Relato de Caso
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Ano 2015 -
Volume 5 -
Número
3
Estenose subglótica adquirida em recém-nascido sem fatores de risco tratados por laringoplastia: relato de caso
Balloon laryngoplasty for acquired subglottic stenosis in newborns with no risk factors: case report
Estenosis Subglótica Adquirida en recién nacido sin factores de riesgo tratado por Laringoplastía
Germana Jardim Marquez1; Andre Rezek Rodrigues1; Mikhael Romanholo El Cheikh2; Paula Pires Souza3; Marcus Cavalcante Oliveira Araújo4; Melissa Ameloti Gomes Avelino5
RESUMO
A estenose subglótica (ESG) adquirida é um estreitamento da endolaringe e uma das causas mais comuns de estridor e desconforto respiratório em crianças. Em crianças, a subglote representa o ponto mais estreito da via aérea, o que torna essa região mais propensa a estenoses.
OBJETIVO: Relatar dois casos de estenose subglótica adquirida aguda em recém-nascidos sem fatores de riscos importantes que justificassem o desenvolvimento da mesma e que evoluíram bem após laringoplastia com balão.
CONCLUSÃO: A laringoplastia com balão deve ser considerada como primeira linha de tratamento nas estenoses subglóticas tanto agudas como crônicas, sendo que nos casos agudos o sucesso chega a 100%, evitando-se a realização de traqueostomias.
Palavras-chave:
laringoestenose, laringoplastia, dilatação, criança.
ABSTRACT
Subglottic stenosis is a narrowing of the endolarynx and one of the most common causes of stridor and respiratory distress in children. Children are most commonly affected because the endolarynx is the narrowest part of the airway at this age.
OBJECTIVE: To report two cases of acquired subglottic stenosis in newborns with no risk factors treated by balloon laryngoplasty.
CONCLUSION: Balloon laryngoplasty may be considered the first line of treatment for acquired subglottic stenosis. In acute cases, the success rate is 100%, and although the results are less promising in chronic cases, complications are not significant and the possibility of open surgery remains without prejudice.
Keywords:
laryngostenosis, laryngoplasty, dilatation, child.
RESUMEN
La estenosis subglótica (ESG) adquirida es un estrechamiento de la endolaringe y una de las causas más comunes de estridor y disnea en niños. En niños, la subglotis representa el punto más estrecho de la vía aérea, lo cual convierte dicha región más propensa a estenosis.
OBJETIVOS: Describir dos casos de estenosis subglótica adquirida aguda en recién nacidos sin factores de riesgos importantes que justifiquen el desarrollo de la misma y que evolucionaron mucho después de laringoplastía con balón.
CONCLUSIÓN: La laringoplastía con balón debe ser considerada como primera línea de tratamiento en las estenosis subglóticas tanto agudas como crónicas, debido a que en los casos agudos el éxito llega al 100%, evitándo la realización de traqueotomías.
Palabras-clave:
laringoestenosis, laringoplastía, dilatación, niño.
INTRODUÇÃO
A estenose subglótica (ESG) adquirida é um estreitamento da endolaringe e uma das causas mais comuns de estridor e desconforto respiratório em crianças. Podem ser congênitas ou adquiridas (90%), sendo estas, em geral, secundárias à intubação traqueal prolongada. Sua incidência vem apresentando um aumento nos últimos anos devido à melhora da assistência em unidades de terapia intensiva (UTI) neonatais e pediátricas1. Estima-se que uma em cada três crianças admitidas em UTI pediátricas necessite de suporte ventilatório por tempo médio de cinco dias2. Diferentemente dos adultos, a traqueostomia em crianças não tem indicações bem definidas, levando a um aumento do tempo de intubação orotraqueal. Em crianças, até os 8 anos, a subglote representa o ponto mais estreito da via aérea, o que torna essa região mais propensa a estenoses1.
Em relação às estenoses laríngeas congênitas, ocorre uma inadequada recanalização do lúmen laríngeo após a fusão epitelial ao final da décima semana. Podem ser divididas em três formas de apresentação: atresia congênita, membranas laríngeas e estenose subglótica congênita. Esta última é definida como um diâmetro subglótico inferior a 4 mm no recém-nascido a termo e constitui-se a terceira causa mais frequente de anomalias congênitas da laringe3.
Em relação às estenoses subglóticas, a classificação mais utilizada na literatura é a de Myer-Cotton, que classifica as estenoses em quatro graus, de acordo com a redução da luz laríngea comparada com a luz considerada adequada para o pacientes. O grau I corresponde à laringe sem obstrução ou até 50%, grau II de 51% a 70%, grau III de 71% a 99% e, por último, o grau IV não apresenta lúmen detectável2.
O tratamento endoscópico da estenose subglótica pode ser usado tanto para estenoses agudas quanto crônicas4. Contudo, seus melhores resultados são observados em estenoses agudas, com taxas de sucesso de 100% em alguns estudos4,5, além de representar uma alternativa à traqueostomia, que apresenta um maior número de complicações, além dos fatores psicológicos e sociais envolvidos, como, por exemplo, maior angústia para a criança e seus familiares. Nas estenoses crônicas, a cirurgia aberta para reconstrução laríngea também apresenta ótimos resultados, sendo necessária uma equipe experiente para garantir os cuidados dessas crianças3.
OBJETIVO
Relatar dois casos de estenose subglótica adquirida aguda em recém-nascidos sem fatores de riscos importantes que justificassem o desenvolvimento da mesma e que evoluíram bem após laringoplastia com balão.
CASO 1
Recém-nascida com 20 dias de vida, nascida de parto cesáreo, 2970 g, APGAR 7/9, 36 semanas, transferida para UTI Neonatal por insuficiência respiratória precoce. Foi colocada em CPAP nasal. Evoluiu com piora no segundo dia. Foi intubada (cânula orotraqueal 3,5) e colocada em ventilação mecânica. Foi extubada com 48 horas. Apresentou falha de extubação por desconforto respiratório alto, sendo visualizada secreção purulenta, espessa, em via aérea e iniciado antibiótico. Foi reintubada (cânula orotraqueal 3,0) e extubada após 36 horas. Manteve desconforto respiratório com retração costal, choro fraco e estridor leve. Foi submetida à endoscopia respiratória, sob anestesia geral e laringotraqueoscopia rígida com ótica de 0 grau e 2,7 mm. Visualizada ESG dupla grau III de Myer-Cotton (Figura 1). Optou-se por laringoplastia com balão (balão vascular 7 mm), sendo a via aérea restabelecida após 3 dilatações. Reencaminhada para UTI já com melhora imediata do padrão respiratório.
Figura 1. Visão endoscópica de estenose subglótica grau III de Myer-Cotton pré-dilatação.
CASO 2
Recém-nascida com 1 mês e 8 dias, nascida de parto cesáreo, 2900 g, APGAR 8/9, 38 semanas, transferida para UTI Neonatal por insuficiência respiratória precoce e sepse. Fez uso de ventilação mecânica por 5 dias. Evoluiu com falhas de extubação e reintubações repetidas. Chegou ao nosso serviço com insuficiência respiratória grave e foi entubada com cânula orotraqueal 2,5, sem possibilidade de uso de cânula orotraqueal 3,0. No dia seguinte, foi submetida à endoscopia respiratória, sob anestesia geral e laringotraqueoscopia rígida com ótica de 0 grau e 2,7 mm. Visualizada ESG grau III de Myer-Cotton. Optou-se por laringoplastia com balão (balão vascular 7 mm), sendo a via aérea restabelecida após 2 dilatações (Figura 2). Reencaminhada para UTI já com melhora imediata do padrão respiratório. Após 3 semanas, com a criança já em casa, apresentou quadro de insuficiência respiratória e foi novamente internada, quando foi realizada nova dilatação. A criança permanece assintomática desde então.
Figura 2. Visão endoscópica da laringoplastia com balão.
DISCUSSÃO
Acredita-se que as lesões secundárias à intubação orotraqueal prolongada estejam associadas ao contato do tubo endotraqueal com a mucosa da via aérea, atuando como corpo estranho, favorecendo a ocorrências de diversas lesões do trato respiratório2.
A estenose é, sem dúvidas, a lesão mais grave, podendo ocorrer em qualquer nível do trato respiratório. A região subglótica é a região mais susceptível a essa lesão, ocorrendo de forma isolada ou associada a lesões de outras regiões, como a glote posterior. O acometimento preferencial da região subglótica ocorre por ser o ponto funcionalmente mais estreito da via aérea das crianças e por ser circundada por cartilagem em seus 360º.
Os achados histopatológicos mais associados à formação de estenoses são ulcerações profundas da mucosa e tecido de granulação. As ulcerações da mucosa associadas a edema e pontos hemorrágicos foram encontradas em 74 a 100% dos pacientes, independentemente do tempo de intubação6. Estudos histopatológicos evidenciaram que o processo se inicia por ulcerações superficiais que progridem lesando a membrana basal, ocorrendo, em sequência, isquemia e necrose por pressão do tubo. Quando as ulcerações tornam-se mais profundas, favorecem a infecção local, com formação de tecido de granulação, proliferação de fibroblastos com depósito local de colágeno e, por fim, a formação do tecido cicatricial.
Entre os fatores de risco para desenvolvimento da estenose subglótica, estão o tempo de intubação prolongado, diâmetro inadequado do tubo utilizado, múltiplas intubações, presença de balonete no tubo endotraqueal, maior duração de ventilação mecânica, menor idade e doenças pré-existentes na via aérea. Além disso, a ocorrência de pequenos traumas durante a passagem da cânula favorece o surgimento de estenoses2.
Em ambos os casos descritos, foram acompanhados recém-nascidos com curto período de intubação orotraqueal, sem doenças prévias de vias aéreas, história de trauma durante o procedimento e outros fatores de risco importante. Além disso, devido ao achado endoscópico e início do estridor logo após extubação, foi excluída a hipótese de estenose subglótica congênita.
CONCLUSÃO
Analisando destes dois casos, observamos que não houve fatores de risco importantes para estenose subglótica, o que sugere que, além dos fatores tradicionais (tamanho da cânula e tempo prolongado de IOT), provavelmente devem existir fatores individuais que predispõem a essa patologia. Entretanto, a laringoplastia com balão deve ser considerada como primeira linha de tratamento nas estenoses subglóticas tanto agudas como crônicas, sendo que nos casos agudos o sucesso chega a 100%, evitando-se a realização de traqueostomias.
REFERÊNCIAS
1. Maunsell R, Avelino MA. Balloon laryngoplasty for acquired subglottic stenosis in children: predictive factors for success. Braz J Otorhinolaryngol. 2014;80(5):409-15. PMID: 25303816 DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.07.012
2. Enéas LV. Acurácia do estridor para o diagnóstico de estenose subglótica por intubação em pacientes pediátricos [Trabalho de Conclusão de Curso]. Universidade Federal do Rio Grande do Sul Faculdade de Medicina. Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente; 2013.
3. Ximenes Filho JA. Nakanishi M. Montovani JC. Pediatric Laryngeal Stenosis. Int Arch Otorhinolaryngol. 2002;6(1):56-60.
4. Avelino MG, Fernandes EJ. Balloon laryngoplasty for subglottic stenosis caused by orotracheal intubation at a tertiary care pediatric hospital. Int Arch Otorhinolaryngol. 2014;18(1):39-42. DOI: http://dx.doi.org/10.1055/s-0033-1358577
5. Avelino M, Maunsell R, Jubé Wastowski I. Predicting outcomes of balloon laryngoplasty in children with subglottic stenosis. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2015;79(4):532-6. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.ijporl.2015.01.022
6. Joshi VV, Mandavia SG, Stern L, Wiglesworth FW. Acute lesions induced by endotracheal intubation. Occurrence in the upper respiratory tract of newborn infants with respiratory distress syndrome. Am J Dis Child. 1972;124(5):646-9. PMID: 5085478 DOI: http://dx.doi.org/10.1001/archpedi.1972.02110170024003
1. Graduado em Medicina pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás
2. Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Goiás - Residente (R3) em Otorrinolaringologia no Hospital das Clínicas da Universidade Católica de Goiás
3. Neonatologista da UTI neonatal do Hospital da Criança, Goiânia, GO, Brasil
4. Anestesista - Mestrando da Universidade Católica de Goiás
5. Otorrinolaringologista Pediátrica - Professora adjunta da Universidade Federal de Goiás e Pontifícia Universidade Católica de Goiás
Endereço para correspondência:
Germana Jardim Marquez
Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Brasil. Hospital da Criança, Goiânia, GO, Brasil
Rua C 262, nº 55
Goiânia, Goiás. Brasil. CEP: 74280250