Ponto de Vista
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Ano 2016 -
Volume 6 -
Número
3
A prova tuberculínica em crianças e jovens contatos de tuberculose infectados e não infectados pelo HIV no Rio de Janeiro
Tuberculin test in tuberculosis contacts, HIV-positive and non-HIV positive children and adolescents, in Rio de Janeiro
La prueba tuberculínica en niños y jóvenes contactos de tuberculosis infectados y no infectados por el VIH en Río de Janeiro
Marilene Augusta Crispino Santos1; Clemax Couto Sant'Anna2; Ana Alice Teixeira P. Beviláqua3
RESUMO
Os autores analisam resultados da prova tuberculínica em contatos de tuberculose com base no banco de dados da Secretaria de Estado de Saude do Rio de Janeiro (SES-RJ). Havia 2.441 (97%) contatos com prova tuberculínica ≥ 5 mm, sendo 61,9% deles menores de 10 anos. A maioria dos contatos soropositivos apresentou prova tuberculínica reatora. Os dados sugerem que a prova tuberculínica possa ser útil na maioria dos casos de infecção latente por tuberculose, mesmo naqueles infectados pelo HIV.
Palavras-chave:
adolescentes, criança, prova tuberculínica, tuberculose.
ABSTRACT
We describe the tuberculin skin testing (TST) results tuberculosis contacts using a database of the State Secretary of Health of Rio de Janeiro, Brazil. 2,441 (97%) contacts had a TST ≥ 5mm, 61.9% being < 10 years. Most of the HIV + contacts had a positive TST. Our data suggest that TST is useful in a most of TB latent infection cases, even in HIV infected ones.
Keywords:
adolescents, child, tuberculin skin test, tuberculosis.
RESUMEN
Los autores analizan resultados de la prueba tuberculínica en contactos de tuberculosis con base en el banco de datos de la Secretaría de Estado de Salud de Río de Janeiro (SES-RJ). Había 2.441 (97%) contactos con prueba tuberculínica ≥ 5mm, siendo el 61,9% de ellos menores de 10 años. La mayoría de los contactos seropositivos presentó prueba tuberculínica reactiva. Los datos sugieren que la prueba tuberculínica puede ser útil en la mayoría de los casos de infección latente por tuberculosis, mismo en aquellos infectados por el VIH.
Palabras-clave:
adolescente, niño, prueba de tuberculina, tuberculosis.
Embora o Brasil tenha um alto nível de vacinação em recém-nascidos, a prova tuberculínica ainda pode ajudar a identificar infecção tuberculosa latente (ITBL) levando-se em consideração a vacinação BCG prévia, situações de imunossupressão e a idade da criança1-4.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a terapia preventiva com isoniazida (TPI) para os indivíduos infectados pelo HIV desde que a TB ativa seja afastada3,5,6.
Visando descrever os resultados da prova tuberculínica em contatos com idades inferiores a 18 anos e em um subgrupo testado posteriormente para o HIV, utilizou-se o banco de dados da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ). Havia registro de ILTB notificados em crianças e adolescentes (0 a 18 anos) submetidos à TPI no período de janeiro de 2006 a dezembro de 2009. Todos eram assintomáticos com radiografias de tórax normais.
Dividiu-se a reação à prova tuberculínica em quatro grupos: ≥ 15 mm; 10 a 14 mm; 5 a 9 mm e < 5 mm. Posteriormente, os resultados foram reagrupados como: não-reatores (< 5 mm) e reatores (≥ 5 mm)6,8 e em crianças (< 10 anos) e adolescentes (> 10 anos)4. Uma subamostra de indivíduos havia sido submetida concomitantemente ao teste anti-HIV. A análise estatística baseou-se na descrição das variáveis categóricas por frequência. Empregou-se o odds ratio (OR) para medir a associação entre os resultados da prova tuberculínica e anti-HIV. O nível de significância foi fixado em 5%.
Foram notificados 2668 casos de ILTB, dos quais 1.344 (50,4%) eram do sexo feminino. A distribuição por idade foi: 329 (12,3%) com idades até 1 ano e 11 meses; 1.382 (51,8%) de 2 a 9 anos e 11 meses; e 957 (35,9%) de 10 a 18 anos e 11 meses. Quase todos os casos (n = 2.534; 94,60%) tinham recebido a vacina BCG. O total de 2.528 (95%) foi submetido à prova tuberculínica. Destes, 1.412 (55,85%) foram reatores ≥ 1 5 mm; 965 (38,17%) com 10 ≤ 14 mm; 64 (2,54%) com 5 ≤ 9 mm e 87 (3,44%) não reatores (< 5 mm). A dicotomização da prova tuberculínica mostrou: 2.441 (97%) contatos reatores (> 5 mm). Destes, 1.511 (61,90%) tinham idades ≤ 9 anos e 11 meses, isto é, tratavam-se de crianças.
Cento e cinco indivíduos foram testados para o HIV. A Figura 1 mostra os resultados da prova tuberculínica na amostra geral e no subgrupo testado para o HIV. Entre os infectados com HIV, 35/54 (64,81%) foram reatores e 19/54 (35,19%) não reatores. Entre os não infectados pelo HIV, 39/44 (89%) eram reatores e 5/44 (11%) não reatores (OR = 0,24 [IC 95%: 0,08-0,70]; p = 0,006).
Figura 1. Fluxograma com a descrição de 2668 contatos avaliados no Rio de Janeiro em relação à prova tuberculínica e a testagem para HIV.
Nossos dados mostram que a prova tuberculínica foi três vezes mais reatora entre os não infectados pelo HIV do que entre os infectados. No entanto, apesar da esperada anergia causada pelo HIV, a reação à prova tuberculínica foi observada em 65% dos indivíduos infectados pelo HIV numa população urbana na qual a TB é endêmica e a cobertura vacinal pelo BCG é elevada.
Quando os dados foram colhidos, as normas brasileiras indicavam a testagem para HIV somente nos casos suspeitos, como era recomendado pela OMS7. Por outro lado, é possível que a imunossupressão dos contatos infectados pelo HIV não fosse grave, pois todos foram atendidos ambulatorialmente.
A partir de 2014, devido à falta universal de PPD, a OMS, nas suas diretrizes dirigidas a países de elevada e média renda, recomenda que a prova tuberculínica e os interferon gamma release assays (IGRAs) possam ser usados para diagnóstico de ILTB. No Brasil ainda não se recomenda os IGRAs na rotina. Na Europa há articulações para dispor novamente do PPD, pois a utilização dos IGRAs ficaria restrita a países que possam arcar com os elevados custos desse insumo e onde a incidência de TB seja baixa. Os IGRAS não superam a prova tuberculínica em sensibilidade e não deveriam ser empregados isoladamente para afastar o diagnóstico de TB em pessoas infectadas pelo HIV ou crianças pequenas8-12.
Assim, nossos dados mostram que a prova tuberculínica pode ser útil na maioria dos casos de ILTB, mesmo naqueles infectados pelo HIV.
Embora a maioria dos contatos infectados pelo HIV fossem reatores à prova tuberculínica, cabe reiterar a orientação da OMS, seguida no Brasil, de iniciar a TPI nos contatos infectados pelo HIV sem necessidade de realização de prova tuberculínica, após afastada a possibilidade de TB em atividade4.
REFERÊNCIAS
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1. Editora adjunta da revista Residência Pediátrica
2. Editor científico da revista Residência Pediátrica
3. Gerente de Pneumologia Sanitária - Secretaria de Estado de Saude do Rio de Janeiro (SES-RJ)
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