Caso Interativo - Ano 2016 - Volume 6 - Número 3
Uma criança com pneumonia recorrente e imagem pulmonar persistente, cujo diagnóstico foi feito pela ultrassonografia. Qual a sua hipótese diagnóstica?
A child with recurrent pneumonia and persistent pulmonary image, whose diagnosis was performed by ultrasonography. What is your diagnostic hypothesis?
Un niño con neumonía recurrente e imagen pulmonar persistente, cuyo diagnóstico se hizo por la ultrasonografía. ¿Cuál es su hipótesis diagnóstica?
Escolar, sexo feminino, 5 anos, encaminhada ao ambulatório de pneumologia para investigação de quadros respiratórios de repetição e imagem radiológica mantida. Responsável referia episódios de pneumonias recorrentes, sendo internada para antibioticoterapia venosa aos 2 e 3 anos. As radiografias simples de tórax evidenciavam imagem persistente de hipotransparência em terço inferior de hemitórax esquerdo. (Figura 1 a e b) e já havia realizado duas tomografias computadorizadas de tórax para esclarecimento diagnóstico. Referia tosse recorrente, relacionada a fatores ambientais, com melhora após uso de broncodilatador. Negava dispneia, febre, emagrecimento, episódio presenciado compatível com aspiração de corpo estranho e contato com tossidores crônicos/tuberculose. História gestacional e perinatal sem intercorrências.
Figura 1 a e b. Radiografias simples de tórax com imagem persistente de hipotransparência em terço inferior de hemitórax esquerdo.
Ao exame, apresentava-se em bom estado geral, eutrófica, afebril, hemodinamicamente estável, FC=88 bpm, FR=21 irpm, saturação de hemoglobina em ar ambiente=95%. Ausculta cardíaca sem alterações. O exame do sistema respiratório revelava expansibilidade e murmúrio vesicular diminuídos no terço inferior do hemitórax esquerdo e macicez na percussão nesta região torácica. O restante do exame físico não revelava nenhuma anormalidade.
Os exames laboratoriais como hemograma, lipidograma, coagulograma, eletrólitos, função renal e hepática eram normais.
Qual o diagnóstico mais provável em um paciente com história de pneumonia recorrente e imagem persistente?
a) Imunodeficiência.A presença de imagem persistente localizada em terço inferior de pulmão esquerdo associada ao fato da paciente ter sido submetida a níveis de exposição excessivos de radiação devido à realização de inúmeros exames radiológicos, inclusive duas tomografias de tórax, nos levou a optar inicialmente pela ultrassonografia de tórax. Esse exame revelou imagem heterogênea predominantemente hipoecoica em base pulmonar esquerda, de localização posterior, com medidas 7 cm x 4 cm em seus maiores diâmetros, bem vascularizada, destacando-se um grande ramo originário da aorta que se dirigia para a lesão. (Figuras 2 a e b). Estes achados orientaram a solicitação correta da tomografia computadorizada com contraste e reconstrução do tórax no sentido de expor a paciente ao mínimo de radiação possível para correta avaliação. A angiotomografia computadorizada de tórax confirmou o diagnóstico de sequestro pulmonar intralobar (Figura 3 a e b).
b) Discinesia ciliar primária.
c) Malformação pulmonar.
d) Neoplasia.
e) Infecção pulmonar crônica como a tuberculose. Pacientes com pneumonia recorrente de mesma localização em geral apresentam alterações estruturais como obstruções brônquicas, extrínsecas ou intrínsecas, sequelas pulmonares como bronquiectasias ou malformações. Corpo estranho é sempre uma hipótese a ser considerada, mesmo sem episódio de aspiração testemunhado.
As imunodeficiências humoral ou celular e as alterações dos mecanismos de defesa do trato respiratório como ocorre na fibrose cística e na discinesia ciliar primária são causas de pneumonias de localização variável.
A tuberculose é causa de pneumonia com imagem persistente e sintomas crônicos. Raramente é causa de pneumonia recorrente.
Figuras 2 a e b. Ultrassonografia de tórax imagem heterogênea predominantemente hipoecoica em base pulmonar esquerda, de localização posterior, com medidas 7 cm x 4 cm em seus maiores diâmetros, bem vascularizada, destacando-se um grande ramo originário da aorta que se dirigia para a lesão.
Figuras 3 a e b. Angiotomografia computadorizada de tórax confirmando sequestro pulmonar.
Durante o acompanhamento, foi confirmado o diagnóstico de asma brônquica mediada por atopia (espiromentria com DVO grau I, IgE aumentada e testes cutâneos positivos) e iniciado tratamento com corticoide inalatório, com controle de sintomas.
Após seis meses de acompanhamento, paciente foi submetida à toracotomia, com exérese da lesão. O aspecto macroscópico e a análise histopatológica confirmaram diagnóstico de sequestro pulmonar intralobar. Houve ótima evolução pós-cirúrgica.
A definição "Porção de tecido pulmonar não funcionante que não se comunica com a árvore traqueobrônquica adjacente e recebe suprimento arterial sistêmico" corresponde a:
a) Sequestro pulmonar
b) Cisto broncogênico
c) Enfisema lobar congênito
d) Atresia brônquica
e) Aplasia pulmonar
As malformações congênitas pulmonares são um grupo heterogêneo de desordens do desenvolvimento afetando o parênquima pulmonar, suprimento arterial e/ou drenagem venosa. O avanço nos métodos de imagem permitiu aumento do número de diagnósticos, entendimento do início, história natural e associações etiológicas1.
A classificação atual é baseada nos achados morforadiológico-patológicos que propõem a divisão em três grupos: lesões de parênquima pulmonar, lesões vasculares e lesões mistas1.
Também devemos considerar que estas lesões ocorrem no contexto de um continuum do desenvolvimento embrionário, em idades gestacionais distintas, podendo se apresentar isoladas ou em associação1.
São definições de malformações congênitas:
A classificação atual é baseada nos achados morforadiológico-patológicos que propõem a divisão em três grupos: lesões de parênquima pulmonar, lesões vasculares e lesões mistas1.
Também devemos considerar que estas lesões ocorrem no contexto de um continuum do desenvolvimento embrionário, em idades gestacionais distintas, podendo se apresentar isoladas ou em associação1.
São definições de malformações congênitas:
Sequestro pulmonar: Porção de tecido pulmonar não funcionante que não se comunica com a árvore traqueobrônquica adjacente e recebe suprimento arterial sistêmico;
Cisto broncogênico: defeito no brotamento ventral ou ramificação da árvore entre 26-40 dias de vida fetal;
Enfisema lobar congênito: Hiperinsuflação e distensão de um ou mais lobos pulmonares;
Atresia brônquica: Obliteração ou estenose de brônquio segmentar, subsegmentar ou lobar na sua origem ou próximo dela;
Aplasia pulmonar: ausência total de pulmão e artéria pulmonar com brônquio fonte rudimentar1.
É característica do sequestro pulmonar intralobar:
a) suprimento arterial intratorácico obrigatórioO sequestro pulmonar intralobar na infância costuma estar mais frequentemente associado a:
b) drenagem venosa ser realizada pelas veias pulmonares
c) localização em região infradiafragmática
d) revestimeto pleural próprio isolado
e) presença de tecido pulmonar íntegro em seu interior O sequestro pulmonar pode ser classificado em: intralobar e extralobar.
O sequestro pulmonar intralobar, mais frequente (75% dos casos), apresenta-se recoberto com a mesma pleura visceral que do restante do pulmão2.
O sequestro pulmonar intralobar pode receber suprimento arterial oriundo de artérias torácicas ou extratorácicas (ramos da aorta descendente), mas a drenagem venosa ocorre pelas veias pulmonares3.
O sequestro pulmonar extralobar é revestido por sua própria pleura visceral, separado do resto do pulmão. Possui suprimento arterial sistêmico (aorta descendente ou seus ramos como tronco celíaco) e, usualmente, drenagem venosa sistêmica (ázigos, veia porta, subclávia, mamária interna)2.
O tecido pulmonar, nos casos de sequestro intralobar, apresenta-se sob forma rudimentar, fibrótico, podendo apresentar cistos em seu interior3.
a) infecção recorrente em um mesmo sítio pulmonarO sequestro pulmonar tem como localização mais comum:
b) sangramento pulmonar localizado
c) anomalias congênitas do sistema digestório
d) pneumotórax
e) desconforto respiratório grave ao nascimento Crianças com sequestro pulmonar intralobar, em geral, apresentam-se assintomáticas ou com infecções recorrentes em um mesmo sítio pulmonar, sendo raros sintomas ao nascimento. Em revisão dos casos de malfomações pulmonares congênitas, Hylas et al. observaram história de pneumonia prévia em 48,57%4.
Episódios de hemoptise são raros na infância. Nos adultos, em algumas séries de casos, ocorreu como a segunda manifestação mais comum (51% dos casos), seguida de dor torácica e infecções recorrentes5.
A associação com outras malfomações congênitas é descrita nos dois tipos de sequestro, podendo incluir cisto broncogênico, atresia brônquica, malformação de vias aéreas congênita (CPAM), síndrome da Cimitarra, e comunicações com o sistema gastrointestinal. Nos casos de sequestro intralobar a associação pode variar entre 6 a 12%, sendo mais frequentes a atresia brônquica e CAPM6.
Cerca de 50% dos sequestros extralobares estão associados com CPAM tipo 2 ou de pequenos cistos. Este tipo de sequestro também está mais comumente associado a cardiopatias congênitas, hérnia diafragmática e hipoplasia pulmonar1,7.
a) Lobos superiores.O exame complementar recomendado para a confirmação do diagnóstico neste caso é:
b) Lobos inferiores.
c) Lobo médio.
d) Língula.
e) Abdome. Sequestro intrapulmonar é a forma mais comum e desses 60% ocorrem no segmento basal posterior do lobo inferior esquerdo. 98% dos casos ocorrem em lobos inferiores.
Pacientes com sequestro extralobar apresentamse com massas pulmonares focais no período neonatal, tipicamente na região inferior do hemitórax esquerdo (95% dos casos). Outras localizações menos comuns são o mediastino, o pericárdio e infradiafragmática8.
Envolvimento bilateral é incomum.
Com relação ao gênero, a forma extralobar afeta quatro vezes mais o sexo masculino, enquanto a incidência é a mesma em ambos os sexos na forma intralobar9.
Os sequestros extralobares podem se localizar fora da caixa torácica. No abdome chama a atenção a localização acima da suprarrenal esquerda, devendo-se fazer o diagnóstico diferencial com o neuroblastoma durante a ultrassonografia gestacional7,10.
a) Ultrassonografia de tóraxEm relação ao tratamento do sequestro pulmonar intralobar, é correto:
b) Angiotomografia de tórax
c) Arteriografia
d) Ecocardiograma transtorácico
e) Radiografia de tórax com esôfago contrastado Na investigação de um caso com suspeita de sequestro pulmonar, os exames de imagem têm dois objetivos principais: descartar a presença de outras patologias e caracterizar a presença do suprimento arterial anômalo11.
A ultrassonografia é excelente para avaliação inicial da lesão, principalmente no neonato e lactentes. Trata-se de técnica não invasiva, disponível inclusive à beira do leito, sem exposição à radiação e que pode mostrar desde lesões homogêneas até massa heterogênea com cistos. O suprimento arterial e, possivelmente, a drenagem venosa podem ser demonstrados com Doppler colorido3.
Nos últimos anos, a tomografia com multidetectores associada com o protocolo de angiotomografia tem sido o exame de escolha para avaliação das malformações congênitas em Pediatria. A reconstrução permite uma avaliação global do sequestro e é o exame recomendado para confirmação diagnóstica, e análise anatômica detalhada1,3.
A avaliação tomográfica com acurácia de malformações pulmonares depende de parâmetros básicos (como miliamperagem, pico de kilovoltagem, velocidade da mesa, detector de colimação e espessura da reconstrução) ajustados para a suspeita diagnóstica a fim de obter a melhor definição de imagem possível para aquela possibilidade, preservando o paciente de altas doses de radiação1,12.
A ressonância nuclear magnética (RNM) é método útil para avaliação de lesões sólidas e vasculares oferecendo imagens sem exposição à radiação. Tem sua limitação no estudo do parênquima pulmonar e quanto ao tempo de exame, o que na população pediátrica significa sedação2.
O ecocardiograma transtorácico não faz o diagnóstico de sequestro pulmonar, entretanto, deve ser solicitado a fim de que cardiopatias estruturais sejam afastadas, bem como a avaliação de possíveis repercussões hemodinâmicas3.
A radiografia de tórax com esôfago contrastado está indicada na suspeita de malformações concomitantes do tubo digestório3.
Nesse cenário, destacou-se o uso da ultrassonografia com Doppler colorido como exame inicial na abordagem diagnóstica de imagem pulmonar persistente em lobo inferior esquerdo, pois trata-se de exame amplamente disponível, não invasivo e sem radiação ionizante que pode demonstrar o sequestro pulmonar e a artéria anômala associada2.
a) A ressecção cirúrgica deve ser realizada independentemente dos sintomas.
b) A pneumectomia é o procedimento cirúrgico de escolha e visa prevenir a evolução para neoplasia futura.
c) A embolização dos vasos anômalos através de cateterismo seguido de implantação de coil é possível de ser realizada.
d) O tratamento conservador pode ser escolhido, mesmo em lesões híbridas.
e) O suprimento arterial anômalo extranumerário é contraindicação para cirurgia. A ressecção cirúrgica é invariavelmente a escolha para o tratamento destas lesões intratorácicas. No caso do sequestro intralobar normalmente é realizada a lobectomia ou segmentectomia, ao mesmo tempo que nos casos extralobares pode ser possível a retirada somente da lesão13,14.
Os casos de sequestro podem complicar com infecções recorrentes, sangramentos maciços e pneumotórax. Alguns trabalhos relatam a possibilidade de associação ou até mesmo evolução para neoplasias, principalmente nos casos de lesões que radiologicamente se apresentam como híbridas14.
Nos casos de lesões pequenas, com anatomia bem estudada, a embolização dos vasos anômalos através de cateterismo seguido de implantação de coil vem sendo descrita desde 1983 como alternativa ao procedimento cirúrgico. As primeiras descrições foram nos casos de sequestro extralobar, mas trabalhos recentes obtiveram sucesso nos casos intralobares em adultos e crianças14.
Nos casos em que se optou por embolização a involução da lesão deve ser acompanhada13,15.
CONCLUSÕES
Infecções respiratórias são a maior causa de adoecimento na população infantil. A idade menor que 5 anos, prematuridade e desnutrição estão dentre os fatores de risco para pneumonia. Segundo a literatura, a ocorrência de dois ou mais episódios em 12 meses indica necessidade de avaliação.
Diante de uma paciente em investigação diagnóstica, sem evidência clínica de infecção respiratória, sem história de aspiração de corpo estranho ou tuberculose e apresentando imagem de condensação no segmento posterior do lobo inferior esquerdo na radiografia de tórax, uma das hipóteses diagnósticas que deve ser aventada é a malformação pulmonar.
Ressalta-se a relevância de solicitar os exames de imagem apropriados para diagnóstico etiológico correto, sem expor o paciente pediátrico à radiação excessiva. A localização da imagem persistente em lobos inferiores, principalmente o esquerdo, indica o sequestro pulmonar como importante hipótese diagnóstica.
O caso relatado mostra que a ultrassonografia realizada por profissional experiente pode ser usada como exame inicial na investigação diagnóstica de malformações pulmonares, não apenas no período pré-natal como também pós-natal.
REFERÊNCIAS
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1. Professora Adjunta de Pneumologia Pediátrica da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Médica do Serviço de Pneumologia Pediátrica, Departamento de Pediatria, Instituto Nacional da Saúde da Mulher, Criança e Adolescente Fernandes Figueira-FIOCRUZ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2. Professora Assistente em Pediatria da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, UERJ. Médica do Serviço de Pneumologia Pediátrica, Departamento de Pediatria, Instituto Nacional da Saúde da Mulher, Criança e Adolescente Fernandes Figueira-FIOCRUZ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
3. Radiologista Pediátrico CDPI, Instituto Nacional da Saúde da Mulher, Criança e Adolescente Fernandes Figueira-FIOCRUZ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
4. Médica do Serviço de Pneumologia Pediátrica, Departamento de Pediatria, Instituto Nacional da Saúde da Mulher, Criança e Adolescente Fernandes Figueira-FIOCRUZ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
5. Cirugião Pediátrico Instituto Nacional da Saúde da Mulher, Criança e Adolescente Fernandes Figueira-FIOCRUZ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
6. Pediatra. Aposentada. Hospital Federal dos Servidores do Estado. Rio de Janeiro, RJ, Brasil
7. Professora Adjunta de Pneumologia Pediátrica da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Médica do Serviço de Pneumologia
8. Pediátrica, Departamento de Pediatria, Instituto Nacional da Saúde da Mulher, Criança e Adolescente Fernandes Figueira-FIOCRUZ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Endereço para correspondência:
Patrícia Fernandes Barreto Machado Costa
Instituto Nacional da Saúde da Mulher, Criança e Adolescente Fernadndes Figueira. FIOCRUZ
Avenida Rui Barbosa, nº 776, Flamengo
Rio de Janeiro - RJ. Brasil. CEP: 021.25541770
E-mail: pfbcosta@gmail.com