ISSN-Online: 2236-6814

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Relato de Caso - Ano 2017 - Volume 7 - Número 2

Kawasaki e fatores de risco para pior prognóstico

Kawasaki and risk factors for worse prognosis
Kawasaki y factores de riesgo para peor pronóstico

RESUMO

A doença de Kawasaki é uma vasculite sistêmica aguda, de etiologia ainda desconhecida. Atualmente, vem substituindo a febre reumática como a principal causa de cardiopatia adquirida na infância, em países desenvolvidos. Seu diagnóstico é baseado na presença de critérios clínicos, são eles: febre por cinco dias, conjuntivite bilateral não exsudativa, alterações dos lábios e mucosa oral, exantema polimórfico, linfadenopatia cervical, eritema e edema de mãos e pés com descamação periungueal. Possui como principal temor a formação dos aneurismas de coronárias. O objetivo do relato deste caso é chamar atenção para os fatores que podem favorecer a formação destes aneurismas e até mesmo o seu recrudescimento.

Palavras-chave: reumatologia, vasculite, reumatoide, vasculite sistêmica, aneurisma.

ABSTRACT

Kawasaki disease is an acute systemic vasculitis of unknown etiology. Currently, it has been replacing rheumatic fever as the main cause of acquired childhood heart disease in developed countries. Its diagnosis is based on the presence of clinical criteria: fever for five days, non-exudative bilateral conjunctivitis, lip and oral mucosa alterations, polymorphic exanthema, cervical lymphadenopathy, erythema and edema of hands and feet with periungual scaling. It has as its main fear the formation of coronary aneurysms. The objective of the report of this case is to draw attention to the factors that may favor the formation of these aneurysms and even their resurgence.

Keywords: rheumatology, vasculitis, rheumatoid vasculitis, systemic vasculitis, aneurysm.

RESUMEN

La Enfermedad de Kawasaki (DK) es una vasculitis sistémica aguda, de etiología todavía desconocida. Actualmente ha sustituido la fiebre reumática como la principal causa de cardiopatía adquirida en la infancia, en países desarrollados. Su diagnóstico se basa en la presencia de criterios clínicos, son ellos: fiebre por cinco días, conjuntivitis bilateral no exudativa, alteraciones de los labios y mucosa oral, exantema polimórfico, linfadenopatía cervical, eritema y edema de manos y pies con descamación periungueal. Posee como principal temor la formación de los aneurismas de coronarias. El objetivo del relato de este caso es llamar la atención para los factores que pueden favorecer la formación de estos aneurismas y hasta su recrudecimiento.

Palabras-clave: reumatóloga, vasculitis, vasculitis reumatoide, vasculitis sistémica, aneurisma.


INTRODUÇÃO

A doença de Kawasaki (DK) é uma vasculite aguda e multissistêmica que acomete vasos pulmonares, cerebrais, cardíacos e de outros órgãos, de pequeno e médio calibres1,2.

O primeiro relato ocorreu em 1967 pelo pediatra Tomisaku Kawasaki, no Japão1. Desde então, nota-se um aumento no diagnóstico da doença. Atualmente, estima-se que a DK atinja cerca de 1-10/1000 na população mundial1,2 e substituiu a febre reumática como principal causa de doença cardíaca adquirida na infância em países desenvolvidos1,3,4.

A DK acomete, principalmente, crianças entre 6 meses e 5 anos de idade, com 80% dos casos nesta faixa etária e discreto predomínio no sexo masculino 1,5:11,2. Sua etiologia permanece desconhecida. Acredita-se que fatores autoimunes, bem como agentes infecciosos e suscetibilidade genética estejam envolvidos em sua fisiopatologia1,3,4.

Por não haver indícios conclusivos acerca da etiologia da doença, o diagnóstico é realizado baseado em critérios clínicos. São eles: febre > 39ºC por mais de 5 dias (critério mandatório) somada a pelo menos 4 de 5 dos seguintes critérios: hiperemia conjuntival bilateral; alterações nas membranas mucosas da orofaringe (lábios hiperemiados e/ ou fissurados ou língua “em morango”); alterações cutâneas, incluindo eritema palmoplantar e/ou edema das mãos e pés (na fase aguda) ou descamação periungueal (na fase de convalescença); exantema polimorfo, principalmente em tronco, mas nunca vesicular; linfonodomegalia cervical, com pelo menos um linfonodo > 1,5 cm5.

A principal complicação da doença é a formação dos aneurismas de coronárias.

O tratamento da DK deve ser iniciado precocemente, de preferência nos primeiros 10 dias da doença, com o objetivo de reduzir rapidamente a inflamação e, dessa forma, diminuir o risco de sequelas coronarianas. As duas drogas utilizadas com esses objetivos são a imunoglobulina intravenosa (IGIV), na dose de 2 g/kg, e o ácido acetilsalicílico (AAS) na dose anti-inflamatória (80-100 mg/kg/dia), com posterior redução do AAS para 3-5 mg/kg/dia, a fim de se obter um efeito antiagregante plaquetário5.

O objetivo deste relato é descrever um caso de doença de Kawasaki que apresentou aneurismas na sua evolução, mesmo com diagnóstico precoce e tratamento no período recomendado e alertar para os fatores prognósticos que favorecem à formação de aneurismas.


RELATO DE CASO

M.A.S., 8 meses, branco, sexo masculino, iniciou quadro de febre alta persistente, vômitos e diarreia. Após 24 horas, apresentou exantema maculopapular generalizado, com predomínio em região palmar. Procurou atendimento médico no 3º dia de evolução, feita hipótese diagnóstica de infecção de vias aéreas superiores (IVAS) e iniciada amoxicilina via oral (VO). Porém, como não apresentava melhora da febre e dos outros sintomas foi levado novamente para avaliação médica no 4º dia de tratamento (7º dia de evolução), sendo então internado com diagnóstico de gastroenterite aguda (GEA) e transferido para o nosso serviço.

Na internação apresentava-se com febre alta, fácies de sofrimento agudo, irritabilidade intensa, hiperemia labial e conjuntival, discreto exantema difuso e edema dorsal de mãos e pés (Figuras 1 e 2). Os exames laboratoriais mostravam anemia (hematócrito 22%), leucocitose (leucócitos 14.700/uL), trombocitose (plaquetas > 1.000.000/uL), aumento de provas de atividade inflamatória (PCR 108 mg/dL), hipoalbuminemia (albumina 3,1 g/dL).


Figura 1. Hiperemia labial, conjutivial e discreto exantema.


Figura 2. Edema dorsal de mãos.



Como o lactente apresentava cinco dos seis critérios diagnósticos da DK foi iniciada Imunoglobulina IV (2 g/kg) e AAS em dose anti-inflamatória (100 mg/kg/dia) no primeiro dia de internação. Paciente apresentou melhora clínica expressiva, mantendo-se afebril após 24h do tratamento. Por volta do 15º dia de evolução o lactente apresentou descamação periungueal em dedos de mãos e pés.

Ecocardiograma realizado na internação foi normal, porém o mesmo exame feito após uma semana de internação evidenciou dilatação no óstio da coronária esquerda (4 mm). Após 9 dias de internação, recebeu alta em uso de AAS (3-5 mg/kg/dia) e orientação para acompanhamento ambulatorial com reumatologista e cardiologista pediátricos.

O ecocardiograma realizado após 9 meses de tratamento não apresentava mais anormalidades, assim como os demais exames de seguimento.


DISCUSSÃO

No caso relatado acima, observamos que o paciente apresentou o quadro típico de DK, pois preenchia os critérios necessários para o diagnóstico. Não existe um exame específico para o diagnóstico da DK, o qual é feito pela presença dos sinais e sintomas clínicos descritos anteriormente. Vale ressaltar que os critérios diagnósticos geralmente não são concomitantes, o que frequentemente dificulta o diagnóstico1-3.

Recebemos o paciente ainda na fase aguda da doença, tendo sido administrado IGIV no mesmo dia. Estudos sugerem que a IGIV, quando iniciada na fase aguda, é eficaz em reduzir o risco de aneurisma das artérias coronárias em até 20%, além de alterar sua evolução trifásica e reduzir a duração da doença. Porém, mesmo com o tratamento adequado, o risco de acometimento coronariano ainda ocorre em 4-5% dos pacientes.

A evolução trifásica da DK consiste em: a) fase aguda, acontecem os sinais e sintomas que caracterizam a doença e pode perdurar de 1-2 semanas; b) fase subaguda: 2-4 semanas, quando ocorre a defervescência, trombocitose mais expressiva e é a fase onde ocorre o maior risco de complicações coronarianas, como os aneurismas; c) fase da convalescência: 6-8 semanas (pode-se prolongar por meses), na qual há recrudescimento dos sinais e sintomas e normalização dos marcadores laboratoriais de inflamação e da trombocitose5.

Nosso paciente evoluiu com uma das principais complicações da DK, o aneurisma de coronária. Harada atribuiu alguns fatores que podem estar associados a um maior risco de ocorrência de aneurisma coronariano e estabeleceu um escore (Escore de Harada), que embora não seja amplamente aceito pela literatura, poderia auxiliar na previsão da formação dos aneurismas de coronárias. Segundo tal escore, a presença de quatro dos cinco critérios seguintes indica alto risco de acometimento coronariano: idade menor de 1 ano, sexo masculino, leucocitose acima de 12 mil, plaquetas acima de 350 mil, hematócrito abaixo de 35%, albumina menor que 3,5 g/dl, PCR acima de 3 mg/dl6 (Tabela 1).




Nota-se que o paciente do caso relatado preenchia todos os critérios desse escore, o que pode explicar a sua evolução, pois mesmo tendo iniciado o tratamento no 7º dia de doença, ou seja, ainda na fase aguda, o lactente evoluiu com aneurisma de coronária. Sabe-se que 4% desses pacientes podem apresentar aneurismas de coronárias, mesmo quando adequadamente tratados nos primeiros 10 dias de doença, ainda na fase aguda7.

No caso relatado houve regressão do aneurisma após 9 meses de evolução. A literatura evidencia que a baixa idade, pequenas dilatações coronarianas e o início precoce da terapia com IGIV são fatores que poderiam influenciar no prognóstico evolutivo das lesões coronarianas, o que poderia justificar a regressão dos aneurismas do nosso paciente. A literatura descreve que os aneurismas coronarianos podem regredir em até 50 a 70% dos casos nos primeiros 2 anos após o início de doença7.

Alguns fatores favorecem esta regressão, como a idade mais jovem, sexo feminino, aneurismas fusiformes e/ ou distais. Caso não haja regressão após este período, as lesões podem se transformar em estenoses ou apresentar trombos, com alto risco de doença isquêmica coronariana. Portanto, recomenda-se que todos os pacientes com DK sejam acompanhados pelo período de três a cinco anos com cardiologista e reumatologista pediátricos e realizem exames de ecocardiograma e eletrocardiograma.

Outro pilar do tratamento da DK é a administração de AAS. Inicialmente, utiliza-se a aspirina em doses anti-inflamatórias (80-100 mg/kg/dia) por cerca de 48-72h até o paciente tornar-se afebril ou por 14 dias após o início dos sintomas. Após a febre cessar, reduz-se a dose do medicamento para níveis antiagregantes plaquetários (3-5 mg/kg/dia), a qual deverá ser mantida por pelo menos 6-8 semanas (pacientes sem aneurismas) ou a longo prazo a depender do acometimento coronariano1-3,5,8, pelo resto da vida se o aneurisma persistir, ou por cerca de 2 anos após a normalização das lesões coronarianas pelo ecocardiograma, com o objetivo de prevenir a formação de trombos.

Aproximadamente 10 a 20% dos pacientes com DK são refratários a esta primeira dose de IGIV. Nestes pacientes é aconselhada a repetição da dose de imunoglobulina, na mesma posologia. Pode-se associar corticosteroides sistêmicos à segunda dose da IGIV, pois pesquisas mostram que auxilia na redução mais eficaz dos marcadores inflamatórios e da febre. Novos estudos indicam o uso eficaz de agentes imunossupressores, como infliximab e plasmaférese9,10.


CONCLUSÃO

A DK é uma vasculite aguda, autolimitada, de etiologia ainda desconhecida. Atualmente, é a principal causa de cardiopatia adquirida na faixa etária pediátrica nos países desenvolvidos, o que torna o seu diagnóstico precoce e o tratamento adequado essenciais para tentar prevenir a formação dos aneurismas coronarianos, temida complicação da doença.

Mesmo quando o tratamento é realizado adequadamente, ainda existe um risco de 4% dos pacientes apresentarem comprometimento cardíaco. Este risco aumenta em pacientes de tenra idade, principalmente os menores de 1 ano, nos quais a ocorrência de complicação coronariana é mais notável, fazendo-se necessário sempre o rastreio ecocardiográfico para detecção precoce e tratamento direcionado. No entanto, apesar de temido, o acometimento coronariano em crianças com DK pode ser transitório, cerca de 50 a 70% podem regredir nos primeiros 2 anos de doença, principalmente com o uso da IGIV e/ou os biológicos, o que não exclui a necessidade de seguimento a longo prazo, pelo risco de desenvolver doença coronariana no futuro5.


REFERÊNCIAS

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1. Médico - Médico Residente de Pediatria do Hospital Municipal da Piedade
2. Médico Pediatra - Médico Residente de Alergia e Imunologia Pediátrica HSE
3. Médica Pediatra - Médica Residente de Pneumologia Pediátrica IPPMG-UFRJ
4. Médica Pediatra - Coordenadora do Programa de Residência Médica em Pediatria do HMP
5. Reumatologista Pediátrica

Endereço para correspondência:
Thales Araujo de Oliveira
Hospital Municipal da Piedade
Rua da Capela, nº 96
Rio de Janeiro - RJ. Brasil. CEP: 20740-310

Data de Submissão: 16/12/2016
Data de Aprovação: 27/02/2017