ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2016 - Volume 6 - Número 3

Síndrome de Costello: Relato de caso e revisão da abordagem diagnóstica

Costello syndrome: Case report and review of diagnostic approach
Síndrome de Costello: Relato de caso y revisión del abordaje diagnóstico

RESUMO

INTRODUÇÃO: A síndrome de Costello é uma patologia autossômica dominante causada por mutações no gene HRAS, que produz uma proteína envolvida no controle da divisão e crescimento celular. É uma condição clínica muito rara, com cerca de 200 a 300 casos confirmados em todo o mundo. Uma das manifestações de maior gravidade é a arritmia cardíaca, potencialmente fatal.
OBJETIVO: Propomos o relato de um caso diagnosticado clinicamente como síndrome de Costello, e discutimos o manejo da arritmia cardíaca associada.
MÉTODOS: Relato de caso após revisão de prontuário e revisão da literatura.
RESULTADOS: Uma lactente de sexo feminino, com 1 ano e 3 meses, com diagnóstico clínico de síndrome de Costello, foi internada para avaliação de arritmia cardíaca. Apresentava, no ecocardiograma, miocardiopatia hipertrófica. O Holter revelou taquicardia atrial e supraventricular com aberrância, átrio esquerdo instável, arritmia cardíaca refratária e extrassístoles atriais bloqueadas. Optou-se pelo início de amiodarona 5mg/kg/dia e captopril 1mg/kg/dia, com reavaliação após duas semanas de tratamento. Houve melhora da ausculta cardíaca, porém manutenção do padrão eletrocardiográfico. Devido ao prognóstico geral da paciente, optou-se por acompanhamento ambulatorial com melhora clínica e eletrocardiográfica.
CONCLUSÃO: Não existem diretrizes específicas para o tratamento das arritmias cardíacas na síndrome de Costello. Pacientes que evoluem com essa complicação apresentam um pior prognóstico, e é preciso decidir, junto com a família, a melhor conduta.

Palavras-chave: arritmias cardíacas, cardiomiopatia hipertrófica, síndrome de Costello.

ABSTRACT

OBJECTIVE: Costello syndrome is an autosomal dominant disorder caused by mutations in HRAS gene, which produces a protein involved in controlling cell division and growth. It is a very rare clinical condition, with about 200 to 300 confirmed cases worldwide. One of the most serious manifestations is cardiac arrhythmia, potentially fatal.
OBJECTIVE: We propose an account of a clinically diagnosed case like Costello syndrome, and discuss the management of associated cardiac arrhythmia.
METHODS: Case report after chart review, and review of literature.
RESULTS: An infant of female, 1 year and 3 months old, with clinical diagnosis of Costello syndrome, was admitted for evaluation of cardiac arrhythmia. She presented hypertrophic cardiomyopathy in echocardiography,. The Holter exam revealed atrial and supraventricular tachycardia with aberrance, unstable left atrium, refractory cardiac arrhythmia and blocked atrial premature beats. It was decided to start amiodarone 5mg/kg/day and captopril 1mg/kg/day, with reassessment after two weeks of treatment. There was improvement in cardiac auscultation, but she maintained the ECG pattern. Due to the general prognosis of the patient, it was decided by outpatient treatment, and there was clinical and electrocardiographic improvement.
CONCLUSION: There are no specific guidelines for the treatment of cardiac arrhythmias in Costello syndrome. Patients who develop this complication have a poorer prognosis, and it is needed to decide, together with the family, the best conduct.

Keywords: cardiac arrhytmias, cardiomyopathy, hypertrophic, Costello syndrome.

RESUMEN

INTRODUCCIÓN: El síndrome de Costello es una patología autosómica dominante causada por mutaciones en el gene HRAS, que produce una proteína involucrada en el control de la división y crecimiento celular. Es una condición clínica muy rara, con alrededor de 200 a 300 casos confirmados en todo el mundo. Una de las manifestaciones de mayor gravedad es la arritmia cardíaca, potencialmente fatal.
OBJETIVO: Proponemos el relato de un caso diagnosticado clínicamente como síndrome de Costello, y discutimos el manejo de la arritmia cardíaca asociada.
MÉTODOS: Relato de caso después de revisión de prontuario y revisión de la literatura.
RESULTADOS: Una lactante de sexo femenino, con 1 año y 3 meses, con diagnóstico clínico de síndrome de Costello, fue internada para evaluación de arritmia cardíaca. Presentaba, en el ecocardiograma, miocardiopatía hipertrófica. El Holter reveló taquicardia atrial y supraventricular con aberrancia, atrio izquierdo inestable, arritmia cardíaca refractaria y extrasístoles atriales bloqueadas. Se optó por el inicio de amiodarona 5 mg/kg/día y captopril 1 mg/kg/día, con reevaluación después de dos semanas de tratamiento. Hubo mejora de la ausculta cardíaca, sin embargo mantenimiento del estándar electrocardiográfico. Debido al pronóstico general de la paciente, se optó por acompañamiento en ambulatorio con mejora clínica y electrocardiográfica.
CONCLUSIÓN: No hay directrices específicas para el tratamiento de las arritmias cardíacas en el síndrome de Costello. Pacientes que evolucionan con esa complicación presentan un peor pronóstico, y es preciso decidir, junto con la familia, la mejor conducta.

Palabras-clave: arritmias cardíacas, cardiomiopatía hipertrófica, síndrome de Costello.


INTRODUÇÃO

A síndrome de Costello é uma patologia autossômica dominante descrita pela primeira vez em 1977, causada por mutações no gene HRAS, localizado no cromossomo 11p151. Esse gene produz uma proteína envolvida no controle da divisão e crescimento celular, e sua mutação pode ser observada em 90% dos indivíduos com características clínicas da doença2,3. É uma condição clínica muito rara, com cerca de 200 a 300 casos confirmados em todo o mundo2. A maioria desses casos ocorreu a partir de novas mutações, sem história familiar de casos semelhantes, mas o padrão de herança parece ser autossômico dominante2.

A síndrome de Costello apresenta-se como uma desordem complexa do desenvolvimento, envolvendo características craniofaciais, baixo ganho de peso, atraso no desenvolvimento, e anormalidades cardíacas e esqueléticas3,4. Desde sua primeira descrição, a síndrome de Costello vem sendo reconhecida em diversos pacientes, e vem ganhando destaque na literatura na medida em que notou-se uma tendência aumentada no desenvolvimento de malignidades, especialmente rabdomiossarcoma, ganglioneuroblastoma e tumores de bexiga3,5.

Os sinais e sintomas da síndrome de Costello possuem sobreposição significativa com duas outras condições genéticas, a síndrome crânio-facio-cutânea e a síndrome de Noonan. Embora possa ser difícil diferenciar essas condições, sobretudo em crianças jovens, a distinção pode ser feita por padrões de sintomas que aparecem mais tardiamente na infância. A pesquisa da mutação por técnicas de biologia molecular é o padrão ouro para o diagnóstico da síndrome. Entretanto, por não estar amplamente disponível, foram elaboradas diretrizes para o diagnóstico clínico6.

Nesse trabalho, propomos o relato de um caso diagnosticado clinicamente como síndrome de Costello, e discutimos o manejo de uma de suas complicações que pode ser ameaçadora a vida: a arritmia cardíaca. Além disso, apresentamos uma breve revisão da literatura a respeito dessa patologia.


RELATO DE CASO

Uma lactente de sexo feminino, com 1 ano e 3 meses, com diagnóstico clínico de síndrome de Costello, foi internada na Enfermaria de Pediatria do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora após avaliação pela Cardiologia Pediátrica, com o objetivo de tratamento de arritmia cardíaca.

Em sua história pregressa, havia nascido a termo, com 39 semanas, com peso de 3270 gramas, adequado para a idade gestacional, sem intercorrências pré-natais. Os pais não são consanguíneos, e não havia história familiar de mal formação genética. Após a alta da maternidade, foi encaminhada para avaliação com geneticista devido a dismorfismos, e foi diagnosticada clinicamente como portadora de Síndrome de Costello. Cariótipo sem alterações.

Desde o primeiro mês de vida evoluiu com dificuldade de ganho de peso e estatura, já tendo sido internada previamente para nutrição enteral. Atualmente apresentava peso de 5140 gramas e estatura de 62 centímetros, ambos abaixo do escore Z-3. Ao exame, notava-se pele com dobras profundas palmares e plantares; lábios cheios; boca grande; palato ogival; ausência de erupção dentária; cabelos finos e encaracolados; hemangioma sacrococcígeo (Figura 1). Na avaliação do desenvolvimento, senta sem apoio por breves períodos, não fica de pé sozinha, não fala, porém apresenta boa interação social com a mãe.


Figura 1. Algumas das características faciais típicas da Síndrome de Costello. Chamam a atenção a boca grande com lábios cheios, com ausência de erupção dentária, além de cabelos finos e encaracolados e uma macrocefalia relativa.



A ausculta cardíaca era irregular com frequência de pulso de 105bpm. O eletrocardiograma apresentava arritmia importante (Figura 2). O ecocardiograma revelou miocardiopatia hipertrófica, e o Holter mostrou taquicardia atrial e supraventricular com aberrância, átrio esquerdo instável, arritmia cardíaca refratária e extrassístoles atriais bloqueadas.


Figura 2. Exame de eletrocardiograma evidenciando arritmia cardíaca complexa.



Optou-se pelo início de amiodarona 5mg/kg/dia e captopril 1mg/kg/dia, com reavaliação após duas semanas de tratamento. Nesse período, a criança permaneceu internada, em uso de sonda nasogástrica e de fórmula infantil hipercalórica para melhora do ganho de peso.

Na reavaliação pela Cardiologia, foi notada melhora da arritmia à ausculta, porém com manutenção do padrão eletrocardiográfico. Foi optado por manutenção das doses das medicações e alta com acompanhamento ambulatorial. A criança permaneceu internada por um total de 30 dias, nos quais ganhou aproximadamente 500 gramas de peso. Devido à presença de face grosseira, foi realizada pesquisa para diagnóstico diferencial de mucopolissacaridoses, com resultado negativo.

Durante o acompanhamento ambulatorial com cardiologista pediátrico, a paciente evoluiu com melhora progressiva da arritmia cardíaca. Aproximadamente um ano após a alta hospitalar, seu eletrocardiograma apresentava ritmo sinusal. A criança permanece em seguimento, sem novas intercorrências.


DISCUSSÃO

As manifestações clínicas da síndrome de Costello envolvem sobretudo características faciais, dificuldade de ganho de peso e estatura, e alterações cardíacas7. Essas manifestações foram reunidas, de acordo com frequência e especificidade, em diretrizes para o diagnóstico clínico da síndrome (Quadro 1). A paciente do caso relatado possui todos os critérios maiores e as três características únicas de maior especificidade, tornando esse diagnóstico altamente provável.




A dificuldade de alimentação, sucção pobre e ganho de peso insuficiente são manifestações clínicas frequentes, e as crianças podem nascer a termo com peso adequado ou prematuras com baixo peso3. A necessidade de via alternativa para alimentação deve ser avaliada. O atraso do desenvolvimento neuropsicomotor pode ser muito variável e a maioria dos pacientes tem prejuízo intelectual significativo7,8, tornando a estimulação precoce essencial.

As características faciais principais incluem macrocefalia absoluta ou relativa, cabelos enrolados e com implantação esparsa, epicanto, estrabismo, ponte nasal baixa, boca grande com lábios grossos, e lóbulos das orelhas espessos, dando ao rosto uma impressão grosseira5. As manifestações músculo-esqueléticas incluem hérnia inguinal, hipermobilidade articular, anormalidades de posicionamento dos pés, atraso na idade óssea e espessamento do tendão do calcâneo. Frequentemente há pele redundante no pescoço, mãos e pés, com sulcos profundos, além da presença de papilomas2,5.

As arritmias cardíacas são relatadas em pelo menos um terço dos pacientes, estando frequentemente associadas a miocardiopatia hipertrófica1. Entretanto, não existem diretrizes estabelecidas para o seu tratamento. Recomenda-se que as crianças com suspeita ou diagnóstico da síndrome passem por avaliação com Cardiologista Pediátrico no mínimo anualmente, com realização de eletrocardiograma, ecocardiograma e Holter1,7. Entretanto, a presença de arritmia grave piora o prognóstico e está associada a menor sobrevida1. Defeitos cardíacos congênitos também são comuns, incluindo estenoses valvares, defeitos de septo, além da evolução com miocardiopatia hipertrófica5.

No caso relatado, a lactente apresentava uma arritmia grave porém assintomática. Não foi possível um controle ideal do ritmo cardíaco com a medicação empregada. Entretanto, considerando seu prognóstico, e após expor a situação à família, foi optado por alta hospitalar com acompanhamento ambulatorial frequente. Um ano após a alta, a paciente permanecia assintomática, com melhora do ganho de peso, da sucção e do desenvolvimento, com ritmo cardíaco sinusal ao eletrocardiograma.

Como a prevalência da síndrome de Costello é desconhecida, autores sugerem que possa ser subdiagnosticada, ou mesmo confundida com a síndrome de Noonan7. Essa patologia ainda precisa ser melhor estudada para que a fisiopatologia de suas manifestações possa ser melhor entendida, sugerindo uma terapêutica mais individualizada.


CONCLUSÕES

A síndrome de Costello é uma patologia rara, de etiologia genética e fenótipo variável, cujo diagnóstico molecular frequentemente está indisponível em nosso meio. É preciso que pediatras estejam atentos aos critérios clínicos para que possam suspeitar dessa condição e prover o acompanhamento adequado. Pacientes que evoluem com essa complicação apresentam um pior prognóstico, e é preciso decidir, junto com a família, a melhor conduta.


REFERÊNCIAS

1. U.S. National Library of Medicine. Costello syndrome [Internet]. [citado 2015 Jun 7]. Disponível em: https://ghr.nlm.nih.gov/condition/costello-syndrome

2. Gripp KW, Stabley DL, Nicholson L, Hoffman JD, Sol-Church K. Somatic mosaicism for an HRAS mutation causes Costello syndrome. Am J Med Genet A. 2006;140(20):2163-9. PMID: 16969868 DOI: http://dx.doi.org/10.1002/ajmg.a.31456

3. Aoki Y, Niihori T, Kawame H, Kurosawa K, Ohashi H, Tanaka Y, et al. Germline mutations in HRAS proto-oncogene cause Costello syndrome. Nat Genet. 2005;37(10):1038-40. PMID: 16170316 DOI: http://dx.doi.org/10.1038/ng1641

4. Estep AL, Tidyman WE, Teitell MA, Cotter PD, Rauen KA. HRAS mutations in Costello syndrome: detection of constitutional activating mutations in codon 12 and 13 and loss of wild-type allele in malignancy. Am J Med Genet A. 2006;140(1):8-16. PMID: 16372351 DOI: http://dx.doi.org/10.1002/ajmg.a.31078

5. Hennekam RC. Costello syndrome: an overview. Am J Med Genet C Semin Med Genet. 2003;117C(1):42-8. PMID: 12561057 DOI: http://dx.doi.org/10.1002/ajmg.c.10019

6. Costello Sydrome Family Network. Costello Syndrome Guidelines for Clinical Diagnosis [Internet]. [citado 2015 Jun 7]. Disponível em: http://costellokids.com/sites/default/files/vp_cs_trifold_122205b_english.pdf

7. Siwik ES, Zahka KG, Wiesner GL, Limwongse C. Cardiac disease in Costello syndrome. Pediatrics. 1998;101(4 Pt 1):706-9.

8. Axelrad ME, Glidden R, Nicholson L, Gripp KW. Adaptive skills, cognitive, and behavioral characteristics of Costello syndrome. Am J Med Genet A. 2004;128A(4):396-400. PMID: 15264285 DOI: http://dx.doi.org/10.1002/ajmg.a.30140










1. Pediatra. Ex residente do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil
2. Hematologista e Hemoterapeuta Pediatra pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo. Mestre em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil

Endereço para correspondência:
Ana Paula Rosa Pereira
Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora
Rua Catulo Breviglieri, s/nº, Santa Catarina
Juiz de Fora, MG, Brasil. CEP: 36036-110