Relato de Caso
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Ano 2016 -
Volume 6 -
Número
3
Bezoar - Relato de caso de um pré-escolar com Síndrome de Rapunzel
Bezoar - Case report of a preschool children with Rapunzel Syndrome
Bezoar - Relato de caso de un preescolar con Síndrome de Rapunzel
Pedro Samora Costa Pereira1; Luis Gustavo Sabino Borges2
RESUMO
Relato de caso de um paciente de 2 anos e 11 meses com bezoar gigante que se estende até duodeno. O caso se torna interessante haja visto a idade do paciente, que nos relatos da literatura não citam ocorrencia em paciente tão jovem. Foram discutidas as opções para diagnóstico e tratamento. O benzoar estendia-se do estômago ao duodeno, denominando-se Síndrome de Rapunzel.
Palavras-chave:
Bezoares, endoscopia do sistema digestório, laparotomia, pré-escolar, tricotilomania.
ABSTRACT
Case report of a 2 year and 11 months-old patient with giant bezoar extending to the duodenum. The case becomes interesting given the fact the patient's age, which on literature reports do not cite its occurrence in a so young patient. We discuss also options for diagnosis and treatment. The benzoar has occupied the distance between the stomach to the duodenum.
Keywords:
Bezoars, preschool, gastrointestinal endoscopy, laparotomy trichotillomania.
RESUMEN
Relato de caso de un paciente de 2 años y 11 meses con bezoar gigante que se extiende hasta duodeno. El caso se hace interesante dada la edad del paciente, que en los relatos de la literatura no citan ocurrencia en paciente tan jóven. Se discutieron las opciones para diagnóstico y tratamiento. El bezoar se extendía desde el estómago al duodeno, denominándose Síndrome de Rapunzel.
Palabras-clave:
bezoares, endoscopios del gastrointestinales, laparotomía, preescolar, tricotilomanía.
INTRODUÇÃO
Há relatos históricos, datados da era AC, de bezoares em ruminantes, cercados de folclores e crenças religiosas1-3. Em humanos os bezoares já são descritos desde o século XVIII, e tem como definição todo acumulo de substâncias não digeridas que formam corpos estranhos gástricos e duodenais1-3.
Mais comumente encontrado na pediatria é o tricobezoar. Normalmente estes são associados a tricotilomania, que é compulsão por arrancar o cabelo, e a tricofagia, que é o hábito de comer o cabelo4. Na literatura sabe-se que estas alterações são comumente encontradas nos pacientes pediátricos, e devem ser cautelosamente abordadas pelos profissionais da área, pois estes podem ser o primeiro a ter contato com esses pacientes4.
O trabalho relata o caso de um paciente pré-escolar com um bezoar, composto em sua maior parte por cabelo.
DESCRIÇÃO DO CASO
Paciente ALSV, feminina, de 2 anos e 11 meses, encaminhada de Araxá/MG para o PSI do HC-UFTM, Uberaba/MG, devido a massa visualizada em ultrassonografia (USG) de abdome. Mãe referia que criança havia iniciado quadro de febre há 9 dias, com pico de 38,5ºC, esparsos, associado a vômitos com conteúdo aparentando catarro. Afirmava hiporexia e dor epigástrica.
Tinha imagens de USG abdominal mostrando massa ecogênica de 33mm de diâmetro na linha medial acima da cicatriz umbilical e Rx de Abdome que se via velamento cobrindo bolha gástrica e parte do cólon transverso. Foi abordada por endoscopia digestiva alta, que visualizou bezoar ocupando grande parte do corpo e fundo gástrico e progredindo até duodeno, não sendo possível a retirada.
Foi então conduzida cirurgicamente por meio de laparotomia, pela qual foi retirada o corpo estranho, composto por emaranhado de cabelo, com pedaços de plástico e restos alimentares (Figura 1). Foi mantido seguimento ambulatorial do paciente até 8 meses do ocorrido, quando a mesma não retornou mais para consultas.
Figura 1. Benzoar: emaranhado de cabelo, com pedaços de plástico e restos alimentares.
COMENTÁRIOS
O achado de bezoares em humanos foi descrito a primeira vez por Baudamant, em 1779, sendo esse um achado ocasional de uma necropsia, mais a frente, no ano de 1883, foi realizada a primeira cirurgia para retirada de um tricobezoar, abordada por Schonborn1-3,5
Bezoares são raros e tem como maior incidência populações idosas, como a variante mais comum os fitobezoares1,3. Na pediatria a incidência é maior a partir da adolescência, normalmente com transtornos psicológicos que levam a tricofagia, fazendo assim do tricobezoar a variante mais comum nesta faixa etária2. Ainda mais raro são aqueles bezoares que atingem todo o estômago e se estende para parte do duodeno, levando o nome de Síndrome de Rapunzel, como ocorrido no caso relatado2.
A clínica do paciente pode variar desde sintomas leves de desconforto abdominal até manifestações de síndromes obstrutivas, com vômitos, anorexia e emagrecimento, sendo esta a complicação mais comumente encontrada, variando a gravidade conforme as dimensões que os aglomerados no trato gastrointestinal atingem. Pode-se ainda ter como complicações perfurações, intussucepção, anemias desabsortivas, gastrites, entre outras1-3,5.
O diagnóstico normalmente envolve correlacionar a clínica com exames de imagem. O raio x de abdome contrastado e a ultrassonografia de abdome podem ser uteis para auxiliar e são mais fáceis de conseguir3. A endoscopia digestiva alta (EDA) é capaz de visualizar e identificar qual o componente do bezoar e, dependendo da situação, realizar até mesmo a retirada deste3.
O tratamento é na grande na maioria das vezes conservador, devendo ser optado por uma abordagem cirúrgica aqueles casos com massas mais volumosas que não responderam a terapêutica inicial ou que estão associados a complicações importantes1-3,5. Como já citado, a EDA pode ser utilizada para retirar pequenos a médios bezoares, associada ou não a fragmentação destes5. O tratamento cirúrgico pode ser realizado por meio de gastrostomia ou enterotomia, sendo, as vezes, necessário ressecção de porções do intestino dependendo das complicações5.
Tão importante quanto a retirada dos bezoares, mas especificamente os tricobezoares, está o seguimento que deve ser dado a tricotilomania e a tricofagia. O paciente deve ser mantido em acompanhamento por equipe multidisciplinar e se necessário utilizar medicações para controle de ansiedade4.
Não foi encontrado relatos de um paciente com idade tão jovem, sendo importante ter em mente os bezoares, apesar da incidência, quando se atente pacientes pediátricos com quadro de abdome obstrutivo, pois o caso apresentado mostra que não é apenas em adolescentes e adultos que esta causa pode ser encontrada.
REFERÊNCIAS
1. Spadella CT, Saad-Hossne R, Saad LHC. Tricobezoar gástrico: relato de caso e revisão da literatura. Acta Cir Bras. 1998;13(2). DOI:http://dx.doi.org/10.1590/S0102-86501998000200008
2. Faria AP, Silva IZ, Santos A, Avilla SGA, Silveira AE. Síndrome de Rapunzel - relato de caso: tricobezoar como causa de perfuração intestinal. J Pediatr (Rio J). 2000;76(1):83-6. DOI: http://dx.doi.org/10.2223/JPED.806
3. Isberner RK, Couto CAS, Scolaro BL, Pereira GB, Oliveira R. Tricobezoar gástrico gigante: relato de caso e revisão da literatura. Radiol Bras. 2010;43(1):63-5. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-39842010000100015
4. Lima MCP, Trench EV, Rodrigues LL, Dantas LAS, Lovadini GB, Torres AR. Tricotilomania: dificuldades diagnósticas e relato de dois casos. Rev Paul Pediatr. 2010;28(1):104-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-05822010000100016
5. Silveira HJV, Coelho-Junior JA, Gestic MA, Chaim EA, Andreollo NA. Tricobezoar gigante. Relato de caso e revisão da literatura. ABCD Arq Bras Cir Dig. 2012;25(2):135-6. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-67202012000200016
1. Residente de Pediatra da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil
2. Médico. Doutorado em Patologia 2009 - 2013 - Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil
Endereço para correspondência:
Pedro Samora Costa Pereira
Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro
Rua Getúlio Guaritá, nº 330, Nossa Sra. da Abadia
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