ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Ponto de Vista - Ano 2016 - Volume 6 - Número 2

Vírus Zika: Uma ameaça potencial e inesperada à saúde e ao desenvolvimento da criança

Zika virus: A threat potential and unexpected health and development of children
Virus Zika: Una amenaza potencial e inesperada a la salud y al desarrollo del niño


Em novembro de 2015, o Ministério da Saúde anunciou um surpreendente aumento no número de registros de crianças recém-nascidas com microcefalia no país1. Em paralelo a este fato, no início do mesmo ano, observou-se uma incidência aumentada além do comum de manifestações clínicas relacionadas ao vírus Zika no Nordeste, onde a maior concentração de casos de microcefalia primária havia sido notada inicialmente nos estados da Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte1.

No segundo semestre de 2015 houve muitos relatos de gestantes, que posteriormente, ao longo daquele ano, deram à luz a recém-nascidos microcéfalos, em alguns casos associados a malformações graves do desenvolvimento cortical encefálico e à artrogripose2. Estas gestantes apresentaram em dado momento da gestação, sobretudo nos primeiros meses do período, as manifestações clínicas da infecção pelo vírus Zika, tais como febre, conjuntivite seca, atralgias, astenia e, com frequência, um rash maculopapular, pruriginoso, difuso1,3. Além disso, casos da síndrome de Guillain-Barré, muitos dos quais com formas de apresentação atípicas, foram relatados em pessoas que contraíram a infecção pelo vírus Zika4.

A partir dessas observações, começava uma busca no meio científico para tentar estabelecer uma relação causa-efeito entre a infecção materna pelo vírus Zika e a síndrome neurológica congênita a ele relacionada5.

O ZIKV, como também é chamado, foi originalmente descoberto em 1947 no vale Zika, em Uganda3. Trata-se de um arbovírus (arthropod-borne), transmitido principalmente pela picada do mosquito Aedes spp, que pertence ao gênero Flavivirus, da qual Dengue, Febre Amarela, vírus do Nilo do Oeste também fazem parte. Juntamente com os demais gêneros, Pestivirus e Hepacivirus, os três gêneros compõem a família Flaviviridae3.

A correlação entre a infecção pelo ZIKV, principalmente durante o primeiro semestre da gestação, com a microcefalia parece, de fato, existir6. Entretanto, até o momento não está claro porque somente cerca de 9 a 11% de todos os casos até agora notificados e comprovados de microcefalia primária terem sido relacionados laboratorialmente ao vírus. Segundo boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, até o dia 19 de março de 2016, desde o início das investigações, foram notificados 6.671 casos suspeitos de microcefalia, dos quais 907 foram confirmados, 1.471 já foram descartados, e 122 tiveram resultado laboratorial positivo para o ZIKV7.

É provável que existam outros fatores acarretando esse aumento exponencial dos casos de microcefalia no país. Outras infecções congênitas como, por exemplo, as do grupo TORCH, também podem estar associadas. Outra possível explicação para esse fato pode estar relacionada com a aferição e controle do registro compulsório das crianças que nascem com perímetro cefálico (PC) abaixo de 31,9 cm para neonatos do gênero masculino e 31,5 cm para os do feminino (seguindo orientação da Organização Mundial da Saúde). Além disso, as duas mudanças no nível de corte do PC realizadas pelo Ministério da Saúde desde o ano passado e mecanismos epigenéticos podem estar contribuindo para o aumento dos casos de microcefalia a serem investigados8,9.

Em relação à microcefalia e o vírus Zika, é importante enfatizar o que já é de conhecimento corrente na prática pediátrica: a microcefalia, acompanhada ou não de outras malformações do sistema nervoso central, não representa per se um transtorno do desenvolvimento ou uma doença neurológica10. Independentemente de sua etiologia, microcefalia é um sinal clínico e neurológico, que indubitavelmente traduz que aquele neonato merece ser investigado com propedêutica complementar por meio de exames de neuroimagem, neurofisiológicos e genéticos, e, de forma mandatória, deve ser monitorado quanto ao seu desenvolvimento neuropsicomotor desde o momento do diagnóstico.

Durante o processo de monitoramento do desenvolvimento desse lactente, à medida que forem observados, por meio das avaliações pediátricas periódicas de rotina, atrasos, desvios e transtornos dos marcos do desenvolvimento, o pediatra terá um papel fundamental em orientar os pais e a família a respeito das dificuldades da criança, além de encaminhá-la para o especialista na área de desenvolvimento ou neurologia infantil para uma avaliação mais ampla.

Em todos os casos nos quais existe atraso no desenvolvimento quanto mais precoce, melhor a resposta aos estímulos que devem acontecer em todas as dimensões, pelos profissionais da saúde que trabalham em equipes multiprofissionais nos centros de estimulação precoce do desenvolvimento infantil, pelos pais, da família, e cuidadoras de creche e maternal.

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) tem tido um papel fundamental na ajuda ao Ministério da Saúde e à população, no que concerne ao auxílio à formulação de medidas que surtam impacto no controle da proliferação do vetor, nas orientações aos pais e cuidadores quanto à prevenção da picada do inseto por meio dos produtos de barreira (repelentes e telas), nas diretrizes técnico-científicas9 relacionadas ao diagnóstico precoce e preciso dos transtornos do desenvolvimento acarretados como consequência comum, porém não obrigatória, à microcefalia, bem como no que diz respeito às recomendações quanto às opções de tratamento multidisciplinar para a melhor orientação possível aos pais e familiares.


REFERÊNCIAS

1. Campos GS, Bandeira AC, Sardi SI. Zika Virus Outbreak, Bahia, Brazil. Emerg Infect Dis. 2015;21(10):1885-6. DOI: http://dx.doi.org/10.3201/eid2110.150847

2. Schuler-Faccini L, Ribeiro EM, Feitosa IM, Horovitz DD, Cavalcanti DP, Pessoa A, et al.; Brazilian Medical Genetics Society-Zika Embryopathy Task Force. Possible Association Between Zika Virus Infection and Microcephaly - Brazil, 2015. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2016;65(3):59-62. DOI: http://dx.doi.org/10.15585/mmwr.mm6503e2

3. Dick GWA, Kitchen SF, Haddow AJ. Zika virus. I. Isolations and serological specificity. Trans R Soc Trop Med Hyg. 1952;46(5):509-20.

4. States EEAM, States EUM, Countries EUO, Regions EUO. Rapid Risk Assessment. Zika virus disease epidemic: potential association with microcephaly and Guillain-Barré syndrome (1 st update). Main conclusions. 21 January 2016. European Centre For Disease Prevention and Control; 2016 [Internet]. [Cited 2016 Jul 10]. Available from: http://ecdc.europa.eu/en/publications/Publications/rapid-risk-assessment-zika-virus-first-update-jan-2016.pdf

5. Tetro JA. Zika and microcephaly: causation, correlation, or coincidence? Microbes Infect. 2016;18(3):167-8.

6. Mlakar J, Korva M, Tul N, Popović M, Poljšak-Prijatelj M, Mraz J, et al. Zika Virus Associated with Microcephaly. N Engl J Med. 2016;374(10):951-8. PMID: 26862926

7. Brasil. Ministério da Saúde. Portal Combate ao Aedes. Prevenção e controle: dengue, chikungunya e zika [Acesso 2016 mar 23]. Disponível em: http://www.combateaedes.saude.gov.br/noticias/454-ministerio-da-saude-investiga-4-293-casos-de-microcefalia-no-pais

8. Portal Saúde. Orientações gerais, prevenção e combate: dengue, chikungunya e zika [Acesso 2016 mar 23]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agenciasaude/22554-saude-investiga-4-231-casos-de-microcefalia

9. Brasil. Ministério da Saúde. Protocolo de atenção à saúde e resposta à ocorrência de microcefalia relacionada à infecção pelo vírus Zika. Version 2.0. 2016;5-41 [internet] [Acesso2016 Jul 10]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2016/janeiro/27/Protocolo-SAS-vers-o-2.0

10. von der Hagen M, Pivarcsi M, Liebe J, von Bernuth H, Didonato N, Hennermann JB, et al. PMID: 24617602 Diagnostic approach to microcephaly in childhood: a two-center study and review of the literature. Dev Med Child Neurol. 2014;56(8):732-41. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/dmcn.12425










1. Pediatra do Desenvolvimento e Comportamento, Doutorando em Neurologia pela Universidade Federal Fluminense
2. Professor Associado da UFCSPA Pediatra do Desenvolvimento e Comportamento Presidente do Depto de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)

Endereço para correspondência:
Ricardo Halpern
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