional e morte materna perinatal. Em recém-nascidos, a TB pode apresentar sintomas inespecíficos, diagnósticos tardios, tratamentos inadequados e alta mortalidade10. Se a mãe grávida tiver TB multirresistente sem tratamento, a mortalidade materna, o risco de aborto espontâneo, partos prematuros, baixo peso para a idade gestacional e a transmissão para o feto e o recém-nascido aumentam11.
Na última década, mais de dez milhões de órfãos ou ambos os pais morreram por TB no mundo. Naquela época, estimavam-se 2.900.000 casos de TB em mulheres em todo o mundo, com uma mortalidade de 410.000 por ano9. Entre o grupo de mulheres, sabe-se que a TB é detectada em menos de 60%, o que torna previsível a real situação de consequências desastrosas para a família, incluindo morte, orfandade, maior pobreza, abandono e sofrimento de crianças e adolescentes com privações de todos os tipos.
Além dos dados epidemiológicos e clínicos sobre a situação da TB na infância e adolescência, um aspecto transcendental a ser considerado é o dos determinantes sociais que explicam a existência da doença e são o resultado de uma complexa interação e equilíbrio entre as características genéticas do hospedeiro, sua imunidade e estado nutricional. Fatores socioeconómicos, culturais e ambientais em que a criança está imersa e a exposição ao Mycobacterium tuberculosis, a bactéria mais letal ao longo da história humana e cuja capacidade de infectar e deixar as pessoas doentes depende de sua virulência, inóculo e das respostas que desencadeia.
Os fatores de risco gerais que a OPAS/OMS tem considerado desde 201412 para gerar infecção e doença são: contato frequente com baciloscopia positiva, idade inferior a cinco anos, coinfecção pelo HIV, desnutrição ou pertencer a uma população em maior marginalizados, deslocados, migrantes, moradores de rua, na pobreza, na superlotação etc. Embora esses fatores tenham uma influência decisiva no aumento da vulnerabilidade das crianças, não se deve esquecer de que, em princípio, todas elas são susceptíveis à TB porque não são imunes e a capacidade de defesa é multifatorial.
As crianças não só têm a possibilidade de ser expostas a uma mãe com TB ou a outras pessoas doentes em sua casa, mas também a vários ambientes de alto risco, como creches, orfanatos, escolas e locais de confinamento para delinquentes juvenis, ou outros onde possa haver pessoas positivas para esfregaço contagioso. Em ambientes hospitalares, há risco de disseminação quando não há padrões claros de biossegurança e design inadequado dos quartos, ventilação deficiente, excesso de pacientes, longas esperas e ineficiência no atendimento. Outros fatores que favorecem a transmissão para crianças são a fragilidade de alguns sistemas de saúde; baixa adesão ao tratamento; baixa implementação de terapia preventiva para TB latente e antirretroviral (ARV); escassez de recursos; má comunicação e conhecimento do pessoal de saúde sobre a TB e, em alguns casos, pouca compreensão e respeito pelas pessoas doentes. Nas últimas duas décadas, ativistas sociais contribuíram decisivamente em muitos países para a implementação dos direitos humanos, exigindo que a prestação de serviços de saúde seja mais equitativa, independentemente de status social, econômico, étnico, religioso, cultural ou de gênero13.
Entre crianças e adolescentes em países não desenvolvidos, há uma alta porcentagem que se soma a vários determinantes e fatores de risco para se infectar ou adoecer por qualquer idade. A probabilidade de ocorrer, a frequência e a gravidade são maiores quanto mais jovem for o lactente, houver exposição elevada ou precoce à TB ou apresentarem outras condições, como desnutrição, deficiência de vitamina D, ausência de BCG ou comorbidades ou doenças debilitantes como o VIH, a insuficiência renal ou o uso de imunossupressores, entre outros14.
O aforismo frequentemente usado sobre TB como um “Doença da pobreza” expressa de forma concisa e coerente um significado que é conhecido por todos. Embora seja uma doença infectocontagiosa produzida por um bacilo patogênico, estamos cientes de que fatores socioeconômicos, culturais e ambientais definitivamente afetam a apresentação dessa entidade porque precisamente nas regiões onde há menos recursos e menos acesso aos cuidados, há um maior número de casos15. Essa situação coincide com o fato de haver pacientes que apresentam sintomas inespecíficos, que podem ser confundidos com outras doenças endêmicas (infecções virais, bacterianas ou parasitárias) com o agravante de que em alguns locais ainda não existem testes de boa sensibilidade e especificidade para o diagnóstico.
Em dados de países de alto desenvolvimento econômico, o custo do atendimento por ano para crianças com pneumonia (incluindo TB), foi calculado há algum tempo; isso seria US$ 1.000 por criança, aproximadamente US$ 16 bilhões por ano16. É muito possível que esse número se multiplique várias vezes pelo valor do orçamento de saúde de muitos de nossos países latino-americanos.
Na TB, os fatores de risco não atuam em uma única direção para ajudar a facilitar a infecção ou doença. Inversamente, a doença causa a perda de fatores de proteção e piora os fatores de risco e determinantes. Um exemplo claro é o da pessoa de recursos precários, com má nutrição e falta de saneamento básico que, quando adoece com TB, agrava componentes desencadeantes como privação econômica, desemprego, desnutrição etc. Assim se cria um círculo vicioso negativo do qual é necessário sair para alcançar melhorias. De grande importância devido à sua especial vulnerabilidade são as crianças em estado de mobilidade devido ao deslocamento, permanência em superlotação ou campos de refugiados ou migração17,18.
Como vimos, a TB prospera nas populações altamente vulneráveis e que também acumulam diversos e múltiplos fatores de risco. É o caso de crianças e adolescentes de povos indígenas. Essa realidade pode ser sentida em vários países da América Latina. Por exemplo: em Chiapas (estado do sudeste do México com alto nível de pobreza), onde 32,7% de sua população é indígena e vive em áreas rurais ou semirrurais, em condições de vida inadequadas: com moradia e alimentação inadequadas, superlotação, pouco acesso aos serviços de saúde e baixa escolaridade. A isso se somam as migrações, a perda da identidade cultural e a maior insegurança e violência, que aumentam sua exclusão, iniquidade e desigualdades. A maior frequência de casos de TB na região ocorreu em áreas com alta concentração de indígenas, em mulheres, em pessoas com baixa escolaridade e em quem trabalha na agricultura19.
Na Colômbia, dos 17.460 casos de TB de todas as formas ocorridos em 2022, havia 577 crianças menores de 15 anos afetadas por TB20, com um risco relativo de TB na população indígena de 2,8. Nos 8 anos anteriores a essa data, os percentuais de crianças indígenas acometidas pela TB variaram de 11,9% a 16,6%. Como é comum a essas populações indígenas em nosso continente, predominam a marginalização, a vida material inadequada com pobreza, a desnutrição, o pouco acesso à saúde e à educação, a vacinação insuficiente e a residência em áreas remotas ou de difícil acesso aos cuidados de saúde, como demonstra a alta proporção de tuberculose infantil em alguns departamentos da Orinoquía e da Amazônia do país.
Charles Dickens estava presente quando Charles West inaugurou o primeiro hospital infantil em Londres e, em seu apoio, disse que não entendia por que a Inglaterra demorou tanto para abrir um hospital infantil, quando um terço dos caixões fabricados eram para eles. Suas jornadas de trabalho eram de 18 horas, comiam amarrados à máquina que operavam e eram proibidos de sair. Adoeciam facilmente, especialmente com TB. Essa história mostra de forma chocante a relação entre as condições de vida e uma doença como a TB21. Para muitas regiões do mundo, essa situação de escravidão ainda na infância ainda está presente em maior ou menor grau, especialmente em países subdesenvolvidos.
Entre os pacientes que foram mais estigmatizados socialmente estão aqueles que sofrem ou sofreram de TB22. Desde os tempos antigos, as doenças eram consideradas devidas a castigos ou maldições e eram apresentadas como prova divina ou como forma de expiação por “máculas morais”, pecados. As epidemias de peste, varíola, lepra, TB, tifo, febres malignas e outras foram interpretadas como forças ou armadilhas do diabo e despertaram terror em massa, e muitas vezes foram consideradas fatais porque os tratamentos disponíveis eram paliativos ou acompanhantes de uma boa morte23. Com o passar dos anos e a influência que as condições de vida tinham sobre eles, especialmente a pobreza, começou a ser compreendida24. Muitas doenças, incluindo a TB, começaram a ser vistas como associadas “à pobreza” e essas foram algumas das razões para a discriminação e estigmatização que surgiu em relação às pessoas afetadas pela TB.
Quando a descrição da causa da hanseníase, TB, peste e outras doenças começaram a ser explicadas cientificamente, a compreensão da etiologia e da transmissibilidade não foram suficientes para quebrar o medo do contágio e a ideia de que era preciso segregar, separar esses pacientes, estava enraizada em muitas pessoas. Infelizmente, esses preconceitos e ideias empíricas ainda prevalecem em sociedades que se acreditam modernas.
A tudo o que foi dito acima se soma a existência entre os afetados, famílias, comunidades e sociedade em geral, de um grande número de mitos, falsas crenças e imaginários populares em torno da doença que revelam as difíceis circunstâncias, experiências e grande sofrimento das pessoas25, desde os tremendos preconceitos observados, até a romantização da TB em que, por exemplo, nos séculos XIX e XX se falava do grande gênio criativo durante crises febris ou “beleza de alabastro” devido à palidez que acompanha o quadro clínico da TB. De grande importância para o controle da doença é conhecer as percepções que as comunidades têm sobre ela. A exploração e o reconhecimento dos múltiplos aspectos sociais, familiares e emocionais relacionados à doença e sua percepção permitem o desenvolvimento de planos educativos e sua divulgação que contribuam para melhorar o cuidado integral e respeitoso aos acometidos26.
Se levarmos em conta o impacto da doença na infância e adolescência, não podemos continuar nos escondendo atrás desses fatos para não ter uma atitude determinada e compromisso com o problema. A infecção e a doença da tuberculose não apenas indicam a transmissão recente do bacilo, mas que as crianças infectadas ou doentes são focos da doença e serão os adultos afetados de amanhã, se não forem diagnosticados, receberão terapia preventiva ou tratamento. Por outro lado, as formas da doença em crianças podem ser muito difundidas e graves e até causar a morte e deixar sequelas irreversíveis que podem causar traumas emocionais profundos e sofrimento em crianças, adolescentes e suas famílias.
Para neutralizar esses efeitos nocivos, é fundamental incluir nos sistemas de atendimento todas as atividades voltadas para a prevenção, a melhoria dos sistemas de biossegurança, a detecção de todas as crianças e adolescentes expostos e afetados, fazendo um diagnóstico com métodos laboratoriais rápidos, administrando terapia preventiva apropriada ou tratamento com medicamentos para apresentação infantil, não injetáveis, a menos que são usados como último recurso27. Conheça também o a situação real das crianças e das suas famílias, a sua escolaridade e a sua saúde mental, combatendo a estigmatização, aplicar os princípios de confidencialidade e respeito aos direitos humanos, coordenar programas de educação e treinamento para e com o corpo clínico, voluntários e comunidade3.
Com o objetivo de reduzir a incidência e as desigualdades da TB, a Estratégia End TB da OMS tem sido a estrutura abrangente para a TB desde 2015 e enfatiza o cuidado e a prevenção da TB centrados nas pessoas, com o objetivo de atingir as metas estabelecidas para 2030. Essa mudança em relação aos paradigmas anteriores enfatiza a importância das comunidades e dos indivíduos, dos direitos humanos e de gênero e da liberdade e envolve a sociedade civil, grupos e comunidades em parceria com as autoridades nacionais de controle da tuberculose28 e tem abordagens como o ENGAGE-TB da OPAS/OMS, que busca considerar a TB não apenas como uma entidade médica, mas como um problema socioeconômico e comunitário mais amplo e enfatiza o valor da colaboração e parcerias entre ONGs, sociedade civil e programas nacionais de controle da TB de acordo com o princípio: “As pessoas têm o direito e o dever de participar individual e coletivamente do planejamento e implementação de seus cuidados de saúde.”
Em vários países latino-americanos, no século passado, foram promulgadas leis sobre educação em saúde e, em particular, sobre TB. Na Colômbia, o a Lei 20 de 1937 organizou “a campanha antituberculose”; O artigo 5º afirmava: “O ensino da profilaxia das doenças infectocontagiosas (especialmente a TB) nos estabelecimentos de ensino primário e secundário é obrigatório”29. Como muitas outras, essa lei não é cumprida. Mas faz-nos refletir sobre a necessidade de ensino transcurricular de doenças como a TB que acometem a população adulta e infantil, não só nas escolas públicas e privadas de ensino básico e secundário, mas também nas escolas médicas, onde para muitos a TB é um problema inexistente. Infelizmente foi um problema do passado, é um problema do presente e será um problema do futuro, se não assumirmos com responsabilidade o dever de lutar contra a infecção e a TB doença.
As pessoas afetadas pela TB, especialmente mulheres, crianças e adolescentes, continuam a ser discriminadas, estigmatizadas e seus direitos humanos têm sido historicamente violados, apesar de vários acordos internacionais que os estabelecem, incluindo o direito de desfrutar do mais alto padrão de saúde possível.
Esses direitos são garantidos por acordos juridicamente vinculantes para as nações signatárias, incluindo as das Américas, que se comprometeram com a Declaração dos Direitos Humanos e dos Direitos da Criança30. Também endossam os direitos e deveres das pessoas afetadas pela TB, consagrados na legislação internacional e regional como a “Declaração dos Direitos das Pessoas Afetadas pela Tuberculose”, de acordo com a Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a Luta contra a Tuberculose31. Refere-se à “promoção e proteção dos direitos humanos como um imperativo legal, ético e moral, bem como de importância crucial para a eficácia da resposta à epidemia e o alívio do sofrimento dos indivíduos e comunidades afetados”. Baseiam-se também nas orientações sobre Atenção Primária enunciadas décadas atrás na Declaração de Alma-Ata32. Alguns países têm textos educacionais práticos sobre esses Direitos e Deveres33.
Um elemento essencial e pouco levado em consideração na interação da equipe de saúde, da pessoa afetada e da família e na comunicação eficiente, é o uso da linguagem. Esta influencia o estigma, as crenças e os comportamentos, determinando se uma pessoa consegue se comunicar efetivamente com o cuidador e se sente confortável nessa interação. Aqueles de nós que cuidam de crianças e adolescentes sabem o quanto são importantes a boa comunicação e todas as modalidades de expressão verbal e gestual no ato médico. A linguagem dá estrutura ao pensamento e à comunicação, portanto seu uso respeitoso e inclusivo, sem tecnicalidades inadequadas e de acordo com o sentimento e o ser do interlocutor é essencial para poder interagir adequadamente34. Para melhorar a compreensão da TB pelos afetados, familiares e comunidade, os glossários podem ser feitos de forma simples e prática, sem uma terminologia técnica estritamente médica que esteja disponível para toda a população e ajude a fornecer informação e educação35.
O controle da TB requer uma melhoria real nas condições de vida das crianças e suas famílias, a solução é responsabilidade de todos: do Estado, dos sistemas de saúde e da sociedade em geral. Os médicos, especialmente aqueles de nós que cuidam de crianças e adolescentes, são responsáveis pelo diagnóstico e tratamento corretos, como observou o Dr. EM Lincoln décadas atrás: “São muitas as contribuições que os pediatras podem dar ao programa de controle da TB: superar a ideia de sua inexistência, conscientizar que é um problema prevalente e que onde há adultos com TB, há crianças infectadas ou doentes com TB porque nenhuma delas está imune”36.
Com convicção aderimos ao lema: “As crianças de hoje devem ter esperança de que um dia viverão em um mundo onde ninguém adoeça por TB: zero filhos com TB, para sempre.”
REFERÊNCIAS
1. World Health Organization (WHO). Roadmap towards ending TB in children and adolescents, 3rd ed. Geneva: WHO; 2023; [access in 2024 Oct 2]. Available from: https://www.who.int/publications-detail-redirect/9789240084254
2. World Health Organization (WHO). Global Tuberculosis Report 2023. Genebra: WHO; 2023; [access in 2024 Oct 2]. Available from: https://www.who.int/teams/global-tuberculosis-programme/tb-reports/global-tuberculosis-report-2023.
3. World Health Organization (WHO). WHO consolidated guidelines on tuberculosis Module 5: Management of tuberculosis in children and adolescents. Geneva: WHO; 2022; [access in 2024 Oct 2]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/97892400i46832.
4. du Preez K, Gabardo BMA, Kabra SK, Triasih R, Lestari T, Kal M, Tsogt B, Dorj G, Purev E, Nguyen TA, et al. Priority Activities in Child and Adolescent Tuberculosis to Close the Policy-Practice Gap in Low- and Middle-Income Countries. Pathogens. 2022; 11(2):196. https://doi.org/10.3390/pathogens11020196.
5. Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Desafios: Boletim da Infância e da Adolescência sobre o progresso dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. O direito à identidade: registros de nascimento na América Latina e no Caribe. Edição 13. 2011 Nov; [access in 2024 Oct 2]. Available from: https://www.cepal.org/pt-br/node/41446.
6. Zumla A, Raviglione M, Hafner R, von Reyn CF. Tuberculosis. N Engl J Med. 2013;368(8):745-55. DOI: https://doi.org.br/10.1056/NEJMra1200894.
7. Martínez L, Cords O, Horsburgh CR, Andrews JR, Pediatric TB Contact Studies Consortium. The risk of tuberculosis in children after close exposure: a systematic review and individual-participant meta-analysis. Lancet. 2020;395(10228):973-84. DOI: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30166-5.
8. Aggarwal AN. Quality of life with tuberculosis. J Clin Tuberc Other Mycobact Dis. 2019;17:100121. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jctube.2019.100121.
9. Getahun H, Sculier D, Sismanidis C, Grzemska M, Raviglione M. Prevention, diagnosis, and treatment of tuberculosis in children and mothers: evidence for action for maternal, neonatal, and child health services. J Infect Dis. 2012 May 15;205 Suppl 2:S216-27. doi: 10.1093/infdis/jis009. Epub 2012 Mar 22. PMID: 22448018.
10. Peng W, Yang J, Liu E. Analysis of 170 cases of congenital TB reported in the literature between 1946 and 2009. Pediatr Pulmonol. 2011;46:1215-24. DOI: https://doi.org/10.1002/ppul.21490.
11. Monedero I, Cesari G. Management of drug-resistant tuberculosis in special situations. In: Caminero JA. Guidelines for Clinical and Operational Management of Drug-Resistant Tuberculosis. Paris, França: International Union Against Tuberculosis and Lung Disease; 2013:147-54.
12. World Health Organization (WHO). Guidance for national tuberculosis programmes on the management of tuberculosis in children. 2nd ed. Geneva: WHO; 2014; [access in 2024 Oct 2]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/112360/9789241548748_eng.pdf;jsessionid=0905FCC2AF05E9FFB1840364330C2532?sequence=1
13. International Union Against Tuberculosis and Lung Disease (IUATLD). Silent epidemic: a call to action against child tuberculosis. 2021; [access in 2024 Oct 2]. Available from: https://theunion.org/technical-publications/Silent-Epidemic-Child-Tuberculosis.
14. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Core curriculum on tuberculosis: what the clinician should know. 7th ed. 2021; [access in 2024 Oct 2]. Available from: https://stacks.cdc.gov/view/cdc/104503.
15. Organización Panamericana de la Salud (OPS), Organización Mundial de la Salud (OMS). Avance regional en la reducción de la incidencia de tuberculosis y sus desigualdades entre países. Monitoreo regional de las metas de salud de la Agenda 2030: “Sin dejar a nadie atrás”. 2023; [aceso en 2024 Oct 2]. Disponible en: https://iris.paho.org/handle/10665.2/57751.
16. Landau L, Taussig L. Early Childhood Origins and Economic Impact of Respiratory Disease Throughout Life. In: Taussig L, Landau L. Pediatric Respiratory Medicine. 2nd ed. Philadelphia: Mosby Elsevier; 2008:1-7.
17. Betancourt EJ. Etica, equidad y derechos humanos en salud: el caso de la politica y estrategia global de eliminacion de tuberculosis. Global Tuberculosis Programme. Geneva: WHO; 2022[access in 202 oct 2]. Available from: https://gobierno.uniandes.edu.co/sites/default/files/imagenes/news/tuberculosis-y-derechos-humanos.pdf
18. Shah S, Lange C, Lönnroth K. Reflections on the State of the Art series on TB and migration, and the way forward. Int J Tuberc Lung Dis [Internet]. 2018; [cited 2024 Oct 2]; 22(8):829. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29991386/.
19. Sánchez-Pérez HJ, Gordillo-Marroquín C, Vázquez-Marcelín J, Martín-Mateo M, Gómez-Velasco A. Sociodemographic factors associated with the success or failure of anti-tuberculosis treatment in the Chiapas Highlands, Mexico, 2019–2022. PLoS ONE. 19(1):e0296924. DOI: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0296924.
20. Ministério da Saúde e Proteção Social (Col). Cruz O. Programa Nacional de Prevenção e Controle da TB. Colômbia: Ministério da Saúde e Proteção Social; 2022. [citado 2024 out 4]. Disponível em: https://www.minsalud.gov.co/sites/rid/Lists/BibliotecaDigital/RIDE/VS/PP/ET/informe-tuberculosis-2022-colombia.pdf
21. Markel H. Charles Dickens’ work to help establish Great Ormond Street Hospital, London. Lancet. 1999;354(9179):673-5. DOI: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(98)10108-3.
22. World Health Organization (WHO). Manual operacional sobre tuberculose. Módulo 6: Tuberculose e comorbidades. Condições de saúde mental. Geneva: WHO; 2023.
23. Soriano A. Crónica del Hospital de San Juan de Dios. Beneficencia de Cundinamarca. Bogotá: Italgraf; 1964.
24. Restrepo-Zea E. A individualidade da terapêutica. In: Pérez M. A arte de curar. Bogotá: Afidro; 1998:18-33.
25. Rueda V, Manco ZR, Ochoa YM, Elena B. Mitos y realidades sobre la tuberculosis en Colombia. 1. ed. Medellín: UPB; 2021. (Colección Ciencias Sociales; n. 15). Disponible en: https://repository.upb.edu.co/handle/20.500.11912/9312.
26. Muñoz Uribe JF. De la tuberculosis, la desinformación una sobredosis. Rev Univ Cientif [Internet]. 2020; [citado 2024 Oct 4]; 23(1):14-7. Disponible en: https://revistas.upb.edu.co/index.php/universitas/article/view/3367.
27. Almeida A, Adjuntsov M, Bushura W, Delgado E, Drasher M, Fernando-Pancho M, et al. Hear us! Accounts of people treated with injectables for drug-resistant TB. Public Health Action. 2021 Sep;11(3):146-54. DOI: https://doi.org/10.5588/pha.21.0031.
28. Citro B, Soltan V, Malar J, Katholo T, Smyth C, Sari AH, et al. Building the Evidence for a Rights-Based, People-Centered, Gender-Transformative Tuberculosis Response: An Analysis of the Stop TB Partnership Community, Rights, and Gender Tuberculosis Assessment. Health Hum Rights. 2021;23(2):253-67.
29. Colômbia. Ley 20, de 1937. Por la cual se organiza la campaña antituberculosa. Diario Oficial 8 mayo 1937;LXXIII(23473):2.
30. The Human Rights Imperative, In: Silent Epidemic: A call to action against child tuberculosis. THE UNION. 2019
31. Stop TB Partnership, TB People. Declaração dos Direitos das Pessoas Afetadas pela Tuberculose. Tradução Cíntia Dantas. 2019 maio.
32. Declaração de Alma Ata sobre Cuidados Primários. Cazaquistão, 6 a 12 de setembro 1978 [acesso em 2019 Dez 22]. Disponível em: http://www.paho.org/spanish/dd/pin/alma-ata_declaracion.htm.
33. Ministério da Saúde e Proteção Social (Col). Declaração dos Direitos e Deveres das Pessoas Afetadas pela Tuberculose, Anexo 6 da Resolução 227. Colômbia: MSPS; 2020.
34. Words Matter. Suggested Lenguage and Usage for Tuberculosis Communications. StopTB Partnership, UNOPS. Second Edition. 2022.
35. Arango-Loboguerrero M. Palabras de uso frecuente en tuberculosis, TB. Partners In Health, American TB Coalition, Observa TB Colombia. 2022.
36. Lincoln EM. Erradicación of Tuberculosis in Children. Archives of Environmental Health, 1961,3:444–455. Citado en: WHO, Unicef, CDC. International Union Against Tuberculosis and Lung Diseases, USAID, TAG, StopTB. 2013.
Pneumologista Pediátrica, Professora Associada da Universidade Nacional da Colômbia
Endereço para correspondência:
Magnólia Arango Loboguerrero
Universidade Nacional da Colômbia. Ave Cra 30 #45-3
Bogotá, Colômbia.
E-mail: magnoliarango@hotmail.com
Data de Submissão: 02/06/2024
Data de Aprovação: 17/09/2024