Artigo de Revisao - Ano 2011 - Volume 1 - Supl.1
Conhecimento dos Pediatras sobre Tabagismo durante o Congresso Brasileiro de Pneumologia Pediátrica
Knowledge of Pediatricians on Smoking at Brazilian Congress of Pediatric Pulmonology
O tabagismo tem ocupado lugar de destaque na literatura médica e na mídia tradicional na última década. O Brasil é destaque na luta contra o tabagismo, sendo o segundo país em leis antitabágicas e o país escolhido para liderar as discussões sobre a convenção-quadros1. As fotos nos maços de cigarro e a linha telefônica 0800 para orientação dos fumantes foram citadas como projetos de excelência na Conferência Mundial de Tabagismo em Mumbai na Índia, em 2009. Em agosto de 2009, o Governo do Estado de São Paulo iniciou mais uma etapa nesta luta, com a proibição do fumo em ambientes coletivos, exemplo seguido por outros estados e municípios.
As medidas antitabágicas governamentais e as iniciativas de ONGs, como a Aliança de Controle do Tabagismo, são um formidável estímulo para o fumante buscar a cessação do hábito e, também, para prevenir a iniciação.
É frequente que a iniciação ao tabagismo ocorra antes dos 15 anos de idade. Em entrevista com 1000 crianças de uma escola particular de São Paulo, observamos que, entre 7 a 10 anos, 5% das crianças já tragaram e 1,5% já fumou um cigarro. De 11 a 14 anos, 21% já tragaram e 4,8% já fumaram um cigarro inteiro. Dos 15 aos 20 anos, cerca de 20% dos jovens estão fumando. Outro estudo apontou que baixo nível socioeconômico, irmãos e amigos fumantes e baixa escolaridade da mãe, são fatores principais relacionados a uma taxa de experimentação de 30% entre adolescentes2.
Consideramos o tabagismo, portanto, uma doença pediátrica. O contato inicial com o cigarro ocorre na faixa etária de atendimento da Pediatria.
Além da iniciação, tabagismo passivo é causa de vários agravos à saúde da criança. Desde doenças respiratórias ambientais e infecciosas até distúrbio de atenção e crescimento estão associados à exposição à fumaça do cigarro. 23,8% das crianças de zero a cinco anos que procuram atendimento no pronto socorro pediátrico do Hospital Universitário da USP apresentam cotinina urinária, um metabólito da nicotina, positiva.
Diminuir a exposição da criança ao tabagismo passivo também deveria ser, portanto, função do pediatra. As mães têm conhecimento da gravidade, querem parar de fumar, diminuem o consumo de cigarros ou cessam durante a gestação, mas retornam ao vício durante a amamentação. Será que os pediatras e, em especial, os pneumopediatras estão preparados para abordar a questão do tabagismo com pais e crianças? Qual o conhecimento sobre diagnóstico e tratamento do tabagismo que possuem estes profissionais?
O objetivo deste trabalho é verificar as atitudes e o conhecimento sobre o tabagismo de pediatras gerais (PG), pneumopediatras (PP) e outros profissionais (OP) que estiveram no Congresso Brasileiro de Pneumologia Pediátrica em 2009 em São Paulo. Para este fim, foi analisado um questionário desenvolvido para traçar uma estratégia de educação continuada em tabagismo para pediatras.
MÉTODOS
Durante as sessões do XX Congresso Brasileiro de Pneumologia Pediátrica, realizado em São Paulo nos dias 10 a 13 de junho de 2009, foram distribuídos 200 questionários autoaplicáveis (Anexo A). O questionário checava atitudes com relação ao tabagismo e conhecimento do diagnóstico e tratamento. O questionário é parte de uma iniciativa para um projeto de educação continuada em tabagismo para pediatras.
Os profissionais foram divididos em três grupos: pediatras gerais, pneumopediatras e outros profissionais. As respostas objetivas foram agrupadas em categorias (sim ou não ou certo e errado). As perguntas qualitativas ou opiniões expressadas não foram objeto deste estudo. Os dados foram comparados pela proporção entre os grupos utilizando o teste do Qui Quadrado ou teste Exato de Fisher. Valores de p < 0,05 foram considerados significativos.
RESULTADOS
Dos 200 questionários entregues, foram devolvidos 166. Destes, 84 eram pneumopediatras (PP), 63 pediatras gerais (PG) e 19 outros profissionais (OP) (Tabela 1).
Os PP fumam significativamente menos (1,2%) que PG (22,2%) e OP (15,8%) p<0.001. 96% dos médicos falam para os pais de seus pacientes pararem de fumar. 63,1% dos PP e 52,4% dos PG referem dizer como fazê-lo (NS). 57,1% dos PP e 34,9% dos PG conhecem um local para encaminhar pacientes ou familiares fumantes (p=0,012). 27,4% dos PP e 14,3% dos PG têm algum material para mostrar aos pacientes em seu local de trabalho (NS). 70% das áreas internas dos locais de trabalho são ambientes livres do cigarro e 28,6 e 41,3% das áreas externas também o são.
Sobre o conhecimento do médico sobre o tabagismo:
Apenas 16,7%(14) dos PP, 12,7%(8) dos PG e 10,5% (2) dos OP sabiam a porcentagem de fumantes na população brasileira (NS).
Com relação à porcentagem de fracos dependentes da nicotina, acertaram a questão 9,5%(8) dos PP, 7,9%(5) dos PG e 5,3% dos (1) OP (NS). 90,5% dos PP, 95,2% dos PG e 100% dos OP desconheciam a miligramagem da reposição de nicotina (NS). 57,1%(48) dos PP, 33,3%(21) dos PG e 36,8%(7) dos OP sabiam que a bupropiona é administrada via oral (p = 0,012). 27,4%(23) PP, 6,3%(4) PG e 10,5%(2) OP conheciam a escala de Fargstrom de dependência nicotínica (p = 0,003).
DISCUSSÃO
A população em idade pediátrica, crianças e adolescentes, são vulneráveis ao cigarro em vários planos. Desde o tabagismo passivo até iniciação e dependência.
Crianças expostas a cigarro desenvolvem sintomas e alterações estruturais que começam no intra-útero. Filhos de mães que fumaram durante a gravidez têm calibre de via aéreas menor, pior função pulmonar e mais episódios de sibilância. A exposição na infância também compromete a função pulmonar e aumenta o número de sintomas respiratórios que podem persistir até a idade adulta3-5.
Otite média, rinite, pneumonia e exacerbação de doenças crônicas, como fibrose cística e anemia falciforme, são mais comuns na criança exposta à fumaça de cigarro6. Em estudo recente, foi levantado que 53% dos asmáticos têm exposição atual ou prévia ao tabagismo7. Outro estudo mostrou que 36,7% das crianças asmáticas são expostas8.
É durante a adolescência que ocorre a iniciação ao tabagismo.
As atitudes do adolescente e do jovem frente ao vício são diferentes dos adultos e idosos, com menor propensão ao abandono do hábito e menor reconhecimento da dependência.
Assim, entendendo o tabagismo como importante fator de risco evitável para graves doenças cardiovasculares, pulmonares e oncológicas, a criança e os pais deveriam ser abordados no intuito de prevenir a iniciação no paciente e tratar o vício nos pais, afastando o paciente pediátrico do tabagismo passivo9.
O nosso questionário demonstrou que pediatras, tanto pneumologistas quanto pediatras gerais, têm orientado pais a parar de fumar. No entanto, uma parcela significativa destes profissionais admite não saber fazê-lo e, tampouco, sabe para onde encaminhar. O CRATOD (Centro de álcool, tabaco e outras drogas do Estado de São Paulo) credenciou mais de 300 locais para tratar tabagistas, mas apenas 70 deles estão em operação.
Quando perguntados especificamente sobre dados epidemiológicos, diagnóstico e tratamento, o número de acertos foi muito baixo. Menos de 13% dos entrevistados sabem a quantidade de fumantes na população brasileira, a porcentagem de fraco-dependentes entre fumantes, ou conhecem a dosagem da reposição da nicotina.
Mais de 40% dos pneumopediatras e 60% dos pediatras gerais sequer sabiam que a bupropiona, medicação eficaz para tratamento do tabagismo, é administrada via oral.
Foi surpreendente, também, que o número de pediatras fumantes foi semelhante ao da população em geral. Já os pneumopediatras fumam menos que a população brasileira.
Nossa instituição incluiu, há sete anos, no curso da pediatria uma aula teórica sobre tabagismo passivo e os residentes de pediatria assistem a reuniões do grupo antitabágico para aumentar a capacitação e exposição ao tema. Entretanto, quando comparamos formados há menos de 10 anos com formados há mais de 10 anos, quase não foram observadas mudanças com relação às atitudes e conhecimento sobre tabagismo.
Os pediatras não têm material suficiente para uma abordagem de intervenção mínima em seu atendimento do dia-a-dia. Em trabalho inglês, conseguiu-se intervir favoravelmente nos pacientes fumantes com uma intervenção mínima nas consultas.
Apesar de demonstrar mais preocupação e conhecimento com o tema, mesmo pneumopediatras têm deficiências no conhecimento da epidemiologia, diagnóstico e tratamento do tabagismo. Esta lacuna é acentuada quando avaliamos pediatras gerais. Acreditamos que incluir este tema na formação profissional desta categoria seja de extrema importância e deva impactar positivamente na saúde atual e futura das crianças.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Meireles RHS. A ratificação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco pelo Brasil: uma questão de saúde pública. J Bras Pneumol. 2006;32(1):II-III.
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3. Martinez FD. Development of wheezing disorders and asthma in preschool children. Pediatrics. 2002;109(2 Suppl):362-7.
4. Fontes MJF, Fonseca MTM, Camargos PAM, Affonso AGA, Calazans GMC. Asma em menores de cinco anos: dificuldades no diagnóstico e na prescrição da corticoterapia inalatória. J Bras Pneumol. 2005;31(3):244-53.
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8. Melo RMB, Lima LS, Sarinho ESC. Associação entre controle ambiental domiciliar e exacerbação da asma em crianças e adolescentes do município de Camaragibe, Pernambuco. J Bras Pneumol. 2009;31(1):5-12.
9. Lotufo, JPB. Tabagismo, Uma Doença Pediátrica. São Paulo. Brasil. Sarvier, 2007.
1. Médico assistente do HU-USP. Responsável pelo Projeto Antitabágico do Hospital Universitário - USP. Assessor de Direção: Coordenador de Pacientes Externos. Hospital Universitário da Universidade de São Paulo.
2. Residentes.
3. Psicóloga.
4. Enfermeira.
5. Médico do ICESP SP.
Correspondencia:
Dr Joao Paulo B Lotufo
Hosp. Universitario da USP
Av. Prof. Lineu Prestes, 2565. Cidade Universitária
São Paulo - SP
www.tabagismo.hu.usp.br