Ética - Ano 2016 - Volume 6 - Número 3
O consentimento livre e esclarecido no paciente pediátrico
Free and informed consent of pediatric patients
El consentimiento libre y clarificado en el paciente pediátrico
O paciente pediátrico, assim como qualquer outro, deve ter o direito de, dentro de sua capacidade de discernimento, decidir sobre as práticas diagnósticas e/ou terapêuticas a que quer ser submetido, garantindo, assim, seu direito à autonomia.
Na criança e no adolescente o grau discernimento, e, consequentemente, a sua autonomia, são sempre limitados pela sua capacidade de compreender, que varia com sua idade e seu grau de amadurecimento.
O Parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 25 de 2013, diz que: "com relação aos pacientes adolescentes há o consenso internacional, reconhecido pela lei brasileira, de que entre os 12 e 18 anos, estes já têm sua privacidade garantida, principalmente se com mais de 14 anos e 11 meses, considerados maduros quanto ao entendimento e cumprimento das orientações recebidas... o conceito de adolescente maduro, entretanto, pode, de acordo com a avaliação do profissional, não se restringir somente à faixa etária, posto que no dinamismo que caracteriza esta fase do desenvolvimento a maturação pode sofrer variação decorrente de influências socioambientais e pessoais".
O Código de Ética Médica mostra grande preocupação com os princípios bioéticos, aí incluída a autonomia do paciente. Tanto que em seu Capítulo V, Relação com pacientes e familiares, diz, em seu Artigo 34, que: "é vedado ao médico deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal". No mesmo capítulo, no artigo 42, o código reza que: "é vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre método contraceptivo, devendo sempre esclarecê-lo sobre indicação, segurança, reversibilidade e risco de cada método".
Em ralação ao paciente pediátrico, o Código de Ética Médica mostra, igualmente, preocupação com o seu direito a autonomia. No Capítulo IX, Sigilo profissional, diz, em seu Artigo 74, que: "é vedado ao médico revelar sigilo profissional relacionado a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou representantes legais, desde que o menor tenha capacidade de discernimento, salvo quando a não revelação possa acarretar dano ao paciente".
Já no Capítulo VII, Ensino e Pesquisa Médica, diz, em seu Artigo 101, que: "é vedado ao médico, deixar de obter do paciente ou de seu representante legal o termo de consentimento livre e esclarecido para a realização de pesquisa envolvendo seres humanos, após as devidas explicações sobre a natureza e as consequências da pesquisa. Parágrafo único. No caso de o sujeito da pesquisa ser menor de idade, além do consentimento de seu representante legal, é necessário seu assentimento livre e esclarecido na medida de sua compreensão".
Consentimento é o ato ou efeito de consentir; a manifestação que autoriza algo. Já assentimento é o ato de assentir, concordar, dar anuência. Assentir é permitir, admitir, aprovar.
O assentimento da criança e do adolescente, assim como o consentimento do adulto, deve ser igualmente, livre e esclarecido.
O Artigo 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente diz que: "o poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência".
O consentimento informado deverá ser solicitado ao pai e à mãe, exceto se um deles ou ambos perderam esse direito. Se, pelas inúmeras formas de seus familiares hoje existentes ou mesmo pela ausência desta estrutura, não pudermos obter o consentimento, precisaremos recorrer à via judicial.
Devemos entender que precisamos respeitar o direito de autonomia das crianças e dos adolescentes. Como disse Paulo Freire, em seu livro Pedagogia da autonomia: "O respeito à autonomia e à dignidade é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros". Pais (responsáveis), educadores e nós, médicos, deveríamos ter sempre isto em mente ao lidarmos com indivíduos dessa faixa etária.
Autonomia, do grego autônomos (de autos, "por si próprio", e nomos, "lei"), é a capacidade do indivíduo gerir a sua vida, valendo-se de seus próprios meios, vontades e princípios. Talvez a grande dificuldade para uma maior autonomia de crianças e adolescentes seja os pais entenderem que não são "donos" dos filhos e sim os responsáveis por zelar e proteger os legítimos interesses daqueles.
Precisamos encarar crianças e adolescentes como seres com direitos e deveres, respeitando sempre o seu nível de discernimento e grau de amadurecimento.
Em 2014, nos defrontamos com a tradução de um trecho de postagem no perfil do Facebook do inglês Reece Puddington, de 11 anos de idade. Ele avisava, a seus mais de 24.000 seguidores, que abandonaria o tratamento contra o câncer, em um texto intitulado "The beginning of the end". No texto ele dizia que "minha mãe sempre esperou, nos últimos 5-6 anos, o momento em que precisaria ter coragem para entender que "basta" significasse "basta". Após cuidadosa consideração, ela percebeu que, se fosse por ela, continuaria a me levar para o tratamento e não me deixaria ir, mas se fosse por mim, ela me deixaria partir. Bem, ela está me deixando ir".
Para terminar, deixo para reflexão notícia do jornal holandês Het Nieuwsblad, que publicou que em 17 de setembro de 2016, na Bélgica, a eutanásia foi praticada, pela primeira em um menor, por força de uma lei de 2014. O nome e a idade do paciente não foram divulgados. A Bélgica é o único país no mundo que autoriza, sem limite de idade, menores "com capacidade de discernimento" e que sofram de uma doença incurável a optar por abreviar o sofrimento, desde que o paciente esteja em "sofrimento físico constante e insuportável que não pode ser atenuado e que resulta de uma doença acidental ou patológica grave e incurável". A criança ou adolescente tem de assumir a iniciativa do pedido, que é estudado por uma equipa médica e psiquiátrica ou psicológica independente. Os pais também precisam dar o seu consentimento.
REFERÊNCIAS
1. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 40. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009.
Professor Assistente da Universidade Iguaçu. Curso de Saude da Criança e do Adolescente. Curso de Bioética Medica, Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Endereço para correspondência:
Carlindo de Souza Machado e Silva Filho
Universidade Iguaçu
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