ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



TOP: Tópicos Obrigatórios em Pediatria - Ano 2011 - Volume 1 - Número 2

MRSA de origem comunitária

MRSA de origem comunitária


Organização: Juliènne Martins Araújo1; Marcia Galdino2; Sandra Mara Amaral3


Manual em foco: Clinical Practice Guidelines by the InfectiousDiseases Society of America for the Treatment of Methicillin-Resistant Staphylococcus aureus Infections in Adults and Children.

http://cid.oxfordjournals.org/content/early/2011/01/04/cid.ciq146.full.pdf+html

O Staphylococcus aureus é um microrganismo ubíquo, capaz de sobreviver e multiplicar-se em ampla variedade de ambientes, que dispõe de um conjunto de mecanismos de virulência e grande variedade de fatores patogênicos, conferindolhe papel relevante como patógeno humano.

Os seres humanos são reservatórios naturais do Staphylococcus aureus, que normalmente habitam a pele e as membranas mucosas do hospedeiro. Também é patógeno oportunista responsável por grande variedade de infecções, desde mínimas infecções cutâneas até graves doenças invasivas.

O Staphylococcus aureus é um patógeno com capacidade de modificar-se à terapia antimicrobiana, caracterizando importante tendência para resistência antibiótica deste microrganismo.

As primeiras cepas de Staphylococcus aureus resistentes foram identificadas pouco tempo após a introdução da penicilina, na década de 1940 (cepas produtoras de penicilinase). Seis anos depois, 25% das cepas isoladas em infecções hospitalares já eram resistentes à penicilina. No início da década de 1960, prevalências altas entre 85% a 90% foram relatadas em diversos hospitais2,3. A mesma progressão da resistência à penicilina foi observadanas infecções estafilocócicas comunitárias.

Em 1961, foi relatada a identificação das primeiras cepas de Staphylococcus aureus resistentes à recém-sintetizada penicilina beta-lactamase estável, precursora do grupo da meticilina e oxacilina. A partir de então, ocorreu aumento mundial dessas cepas resistentes, conhecidas como MRSA.

O mecanismo molecular de resistência à oxacilina/meticilina tem sido exaustivamente estudado. Esse elemento genético é denominado SSCmec (Staphylococcal cassette-chromosome mec), que se distingue por conter o gene mecA e seus reguladores. O gene cromossômico mecA codifica uma proteína ligadora de penicilina adicional, PBP2a, situada na superfície externada membrana citoplasmática, e que possui baixa afinidade aos antibióticos β-lactâmicos. A resistência à oxacilina/meticilina, conferida pelo gene mecA, resulta em resistência cruzada a todos os antibióticos β-lactâmicos, incluindo penicilinas, cefalosporinas e carbapenêmicos.

A cepa resistente a oxacilina/meticilina disseminou-se como um agente de infecção nosocomial. A ocorrência de MRSA adquirido na comunidade era raramente identificada.

Em 1981, o CDC descreveu 98 usuários de drogas injetáveis com infecções por MRSA adquirido na comunidade, que tinham em comum a auto-administração de cefalosporina profilática, antes do uso da droga3. Outras séries de casos foram publicadas posteriormente na década de 1990, geralmente envolvendo indivíduos com fatores de risco reconhecidos para a colonização.

Desde então, o MRSA adquirido na comunidade tem sido reconhecido como patógeno importante responsável por infecções comunitárias, incluindo os pacientes pediátricos e cuja incidência tem aumentado no mundo todo.

A emergência desta nova cepa resultou no surgimento de novas terminologias para a classificação do Staphylococcus aureus resistente à meticilina/oxacilina. O MRSA pode ser dividido em duas categorias: o MRSA de origem hospitalar (HAMRSA) e o MRSA de origem comunitária (CA-MRSA). A primeira refere-se ao MRSA encontrado em pacientes com história de internação ou assistência médica recente. A segunda referese ao MRSA de pacientes sem história recente de internação, cirurgias ou outras assistências médicas no último ano e sem história de colonização ou infecção recente por MRSA.

As infecções de pele e partes moles constituem a maioria dos casos das infecções relacionadas ao CA-MRSA. Celulite, abscessos e foliculites são as infecções predominantes. As infecções cutâneas recorrentes são frequentes nas crianças.

Recentemente, CA-MRSA tem sido relacionado a infecções graves como fasciíte necrotizante, piomiosite, tromboflebite séptica, pneumonia necrotizante, artrite séptica, osteomielite, abscessos pélvicos, síndrome de Waterhouse- Friderichsen e púrpura fulminante com síndrome do choque tóxico.

Dentre as infecções invasivas, as doenças músculo esqueléticas são as mais comuns. A osteomileite e a piomiosite por CA-MRSA caracterizam-se pelo acometimento de múltiplos sítios.

A pneumonia com empiema tem sido descrita mais frequentemente nas crianças, e tem sido associada à pneumonia necrotizante, que tem alta mortalidade.

O isolamento do MRSA nas espécimes clínicas confirma o diagnóstico etiológico e a coleta de secreções purulentas deve ser estimulada sempre. O laboratório de microbiologia deve ser capaz de identificar o microrganismo e realizar o teste de susceptibilidade aos antimicrobianos. Nas cepas de origem comunitária observa-se sensibilidade a antimicrobianos que não é identificada nas cepas de origem hospitalar como clindamicina e sulfametoxazol-trimetoprima. Entretanto, é difícil fazer a distinção das cepas hospitalares das comunitárias, exceto através da realização da identificação do genoma bacteriano.

O tratamento das infecções de pele e partes moles pode ser feito com a drenagem dos abscessos sem o uso de antibióticos, exceto em situações especiais tais como doença extensa, progressão rápida da lesão, sinais e sintomas de doença sistêmica, comorbidades associadas, extremos de idade e área de difícil drenagem. Nestes casos, a antibioticoterapia recomendada é sulfametoxazol-trimetoprim ou clindamicina.

Nos casos de infecções graves, a droga de escolha é a vancomicina. A terapia empírica das infecções estafilocócicas graves deve incluir oxacilina e vancomicina até o resultado do antibiograma, uma vez que a oxacilina é mais bactericida do que a vancomicina nos casos de cepas sensíveis a β-lactâmicos. A clindamicina também é uma alternativa no tratamento das infecções graves por CA-MRSA, incluindo osteomielite, artrite séptica e empiema pleural, desde que o Staphylococcus aureus seja sensível a este antimicrobiano.

Outras drogas disponíveis para o tratamento das infecções por CA-MRSA são linezolida, equivalente à vancomicina no tratamento de bacteremia e pneumonia, e a daptomicina, exceto nos casos de infecção pulmonar. Dados sobre a segurança da daptomicina no tratamento das infecções estafilocócicas em crianças são limitados. A drenagem de abscessos e outras coleções purulentas é fundamental para o sucesso terapêutico das infecções graves.

A prevalência das infecções por CA-MRSA varia de acordo com a localização geográfica, mas numerosos estudos demonstram aumento dos casos em todas as faixas etárias. Alguns estudos revelam prevalências altas nos EUA, chegando a taxas de colonoização por CA-MRSA maiores que 70% em alguns estados2.

No Brasil, não existem relatos sobre a prevalência atual deste patogéno na comunidade. Existem poucos casos de infecções por CA-MRSA no Brasil relatados na literatura. Porém, os médicos devem estar alertas para a possibilidade de infecções comunitárias causadas por MRSA.

No Serviço de Pediatria do Hospital dos Servidores do Estado/RJ foram identificados 10 casos de infecções por CAMRSA desde 2007: infecções de pele, adenite, dacriocistite, artrite séptica, osteomielite e abscesso renal.

O CA-MRSA é um patógeno emergente no Brasil, com potencial de associar-se a infecções graves. Porém, a magnitude deste problema ainda é desconhecida. Logo, deve-se incluir este microrganismo como possível agente etiológico em áreas onde já houve casos de infecções por CA-MRSA. A terapia empírica das infecções estafilocócicas graves deve incluir antimicrobianos com ação contra o Staphylococcus aureus sensível e resistente a meticilina/oxacilina até o resultado final do teste de sensibilidade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Kaplan, SH. Implications of methicillin-resistant Staphylococcus aureus as a community-acquires pathogen in pediatric patients. Infect Dis Clinic North America. 2005;19(3):747-57.

2. Kilbane BJ, Reynolds SL. Emergency department management of community- acquired methicillin-resistant Staphylococcus aureus. Pediatric Emerg Care 2008;24(2):109-14.

3. Ricardo, SB. Emergência de Staphylococcus aureus meticilina-resistente (MRSA) na comunidade. Prática Hospitalar. 2004;34:131-4.

4. Rozenbaum R, Sampaio MG, Batista GS, Garibaldi AM, Terra GM =, Souza MJ, et al. The first report in Brazil of severe infection caused by communityacquired methicillin-resistant Staphylococcus aureus (CA-MRSA). Braz J Med Biol Res. 2009;42(8):756-60.










1. Pediatra. Infectologista Pediátrica. Hospital Federal dos Servidores Estado – MS/RJ. Mestre em Pediatria/Universidade Federal Fluminense (UFF).
2. Pediatra. Infectologista Pediátrica. Hospital Federal dos Servidores do Estado. MS. RJ. Mestre em Medicina (Doenças Infecciosas e Parasitárias)/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
3. Pediatra. Pneumologista pediátrica. Hospital Federal dos Servidores do Estado- MS, Rio de Janeiro, RJ.