ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2016 - Volume 6 - Número 3

Displasia septo-óptica como causa de colestase neonatal

Septo-optic dysplasia as a cause of neonatal cholestasis
Displasia septo-óptica como causa de colestasis neonatal

RESUMO

A displasia septo-óptica (Síndrome de De Morsier) se caracteriza pela presença de dois de três critérios: defeito de linha média, hipoplasia de nervo óptico e hipopituitarismo. Apesar de se tratar de uma doença rara, seu diagnóstico deve ser rápido, preferencialmente no período neonatal, a fim de evitar maior morbidade futura. Neste relato apresentamos um caso de colestase neonatal, condição frequente na pediatria, como manifestação precoce da síndrome.

Palavras-chave: displasia septo-óptica, hipopituitarismo, icterícia neonatal.

ABSTRACT

Septo-optic dysplasia (De Morsier Syndrome) is defined by the presence of 2 out of 3 characteristics: mid line defects, optic nerve hypoplasia and hypopituitarism. Although it is a rare disease, its diagnostic must be fast, preferably in the neonatal period, in order to avoid future morbidity. In this report we present a case of neonatal cholestasis, a common condition in pediatrics, as one of the initial signs of the syndrome.

Keywords: hypopituitarism, neonatal jaundice, septo-optic dysplasia.

RESUMEN

La displasia septo-óptica (Síndrome de De Morsier) se caracteriza por la presencia de dos entre tres criterios: defecto de línea media, hipoplasia de nervio óptico e hipopituitarismo. A pesar de tratarse de una enfermedad rara, su diagnóstico debe ser rápido, preferentemente en el periodo neonatal, a fin de evitar mayor morbilidad futura. En este relato presentamos un caso de colestasis neonatal, condición frecuente en la pediatría, como manifestación precoz del síndrome.

Palabras-clave: displasia septo-óptica, hipopituitarismo, ictericia neonatal.


INTRODUÇÃO

A displasia septo-óptica (Síndrome de De Morsier) é uma condição caracterizada pela presença de dois de três critérios: defeito de linha média, hipoplasia de nervo óptico e hipopituitarismo1-4.

Apesar de se tratar de uma doença rara, pode se manifestar precocemente no período neonatal através de sinais comuns da prática pediátrica, como icterícia e hipoglicemia, e o atraso em seu diagnóstico pode resultar em grande morbidade para esses pacientes. Neste relato apresentamos um caso de colestase neonatal como manifestação precoce da síndrome.


RELATO DO CASO

Paciente M.L.P.S, sexo feminino, nascida de parto cesáreo, bolsa rota no ato, prematura de 36 semanas e 3 dias, peso adequado para idade gestacional. Sua mãe apresentou pré - eclâmpsia durante a gestação e sorologias para HIV e sífilis negativas na admissão da maternidade. Parto sem intercorrências, paciente nasceu com boa vitalidade sem necessidade de manobras de reanimação. Pai e irmão de 2 anos hígidos.

Evoluiu no período neonatal precoce com quadro de vômitos e hipoglicemia, sendo mantida em dieta zero e nutrição parenteral total (NPT) com 4mg/kg de aminoácidos, 1mg/kg de lipídeos e 9mg/kg/min de glicose. Apresentou dificuldade de progressão de sonda nasogástrica e de início de dieta enteral por conta dos vômitos.

Na segunda semana de vida evoluiu com hepatomegalia ao exame físico e icterícia de padrão colestático, atribuída inicialmente à NPT. Níveis máximos de bilirrubina chegaram a 20mg/dL (bilirrubina direta de 13,5mg/dL), aos 17 dias de vida. Nessa mesma data foi realizada ultrassonografia (USG) abdominal que confirmou a hepatomegalia e ultrassonografia transfontanela com dilatação moderada dos ventrículos laterais e ausência de septo pelúcido. As sorologias para toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, HIV e sífilis foram negativas.

Com 1 mês e 7 dias de vida a paciente foi transferida para um hospital geral com suspeita de banda gástrica. Paciente mantinha icterícia colestática, com bilirrubina total de 11,2mg/dL (direta de 7mg/dL), além de aumento de transaminases (AST 129 UI/L, valor de referência até 45, e ALT 129 UI/L, valor de referência até 40), Fosfatase Alcalina (159UI/L, valor de referência 38-126) e Gama GT (457UI/L, valor de referência 5-27).

Ao exame físico observava-se hepatoesplenomegalia e nistagmo horizontal bilateral. As principais hipóteses dignósticas passaram a ser hepatite neonatal e atresia de vias biliares. Para elucidação diagnóstica foi realizada biópsia hepática, que revelou hepatite neonatal colestática sem proliferação ductal. Realizada pesquisa de erros inatos do metabolismo e dosagem de alfa 1 - antitripsina sem alterações.

Com 3 meses de vida foi submetida a nova USG transfontanela que revelou, além de agenesia de septo pelúcido, hipogenesia de corpo caloso, sendo levantada suspeita diagnóstica de displasia septo-óptica. Realizada fundoscopia com 3 meses e 11 dias, que revelou discos ópticos hipoplásicos em ambos os olhos, confirmando a síndrome.

Foram colhidos hormônios em vigência de hipoglicemia que revelaram níveis diminuídos de hormônio do crescimento (GH), cortisol e níveis pré-puberais de hormônios gonadotróficos (LH e FSH), apesar de nesta idade serem esperados níveis puberais dos mesmos (tabela 1). Após estes resultados foi iniciada reposição hormonal de glicocorticoide, com resolução completa dos episódios de hipoglicemia.




Por fim, foi realizada Ressonância Nuclear Magnética (RNM) de crânio e sela turca que descreveu hipoplasia de vias ópticas, septo pelúcido não visualizado, redução volumétrica do continente de substância branca dos hemisférios cerebrais associada a afilamento difuso do corpo caloso, ectasia dos ventrículos laterais e mega cisterna magna. A hipófise se encontrava dentro dos limites da normalidade com impregnação homogênea pelo meio de contraste e haste hipofisária fina.

A paciente teve alta com 6 meses e 25 dias sendo encaminhada para serviço especializado. Neste momento, apresentava-se sem hepatoesplenomegalia, mantinha o nistagmo, e com normalização dos marcadores de lesão hepática e bilirrubina. Com 8 meses de vida novos exames revelaram hipotireoidismo central, sendo iniciada reposição de levotiroxina.

Atualmente segue em acompanhamento multidisciplinar na pediatria, endocrinopediatria, fisioterapia, oftalmologia, neuropediatria e gastroenterologia pediátrica. Mantém o uso de reposição hormonal com prednisolona 2mg/m2/ dia e levotiroxina 50mcg/dia e apresenta grande avanço no desenvolvimento neuropsicomotor.


DISCUSSÃO

A colestase neonatal apresenta uma ampla gama de diagnósticos diferencias. A principal urgência diagnóstica é a atresia de vias biliares, que deve ser imediatamente encaminhada para cirurgia de portoenterostomia de Kasai. Este diagnóstico pode ser feito pela biópsia hepática.

Outros diagnósticos diferenciais incluem cisto de colédoco, hepatite neonatal idiopática, colangite esclerosante neonatal, uso prolongado de nutrição parenteral, infecções congênitas, erros inatos do metabolismo, deficiência de alfa-1-antitripsina e deficiências de trofinas hipofisárias (hipotireoidismo, insuficência adrenal ou panhipopituitarismo)3. Neste caso apresentamos uma rara causa de colestase neonatal relacionada à displasia septo-óptica e hipopituitarismo.

A displasia septo-óptica ou síndrome de De Morsier, é uma condição genética rara e heterogênea, com incidência estimada em 1,73 casos a cada 10000 crianças2. É definida pela presença de 2 de 3 fatores: defeitos de linha média, hipoplasia de nervo óptico e hipopituitarismo. Apenas 30% dos casos se apresentam com a síndrome completa1-6.

Os defeitos de linha média abrangem um grande espectro de alterações, sendo as mais comuns agenesia de corpo caloso e ausência de septo pelúcido, que correspondem a 50% dos casos. Estas alterações possuem forte correlação positiva com as deficiências hipofisárias1,2.

No caso descrito a paciente apresenta agenesia de septo pelúcido e hipoplasia de corpo caloso, alterações que não foram inicialmente valorizadas no contexto de sua icterícia, porém estão fortemente relacionadas a deficiências hormonais que podem causá-la. Outras alterações que podem ser encontradas incluem hipoplasia cerebelar, aplasia de fórnix e esquisoencefalia7.

Alguns pacientes podem também apresentar malformações corticais associadas, sendo estes casos denominados como displasia septo-óptica plus, estando principalmente associadas a agenesia de septo pelúcido8. Estas malformações geralmente são acompanhadas de déficits motores e atraso no desenvolvimento psicomotor9.

A paciente do caso não presenta defeitos corticais e apresenta pequeno atraso do desenvolvimento. O achado em RNM de crânio de neurohipófise ectópica é um forte preditor de hipopituitarismo, enquanto o achado de anomalia de migração hemisférica é indicativo de atraso neuropsicomotor10.

A insuficiência hipotálamo-hipofisária é encontrada em 62-80% dos casos5 e pode variar desde a deficiência isolada até o panhipopituitarismo. A forma mais comum é a deficiência de GH3-6, seguida de deficiência de hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) e TSH.

No caso descrito a manifestação inicial foi a deficiência de GH e ACTH. É importante notar que a deficiência de hormônios tireoidianos surgiu meses após o diagnóstico inicial, sendo fundamental um acompanhamento estrito destes pacientes, já que as demais deficiências de trofinas hipofisárias podem manifestar-se em momentos distintos.

Diabetes insipidus é a forma mais rara de apresentação7 e ainda não foi observado no caso descrito. Crianças podem ainda apresentar distúrbios puberais, principalmente puberdade precoce central. Acredita-se que isto ocorra devido à presença reduzida de fatores inibitórios de neurônios hipotalâmicos produtores de hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH)2.

A hipoplasia de nervo óptico pode ser unilateral ou, mais frequentemente, bilateral (70% dos casos), e pode se manifestar clinicamente com coloboma, estrabismo, nistagmo e deficiência visual5. Estudos mostram que pacientes com acometimento bilateral tem maior risco de apresentar disfunções endócrinas, como no caso descrito, e atraso psicomotor8. Raramente os pacientes podem se apresentar com microftalmia ou anoftalmia8. Ao exame a presença de disco óptico pálido é um fator preditivo negativo para visão9.

A síndrome possui incidência igual nos sexos e a maioria dos casos é esporádica. Sua causa é desconhecida, porém tem sido relacionada a diversos fatores como insulto vascular na 6ª-7ª semana de embriogênese, sangramentos de primeiro trimestre de gestação, alcoolismo ou uso materno de drogas, infecções virais durante a gestação ou exposição a teratógenos ambientais5,9.

Primiparidade, prematuridade, baixa idade materna e diabetes gestacional são considerados fatores de risco10. Algumas mutações nos genes HESX1, SOX2 e SOX3 já foram identificadas em séries de casos familiares, porém representam apenas 1% dos casos, sugerindo que a origem da síndrome seja multifatorial1,5. Neste caso não há relato de outros familiares com a síndrome e houve presença de apenas um fator de risco (prematuridade).

As manifestações neonatais mais comuns da síndrome são nistagmo e sinais de hipopituitarismo, principalmente hipoglicemia e micropênis com criptorquidia (em meninos). Pode haver um fenótipo característico (fáscies de querubim), com fronte ampla e proeminente, ponte nasal deprimida e desproporção cranio-facial.

A paciente do caso não apresentava fenótipo característico, porém apresentou hipoglicemia neonatal e nistagmo. O paciente pode evoluir com sintomas neurológicos como déficits motores focais e cognitivos, além de crises convulsivas. A colestase neonatal é uma manifestação incomum e, se não tratada, pode evoluir para cirrose3.

Acredita-se que a deficiência de corticoesteroides reduza o fluxo biliar e a deficiência de GH interfira na biossíntese e secreção de ácidos biliares. O tratamento com reposição hormonal geralmente cursa com regressão completa da hiperbilirrubinemia e do aumento de transaminases, como foi o caso da paciente descrita, desde que iniciada antes da instalação da cirrose4.

Portanto, é importante considerar o diagnóstico de displasia septo-óptica ao lidarmos com casos de colestase neonatal, para que as medidas terapêuticas apropriadas possam ser aplicadas precocemente prevenindo as suas complicações.


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1. Residência em Pediatria na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - especialização em pneumologia pediátrica no IFF, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2. Residência em Pediatria na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - Residente de alergia e imunologia na UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
3. Mestre em Endocrinologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - Médica de endocrinologia pediátrica do Hospital Universitário Pedro Ernesto, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência:
Viviane Mauro Corrêa Meyer
Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Boulevard 28 de setembro, nº 77, Vila Isabel
Rio de Janeiro - RJ. Brasil. CEP: 20.551-030
E-mail: vivianecorreameyer@gmail.com