ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2018 - Volume 8 - Número 1

Esquemas de tratamento da tuberculose na infância e eventos adversos relacionados

Treatment regimens for tuberculosis in children and related adverse effects
Esquemas de tratamiento de la tuberculosis en la infancia y eventos adversos relacionados

RESUMO

A terapêutica inicial da tuberculose em crianças, recomendada pela OMS, é comparável aos regimes dos adultos, com terapia por seis meses com uso de múltiplas drogas em tratamento diretamente observado. A instituição rápida do tratamento em crianças com menor idade é imprescindível, devida à possibilidade de disseminação rápida da doença, sequelas graves e óbito. As crianças e adolescentes de um modo geral, toleram muito bem a utilização de fármacos antituberculose. Este artigo se propõe a revisar os principais esquemas terapêuticos, posologias e eventos adversos associados às drogas que compõem os esquemas de tratamento de primeira linha para tuberculose na infância, além de apresentar recomendações práticas para seguimento de crianças e adolescentes em tratamento. Foram revisadas as diretrizes atuais da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde do Brasil, como também, artigos referentes aos esquemas terapêuticos utilizados e seus principais eventos adversos. A literatura revisada descreve que, nas dosagens recomendadas, os fármacos antituberculose são bem toleradas na população pediátrica, os eventos adversos graves são raros e a maioria transitórios. A frequência de efeitos tóxicos pode estar relacionada à gravidade da doença tuberculosa. A isoniazida é o fármaco mais extensivamente estudado e utilizado nas crianças, por ser também utilizada no tratamento da tuberculose latente. A hepatotoxicidade é o principal evento adverso descrito. Na sua grande maioria, quando o tratamento é instituído de forma adequada, transcorre sem eventos adversos importantes que necessitem suspender à terapêutica. É necessário alto índice de suspeição para realizar o diagnóstico e consequentemente o tratamento adequado visando contribuir para alterar, em longo prazo, o curso da doença na idade pediátrica.

Palavras-chave: tuberculose, tratamento, criança, adolescentes.

ABSTRACT

The World Health Organization (WHO) recommends an initial treatment regimen for tuberculosis in children that is comparable to that for adults, with directly monitored multiple-drug therapy for 6 months. Early initiation of treatment in younger children is essential due to the possibility of rapid dissemination of the disease, severe sequelae, and death. Children and adolescents usually tolerate antituberculosis drugs very well. This article aims to review the main therapeutic regimens, dosages, and adverse effects associated with first-line drugs used in treatment regimens for tuberculosis in children and to provide some practical recommendations for the follow-up of children and adolescents undergoing treatment. The article reviews current guidelines from the WHO and the Brazilian Ministry of Health as well as currently used therapeutic regimens and their main adverse effects. The reviewed literature states that at recommended doses, antituberculosis drugs are well tolerated by the pediatric population, and severe adverse effects are rare and mostly temporary. The frequency of toxic effects may be related to disease severity. Isoniazid is the most extensively studied drug and the most commonly used in children because it is also used in the treatment of latent tuberculosis. Liver toxicity is the primary described adverse effect. In most cases, when treatment is started adequately on time, it proceeds without severe adverse effects that require the therapy to be suspended. A high degree of suspicion is required to establish the diagnosis and consequently the adequate treatment, aiming for a long-term change in the course of the disease in children.

Keywords: tuberculosis, therapeutics, child, adolescent.

RESUMEN

La terapia inicial de la tuberculosis en niños, recomendada por la OMS, es comparable a la del tratamiento para adultos, con terapia por seis meses con el uso de múltiples drogas en tratamiento directamente observado. La implementación rápida del tratamiento en niños con menor edad es imprescindible, debido a la posibilidad de una diseminación rápida de la enfermedad, secuelas graves y óbito. Los niños y adolescentes de un modo general, toleran muy bien la utilización de fármacos antituberculosos. Este artículo se propone para revisar los principales esquemas terapéuticos, posologías y eventos adversos asociados a las drogas que componen los esquemas del tratamiento de primera línea para la tuberculosis en la infancia, además de presentar recomendaciones prácticas para el acompañamiento de niños y adolescentes en tratamiento. Fueron revisadas las directrices actuales de la Organización Mundial de la Salud y del Ministerio de Salud de Brasil, como también, artículos referentes a los esquemas terapéuticos utilizados y sus principales eventos adversos. La literatura revisada describe que, en dosis recomendadas, los fármacos antituberculosos son bien tolerados en la población pediátrica, los eventos adversos graves son raros y la mayoría transitorios. La frecuencia de efectos tóxicos puede estar relacionada a la gravedad de la enfermedad tuberculosa. La isoniazida es el fármaco más extensivamente estudiado y utilizado en niños, por ser también utilizado en el tratamiento de la tuberculosis latente. La hepatotoxicidad es el principal evento adverso descripto. En su gran mayoría, cuando el tratamiento es instituido de forma adecuada, transcurre sin eventos adversos importantes sin que se necesiten la suspensión de la terapia. Es necesario un alto índice de sospecha para realizar el diagnóstico y consecuentemente el tratamiento adecuado buscando contribuir para alterar, a largo plazo, el curso de la enfermedad en la edad pediátrica.

Palabras-clave: tuberculosis, tratamiento, niño, adolescentes.


INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que em 2015, 950 mil crianças e adolescentes menores de 15 anos desenvolveram tuberculose (TB), representando 10% de todos os casos, e aproximadamente 210 mil morreram como resultado da doença1. Em relação à epidemia global de TB infantil, há um consenso que existe uma grande proporção de crianças não diagnosticadas e consequentemente não tratadas2-4 provavelmente pelo fato que por muitos anos os programas de controle da doença apresentavam enfoque apenas nos adultos com doença pulmonar bacilífera, além das dificuldades da confirmação do diagnóstico na infância.

A TB, doença causada pelo Mycobacterium tuberculosis de distribuição mundial, apresenta características variáveis de acordo com a região, devidos aos fatores socioeconômicos, ao perfil de resistência às drogas, à interrelação com outras epidemias, tais como HIV/AIDS, e à prevalência da doença1.

Entre as crianças expostas e infectadas pelo Mycobacterium tuberculosis, as de menor idade (menores de 5 anos) apresentam um risco maior de evoluir para doença ativa5,6. Como também, possuem uma maior probabilidade de desenvolver formas graves, como a meningite tuberculosa, e apresentam uma mortalidade mais elevada quando comparadas às crianças de maior idade (5 a 14 anos)6-8.

A terapêutica inicial da TB pediátrica, recomendada pela OMS, é comparável aos regimes dos adultos, com terapia por seis meses com uso de múltiplas drogas em tratamento diretamente observado9. A instituição rápida do tratamento em crianças de menor idade é imprescindível, devida à possibilidade de disseminação rápida da doença, sequelas graves e óbito10.

As crianças e adolescentes de um modo geral, toleram muito bem a utilização de fármacos antituberculose quando empregados nas dosagens atualmente recomendadas. Sintomas leves, como náuseas e vômitos, são incomuns e eventos adversos graves são raros. A infecção pelo HIV e a desnutrição podem aumentar a frequência de eventos adversos à terapia antituberculosa.

Este artigo se propõe a revisar os principais esquemas terapêuticos, posologias e eventos adversos associados às drogas que compõem os esquemas de tratamento de primeira linha para TB na infância, além de apresentar recomendações práticas para seguimento de crianças e adolescentes em tratamento.

Foram revisadas as diretrizes atuais da OMS e do Ministério da Saúde do Brasil (MS-Brasil), como também, os artigos referentes ao uso de esquemas terapêuticos utilizados e os principais eventos adversos aos fármacos de primeira linha.

Esquema de tratamento para tuberculose na infância

O melhor esquema de tratamento para tuberculose deverá atender as seguintes recomendações: atividade bactericida precoce, capacidade de prevenir a emergência de bacilos resistente e ter atividade esterilizante11. O tratamento para TB pulmonar sensível e formas extra-pulmonar (exceto meningoencefálica) preconizado pelo MS-Brasil em crianças menores de 10 anos consiste em uma fase de ataque de 2 meses: com rifampicina, isoniazida e pirazinamida e uma fase de manutenção de 4 meses: com rifampicina e isoniazida. Em crianças maiores de 10 anos, o esquema de tratamento, é acrescido do etambutol na fase de ataque11. Os quadros 1 e 2 apresentam a posologia de acordo com faixa etária e peso.







No tratamento da meningoencefalite tuberculosa e da TB óssea, a OMS orienta a ampliação da fase de manutenção para 10 meses; portanto, o tempo total de tratamento será de 12 meses (quadro 3). No tratamento da meningite tuberculosa deverá ser acrescido ao esquema corticosteróides que visam melhorar a sobrevivência e reduzir a mortalidade. Os mais utilizados são a prednisona ou a prednisolona (1-2mg/kg/dia), podendo nos casos mais graves, ser prescrito até 4mg/kg/dia, com dosagem máxima de 60mg/dia durante 4 semanas. Em pacientes graves poderá ser utilizado corticosteróides endovenoso como a dexametasona na dose de 0,3 a 0,4 mg/kg/dia por 4 a 8 semanas. A dose deverá ser reduzida gradualmente nas últimas 2 semanas até ser suspensa. Nestes casos é de fundamental importância a reabilitação precoce do paciente com fisioterapia motora visando reduzir a morbidade11.




Fármacos antituberculose de primeira linha Isoniazida

A isoniazida possui um amplo poder bactericida, com atividade em todas as populações bacilares sensíveis intracavitárias, nos granulomas ou intracelulares. Apresenta elevada solubilidade em água, com maior estabilidade em pH 6,6. Apresenta distribuição em todos os fluídos e tecidos corporais incluindo sistema nervoso central12. Os eventos adversos mais importantes descritos na literatura são neurológicos e hepáticos, ambos raros em crianças. Os níveis séricos da medicação em crianças e adultos dependerão da velocidade de acetilação (rápida, intermediária ou lenta), determinada pela N-acetiltransferase genótipo-2 que difere entre os grupos étnicos13. As crianças são consideradas acetiladoras rápidas. No paciente considerado acetilador lento tem-se observado uma maior presença de efeitos adversos.

A hepatite induzida por isoniazida como causa de insuficiência hepática grave é rara em crianças que receberam doses habituais de 10mg/kg/dia14. Nos primeiros meses de terapia são observados aumentos de transaminases subclínica e assintomática (5-10%)15. Entretanto, hepatoxicidade sintomática grave resultando na descontinuidade da terapia é incomum nesta faixa etária.

A isoniazida compete com a vitamina B6 (piridoxina) na sua ação como cofator na síntese de neurotransmissores. Sintomas neurológicos como neuropatita periférica, ataxias e parestesias dependerão da dose utilizada do fármaco.

Os pacientes pediátricos são menos susceptíveis ao desenvolvimento de deficiências de piridoxina quando comparadas aos adultos, mesmos em uso de doses de 20mg/kg/dia. Em estudos com crianças no Zaire e na África do Sul recebendo doses de 3-15mg/kg/dia não foram identificados casos de deficiência de piridoxina16. A OMS não recomenda rotineiramente a suplementação com piridoxina, exceto nas crianças com deficiência nutricional grave, lactentes e naquelas vivendo com HIV/AIDS9.

No Brasil, isoniazida é encontrada em formulações de comprimidos de 100mg ou em associações com as demais drogas, conforme descritas no Quadro 4. Alguns centros utilizam para crianças a isoniazida de forma manipulada. Porém nestes casos deve-se ficar atento ao tempo de validade e garantia de eficácia da droga. No ano de 2016 foram liberadas novas formulações pediátricas, ainda não disponíveis no Brasil, os comprimidos dispersíveis em água. A vantagem desta apresentação consiste na melhor palatabilidade, facilidade de preparação pelos responsáveis e disponibilidade de formulações combinadas com outras drogas, a exemplo das utilizadas na população adulta. O Quadro 4 apresenta as novas formulações.




Rifampicina

A rifampicina possui um amplo poder bactericida e o maior poder esterilizante dentre os antituberculostáticos. É a droga que permite que o tratamento seja realizado em seis meses; esquemas especiais, quer por eventos adversos ou tolerabilidade, e que não contenham rifampicina devem ser estendidos para um ano. Trata-se de um fármaco altamente lipofílico, com distribuição em sistema nervoso central, quando há inflamação e consequentemente quebra da barreira hemato-encefalica, metabolizado principalmente no ciclo entero-hepática17.

A rifampicina é um indutor potente de várias enzimas metabolizadoras de drogas, bem como a P-glicoproteína transportadoras de efluxo das drogas, o que altera o nível sérico de vários medicamentos, interferindo na eficácia terapêutica das outras drogas. As interações medicamentosas resultam da capacidade da rifampicina de induzir o metabolismo do citocromo P450 CYP3A e glucuronidação, acelerando assim a excreção do fármaco e aumentando o efluxo do mesmo, fator contribuinte para reduzir a absorção gastrointestinal de fármacos17. Exemplo que acontece com a utilização concomitante da rifampicina e dos antirretrovirais, onde os níveis séricos dos inibidores de proteases são reduzidos18. Desta forma, determina maior dificuldade no tratamento dos pacientes vivendo com HIV/AIDS co-infectados.

As doses atualmente recomendadas de rifampicina são bem toleradas na faixa pediátrica e a ocorrência de eventos adversos alérgicos ou hepatotóxicos são raros. Por outro lado, os eventos adversos são amplamente descritos em adultos e mais comumente verificados com doses elevadas e intermitentes. Podem ocorrer reações como febre, erupção cutânea, síndrome gripal, eosinofilia e menos frequentemente anemia hemolítica e insuficiência renal aguda19.

No nosso meio, existem formulações de rifampicina em solução (20mg/ml) e em cápsulas (300mg), ou ainda em doses combinadas, conforme descrito no quadro 4.

Pirazinamida

A pirazinamida é obtida como um pó cristalino com baixa solubilidade em água, que forma suspensões que sedimentam facilmente. A droga é ativa em meios ácidos intracelulares ou no interior dos granulomas. Apresenta boa absorção oral e com distribuição em vários tecidos inclusive em sistema nervoso central12. É mais comumente usada em combinação com outros agentes na fase intensiva de tratamento para TB ativa.

Os eventos mais frequentemente observados com o uso da pirazinamida são: intolerância gastrointestinal, hepatotoxicidade, poliartralgia e artrite gotosa, sendo estas últimas mais descritas em adultos e relacionadas à dosagem e duração do tratamento. Existem poucos dados sobre a tolerância e os efeitos adversos da pirazinamida isolada em crianças. Tortajada e colaboradores em 2005 avaliaram o uso de pirazinamida em 86 crianças como parte da combinação de quimioprofilaxia com rifampicina durante 2 meses e não observaram hepatotoxicidade relacionada à terapia20. Anormalidades nas enzimas hepáticas foram infrequentes e transitórias e a droga foi bem tolerada inclusive em esquemas com quimioprofilaxia15,20.

No Brasil, a pirazinamida existe em formulações de solução (30mg/ml), em cápsulas (500mg), ou ainda em doses combinadas, conforme descrito no Quadro 4.

Etambutol

A última droga, das chamadas drogas de primeira linha para o tratamento de TB, o etambutol, apresenta poder bacteriostático e atua em conjunto nos esquemas terapêuticos. Apresenta concentração reduzida em sistema nervoso central9. A utilização em associação com drogas mais potentes é com a finalidade de impedir a emergência de bacilos resistentes. Atualmente no Brasil, é utilizada nos esquemas de tratamento básico das crianças e adolescentes maiores de 10 anos e não faz parte do esquema inicial para as crianças menores de 10 anos, não pelos possíveis efeitos tóxicos, como muitos acreditam, mas sim pelo baixo risco de resistência primária nesta população e pela ausência de formulações disponíveis desse fármaco para faixa etária pediátrica.

O efeito tóxico mais grave do uso do etambutol consiste na neurite retrobulbar que é reversível quando detectada precocemente, sendo a ocorrência deste evento mais relacionada com dose e duração da terapia9. Em uma série com 3811 crianças, em apenas duas (0,05%) que receberam doses de etambutol de 15-30mg/kg, foi necessária a interrupção do uso devido à possibilidade de toxicidade ocular21. Portanto, pela reduzida incidência de eventos adversos encontrados, a OMS apoia a utilização de etambutol em lactentes e crianças considerando o uso seguro e respalda sua utilização nesta faixa etária na dose de 20mg/kg/dia1.

No Brasil, o Etambutol existe apenas em comprimidos revestidos de 400mg, ou ainda em doses combinadas, conforme descrito no Quadro 4.

Tratamento para tuberculose resistente na infância

Falha de tratamento, baixa adesão e mutações espontâneas em cepas de Mycobacterium tuberculosis têm contribuindo para o surgimento de novos casos de tuberculose resistente às drogas11. De acordo com o perfil de sensibilidade do bacilo às diversas drogas utilizadas, à TB é classificada quanto ao tipo de resistência. É denominada de monorresistência quando há resistência à apenas um fármaco e polirresistência quando há a dois ou mais fármacos, exceto à associação rifampicina e isoniazida, onde neste caso é denominada multirresistência (TBMDR). Na presença da resistência à rifampicina e isoniazida acrescida à resistência a uma fluoroquinolona e a um fármaco injetável de segunda linha (amicacina, canamicina ou capreomicina) é classificada como TB extensivamente resistente (TBXDR do inglês, extensively drug resistant)11.

A TB resistente, assim como a susceptível, é curável, porém, o tratamento requer regimes mais prolongados e mais tóxicos e com poucas formulações em soluções para crianças22.

Segundo Kritski e colaboradores, a TB resistente a fármacos está associada a uma elevada taxa de mortalidade, principalmente em crianças e pacientes vivendo com HIV/AIDS23. Estima-se globalmente que no ano de 2014, 25 mil crianças e adolescente desenvolveram tuberculose resistente, embora a grande maioria não tenha sido diagnosticada e tratada adequadamente24,25. Desta maneira, faz-se necessário um esforço adicional para melhorar a detecção da TB resistente nesta população.

A abordagem da TB resistente a fármacos na pediatria é semelhante à de adultos, priorizando regimes encurtados. Entretanto, o uso de agentes antituberculose de segunda linha para crianças é complicado pela ausência de formulações pediátricas para a maioria dos fármacos, podendo ocasionar uma sub ou superdosagem1,10. Em alguns casos, tratamentos especiais e individualizados para a faixa etária pediátrica foram necessários e apresentaram resultados satisfatórios, como descrito em um estudo retrospectivo de 149 crianças com menos de 15 anos de idade com TB resistente a fármacos documentada ou suspeita na África do Sul; os regimes de tratamento incluíram 4 drogas ativas e um agente injetável em 66% dos doentes e administrados por uma média de 13 meses; cura ou cura provável foi obtida em 92% dos pacientes26.

O tratamento da TBMDR requer uso de fármacos de segunda linha, consequentemente com mais eventos adversos e por tempo mais longo. Porém há uma escassez de dados na literatura referente à segurança, tolerabilidade destas drogas em crianças27. De forma geral, o tratamento da TBMDR na população pediátrica apresenta taxas com 80% de sucesso terapêutico quando comparados com as de adultos, com aproximadamente 60%11,26,28. Crianças e adolescentes em uso de esquemas especiais para TB resistente devem ser reavaliadas frequentemente quanto à adesão, resposta ao tratamento e potenciais eventos adversos.

O que é necessário durante o tratamento além das drogas?

Conforme as recomendações da OMS as crianças e os adolescentes devem ser devidamente informados e estimulados a participarem ativamente do tratamento. Adolescentes devem receber atendimento individualizado visando fortalecimento de vínculos e conscientização para a importância da adesão. A avaliação clínica deverá ser mensal, com o ajuste de doses conforme ganho de peso, esclarecimentos, de possíveis eventos adversos e observação da resposta terapêutica. Ao profissional de saúde cabe à importância de avaliar a cada consulta os fatores de risco que possam contribuir para abandono de tratamento.

A estratégia do tratamento diretamente observado (TDO) é recomendada pela OMS para promover a adesão ao tratamento das crianças e completitude do mesmo. Nesta estratégia, um dos pilares se baseia na observação ou administração da medicação por um profissional de saúde, sendo prioritário o apoio dos cuidadores para garantir adesão e consequentemente resposta satisfatória ao tratamento. Vale ressaltar que não é considerado TDO quando apenas os pais supervisionam a tomada da medicação.

Nos casos de TB pulmonar em crianças e adolescentes o controle do tratamento, além de clínico, deverá ser radiológico, sendo a radiografia realizada no segundo mês de tratamento quando a evolução estiver favorável. Ponderar a realização anterior a este período, para pacientes sem resposta clínica e para fins de diagnóstico diferencial. Ao término do tratamento o controle radiológico deverá ser realizado novamente9.

Como as crianças são paucibacilares, raramente há baciloscopia que confirme o diagnóstico; desta forma a melhora clínica e radiológica passará a ser critério de cura. Nos pacientes bacilíferos, geralmente adolescentes, as baciloscopias deverão ser repetidas mensalmente.

Não há necessidade de realização de controles de função hepática de rotina, exceto nos pacientes que apresentem doença hepática de base ou nos que desenvolvam sintomatologia. Vale lembrar que as enzimas hepática podem se elevar de forma assintomática, sem necessidade de modificação da terapêutica11.

Considerações finais

Pôde-se verificar, na revisão apresentada, que as dosagens recomendadas dos fármacos antituberculose de primeira linha são bem toleradas na população pediátrica, eventos adversos graves são raros e na maioria transitórios. A frequência de efeitos tóxicos pode estar relacionada à gravidade da doença tuberculosa. A isoniazida é o fármaco mais extensivamente estudado, por ser também utilizada no tratamento da tuberculose latente. A hepatotoxicidade é o principal evento descrito. A literatura evidencia que crianças toleram melhor os fármacos antituberculose quando comparados aos adultos, talvez pela acetilação lenta da isoniazida, influência de doenças hepáticas crônicas prévias e consumo de bebidas alcóolicas desta população19.

Em crianças e adolescentes vivendo com HIV/AIDS em tratamento para tuberculose ou pacientes que utilizam esquemas especiais deve-se ter uma vigilância mais rigorosa quanto à possibilidade de eventos adversos. A presença de hepatotoxicidade, erupção cutânea, transtornos gastrointestinais, leucopenia, anemia e neuropatia são efeitos colaterais que podem ser determinados tanto pela terapia antirretroviral como pela medicação antituberculose, sendo difícil distinguir qual fármaco é responsável pelo evento adverso, quando ambas as terapias são combinadas29.

A estratégica da OMS para eliminação da TB estabelece metas de redução substancial da incidência e mortalidade decorrentes da doença e proporciona oportunidades para realizar tratamento em larga escala da TB em pediatria1.

Na infância por ser uma doença predominantemente paucibacilar e apresentar forma clínica inespecífica torna-se um desafio para profissionais de saúde. Portanto, é necessário alto índice de suspeição para realizar o diagnóstico e consequentemente o tratamento adequado visando contribuir para alterar em longo prazo o curso da doença na idade pediátrica. Na sua grande maioria quando o tratamento é instituído de forma adequada transcorre sem eventos adversos importantes que necessitem suspender à terapêutica.

Durante o tratamento, devemos ficar atentos para a prescrição de dosagens adequadas ao peso, adesão ao tratamento, presença de eventos adversos, possibilidades de interações medicamentosas e evolução clínica do paciente, objetivando uma melhor resposta ao tratamento.


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1. Médica, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança do Adolescente do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
2. Médico do Serviço de Infectologia Pediátrica do CHC - UFPR
3. Professor do Departamento de Medicina - Universidade Estadual de Ponta Grossa
4. Professor do Departamento de Pediatria - UFPR
5. Professor do Departamento de Clínica Médica - UFPR

Endereço para correspondência:
Andrea Maciel de Oliveira Rossoni
Universidade Estadual de Ponta Grossa. Praça Santos Andrade, nº 1
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Data de Submissão: 13/09/2017
Data de Aprovação: 02/02/2018