ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo de Revisao - Ano 2016 - Volume 6 - Supl.1

Como dar notícias difíceis

Communicating difficult news

RESUMO

Na nossa prática clínica diária precisamos estar preparados para o momento de darmos as notícias ruins de uma forma que o paciente e/ou seus familiares sintam-se respeitados, acolhidos e compreendam que, realmente, estamos, de alguma forma, vivenciando aquele momento com eles.

Palavras-chave: comunicação, relações médico-paciente.

ABSTRACT

In our daily practice we must be prepared for the moment to give the bad news in a way that the patient and / or their families feel respected , welcomed and understand that , really , they are somehow experiencing that moment with them.

Keywords: Communication. Physician-Patient Relations.


"A única coisa tão inevitável quanto a morte é a vida"
Charles Chaplin
Uma das situações mais difíceis no atuar médico é, sem dúvida, quando precisamos dar uma má notícia. Pode ser uma notícia da morte de um ente querido, um diagnóstico de doença grave ou um prognóstico sombrio. Parece-me claro que não somos preparados para enfrentar a derrota e vemos a morte assim, embora a morte, assim como o nascimento, sejam as únicas certezas que temos na vida.

Mas, pessoas adoecem, sofrem mutilações e, principalmente, morrem.

Na nossa prática clínica diária precisamos estar preparados para o momento de darmos as notícias ruins, de uma forma que o paciente e/ou seus familiares sintamse respeitados, acolhidos e compreendam que, realmente, estamos, de alguma forma, vivenciando aquele momento com eles.

A má notícia é "qualquer informação que envolva uma mudança drástica na perspectiva de futuro, em um sentido negativo".

Temos que compreender que, dependendo das circunstâncias, uma situação que poderia ser uma ótima notícia para muitos, é uma má notícia para aquela quem você precisa informar. Podemos dar o exemplo de ter que dar a notícia de gravidez para uma vítima de estupro. O contrário também pode ocorrer, a notícia da morte de um paciente em estado terminal de uma doença incurável, passando por enorme sofrimento, poderá ser uma situação de, senão felicidade, pelo menos de alívio para os familiares.

A má notícia em Medicina engloba geralmente uma destas situações: doença grave; doença crônica; doença incurável; doença terminal; morte.

As Escolas Médicas em nosso país não nos preparam para enfrentar as situações de morte e sofrimento. Precisaríamos mudar essa realidade.

Em um levantamento feito nos Estados Unidos com coordenadores de residências médicas em oncologia, vemos que em 63% dos programas há alguma forma de treinamento em comunicação de más notícias e, em 23% deles, o período de treinamento é considerado de moderado a extenso por seu coordenador.

Para ser o portador má notícia, como em quase tudo na vida, é preciso muito treino. Algumas medidas podem nos ajudar: avalie se você é a melhor pessoa para dar a notícia, ensaie o que vai dizer e é fundamental uma boa relação médico x paciente.

Quando vamos dar a má notícia, precisamos procurar minorar o sofrimento de nosso interlocutor, agindo no momento mais adequado; com disponibilidade de tempo; avaliando o estado emocional e psicológico do interlocutor; preparando-o para a notícia; usando linguagem clara e simples; mostrando tristeza, sem mostrar "culpa"; não minimizando o problema; dando, apenas, uma esperança realista; garantindo que haverá continuidade dos cuidados paliativos; repetindo as explicações, sempre que necessário; assegurando o necessário suporte emocional.

Podemos nos basear no protocolo SPIKES: Setting up (preparar o encontro)/Perception (perceber o paciente)/Invitation (convidar à conversa)/Knowledge (transmitir as informações)/Emotions (emoções)/Strategy e Summary (estratégia e resumir).

Devemos ter em mente que a autonomia do paciente, mesmo crianças e adolescentes, só não prevalece se e quando houver incapacidade em decidir por sua própria conta. A capacidade da criança e a do adolescente é variada e subjetiva e, dentro de limites, deve ser respeitada ou, pelo menos, levada em consideração.

O Código de Ética Médica, em seu capítulo V, que trata da relação com médicos e familiares, diz em seu artigo 34 que é vedado ao médico "Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal".

O mesmo Código, ainda em seu capítulo V, que trata da relação com médicos e familiares, diz em seu artigo 41 que é vedado ao médico "Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal".

Quando lidamos com um paciente pediátrico grave, devemos buscar manter uma relação próxima com a família, facilitando a sua permanência próxima a ele e procurando mantê-la sempre informada, de forma clara, objetiva e verdadeira, sem oferecer falsas. Muito importante, também, é estar sempre disponível, quando não pessoalmente, mantendo, pelo menos, um canal de comunicação.

O médico, como o ser humano em geral, tem dificuldade em enfrentar e aceitar a morte. Não somos treinados para isso quer como indivíduos, quer como profissionais. Vinicius de Moraes sintetiza, com brilho, essa dificuldade em sua música "Sei lá (A vida tem sempre razão)", quando diz que: "como é, por exemplo/que dá para entender/a gente mal nasce/e começa a morrer".

Temos que entender que a morte não é o oposto da vida, a morte é o oposto do nascimento. Ambos fazem parte da vida, o nascimento como o início e a morte como o fim.

As dificuldades no momento de dar a má notícia são muitas: medo da própria morte; medo de causar dor e sofrimento; medo de sentirmos ou sermos acusados de culpa; sensação de derrota. Mas precisamos nos preparamos para esse momento. Como bem disse o Dr. Daniel Callahan "Não deveria a morte ser integrada nos objetivos da Medicina, como ponto final dos cuidados médicos, e não ser considerada como uma falha da atuação médica?".

Na hora de dar a má notícia devemos ser empáticos, explicar, quantas vezes forem necessárias, de forma a mais clara e verdadeira possível; estar preparados para eventuais descontroles. E, principalmente, respeitar a dor e o sofrimento alheios.

Se treinarmos e nos prepararmos, estaremos prontos para dar a má notícia, de maneira a ajudar as pessoas a passarem, da melhor maneira possível, pelo seu momento de dor. E isso é uma coisa tão importante quanto a capacitação técnica que tivermos a oferecer.


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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4. Callahan D. The Troubled Dream of Life: Living with Mortality. New York: Simon & Schuster; 1993.

5. Brasil. Conselho Federal de Medicina. Código de Ética Médica [Internet]. Brasília: Conselho Federal de Medicina [citado 5 Jul 2016]. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/novocodigo/integra.asp










Professor Adjunto da Universidade Iguaçu: Disciplina de Saúde da Criança e do Adolescente I, II e III e responsável pela Disciplina de Bioética e Ética Médica. Nova Iguaçu. RJ

Endereço para correspondência:
Carlindo de Souza Machado e Silva Filho
E-mail: carlindo@cremerj.org.br