ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo de Revisao - Ano 2011 - Volume 1 - Supl.1

Saúde da Criança e do Adolescente no Brasil: realidade e desafios

Children and adolescents’ health in Brazil: reality and challenges

RESUMO

No Brasil, a queda da taxa de mortalidade infantil nas últimas décadas deve-se, principalmente, à redução de óbitos no período pós-neonatal. Entretanto, lacunas no acesso e na qualidade da atenção perinatal comprometem a redução da morbimortalidade neste período. Faz-se necessário aperfeiçoar um sistema articulado na assistência perinatal. Deve-se, também, analisar indicadores da assistência perinatal e utilizar efetivamente diretrizes clínicas baseadas nas melhores evidências disponíveis. Entre crianças e adolescentes, verificou-se uma redução na incidência de doenças agudas graves e aumento das condições crônicas. Com isso, cresceu a demanda por cuidados multidisciplinares e por serviços hospitalares mais complexos. Violência, acidentes e drogadição exigem a implementação de políticas públicas sistêmicas e continuadas. Aspectos como o diagnóstico das principais demandas de internação, recursos diagnósticos e terapêuticos, reabilitação, articulação das ações de saúde e intersetoriais e a qualificação dos quadros técnicos e responsáveis pela tomada de decisão na saúde da criança e do adolescente são urgentes e necessários para o atendimento integral de crianças e adolescentes.

Palavras-chave: adolescente, assistência à saúde, criança, mortalidade perinatal, prática clínica baseada em evidências.

ABSTRACT

In Brazil, the reduction in infant mortality occurred mainly due to the reduction of deaths in the post-neonatal period. However, gaps in the perinatal care impair the reduction in the morbidity and mortality in this period. It is necessary to enhance an integrated system of perinatal care. Indicators of perinatal care and effective use of clinical guidelines based on best available evidence should be examined. Among children and adolescents there was a reduction in the incidence of acute diseases and an increase in chronic conditions. As a consequence, there was an increased demand for multidisciplinary care and a more complex care assistance. Violence, accidents and drug addiction require the implementation of continued public and systemic policies. Aspects such as the diagnosis of the main demands of health assistance intersectoral and qualification of technical staff and those responsible for taking decisions on the health of children and adolescents are urgently needed to achive an integrated care assistance to children and adolescents.

Keywords: adolescent, delivery of health care, child, perinatal mortality, evidence-based practice.


A redução da mortalidade infantil e sua associação com outros indicadores de saúde, demográficos e sócio-econômicos têm sido bastante destacadas. No Brasil, a taxa de mortalidade infantil apresentou queda de 67% nas últimas décadas, passando de 85,6 óbitos por mil nascidos vivos em 1980 para 28,6 por mil nascidos vivos em 2001. Mais recentemente, a mortalidade infantil apresentou redução para 20,7 por mil nascidos vivos (2008).

A tendência de declínio observada ocorreu, principalmente, à custa da redução dos óbitos no período pós-neonatal e tem sido atribuída a uma variedade de fatores já amplamente estudados, como intervenções ambientais, fatores relacionados à melhoria das condições de saneamento básico, diminuição da taxa de fecundidade, aumento do nível educacional da população, melhoria das condições socioeconômicas e, mais recentemente, também aos cuidados de saúde e à expansão do acesso aos serviços de saúde.

Entretanto, a redução da morbimortalidade no período perinatal (óbitos e outros desfechos negativos no período fetal e neonatal) permanece como uma questão central nos objetivos de redução da mortalidade infantil e na melhoria dos demais indicadores de saúde infantil em nosso meio.

Assim sendo, os desafios ligados à melhoria do cuidado materno também se mantêm. Ao longo dos últimos anos, o governo brasileiro, através do Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal, desenvolveu um conjunto de ações voltadas para a melhoria do acesso e da qualidade do cuidado obstétrico e neonatal no país. Particularmente, no período 2009 – 2010, houve um esforço conjunto de diferentes áreas do Ministério da Saúde na redução da mortalidade materna e neonatal no Nordeste e Amazônia Legal.

Em que pesem essas iniciativas, a análise dos indicadores de mortalidade, acesso e de qualidade da atenção perinatal recebida indicam que existem importantes lacunas a serem superadas e avanços a serem alcançados, especialmente no que se refere ao cuidado ao pré-natal, parto e nascimento em situações de risco.

Nesse cenário, o aprimoramento das iniciativas governamentais voltadas para a melhoria dos indicadores de saúde neonatal passa necessariamente por maior investimento, no âmbito dos estados e municípios, em processos de qualificação do cuidado neonatal. Destaca-se, assim, como observado em países com melhores resultados perinatais, a importância de sistema articulado garantindo a linha de cuidado pré-natal – atenção ao parto, nascimento e puerpério e ao recém-nascido. Da mesma forma, a análise de indicadores da assistência perinatal e efetiva utilização de diretrizes clínicas baseadas nas melhores evidências disponíveis são ações centrais para superar as dificuldades identificadas.

No tocante à saúde da criança e do adolescente, as tendências observadas nas últimas décadas evidenciam a redução na incidência de doenças agudas graves e o crescimento e concentração da morbidade e mortalidade por condições crônicas. Nos últimos 50 anos, o desenvolvimento de novas vacinas, antibióticos mais efetivos e outros medicamentos, os avanços da terapia intensiva neonatal e pediátrica, assim como os da cirurgia pediátrica, ao mesmo tempo que melhoraram a sobrevida desse grupo, deixaram efeitos que acabaram por determinar outras necessidades de estrutura, perfil e organização dos serviços de atenção à saúde de crianças e adolescentes, somadas às de adaptações na formação e habilitação de especialistas envolvidos nesse tipo de assistência.

No Brasil, assim como em outros países em desenvolvimento, a assistência hospitalar pediátrica até bem poucos anos atrás era voltada para o tratamento de doenças agudas como diarreia, verminoses, doenças respiratórias, e outras doenças infecciosas. A estrutura, os conceitos e a lógica de organização dos serviços ambulatoriais e hospitalares atualmente disponíveis ainda respondem a esse perfil de adoecimento, que vem se configurando como cada vez menos prevalente.

O novo perfil de adoecimento na infância e adolescência com maior proporção de casos caracterizados como crônicos tem resultado em um número maior de crianças e adolescentes que requerem cuidados multidisciplinares e serviços hospitalares mais complexos, fazendo aumentar a demanda por recursos tecnológicos de suporte ao diagnóstico e tratamento. Além disso, pacientes portadores de enfermidades crônicas podem apresentar complicações, o que requer, muitas vezes, um número maior e um tempo aumentado de permanência hospitalar. As repercussões devastadoras da violência, acidentes e drogadição entre crianças e adolescentes exigem também políticas públicas de prevenção e intervenção adequadas, sistêmicas e continuadas.

O reconhecimento, a documentação e a disponibilidade de informações que subsidiem a definição e implementação de políticas de saúde adequadas para esses grupos ainda são escassos, mesmo no âmbito da produção científica. Da mesma forma, o perfil e a organização das áreas técnicas e de gestão da saúde da criança e do adolescente nas diferentes instâncias do sistema de saúde brasileiro ainda enfrentam dificuldades, como insuficiente instrumentalização para o enfrentamento dos novos desafios, bem como fragmentação na condução dos serviços de saúde.

Aspectos como o diagnóstico do perfil e principais demandas das internações pediátricas por doenças crônicas, dimensionamento das necessidades de recursos diagnósticos e terapêuticos, reabilitação, articulação das ações de saúde e intersetoriais e a qualificação dos quadros técnicos e responsáveis pela tomada de decisão na saúde da criança e do adolescente são urgentes e necessários para o atendimento integral de crianças e adolescentes que vivenciam a experiência do adoecimento crônico.

Assim como identificado há alguns anos em países que já passaram por essa transição, os modelos assistenciais para atendimento pediátrico estão cada vez mais distantes das necessidades apresentadas pelas crianças e adolescentes que dependem dessa estrutura. O enfrentamento adequado do crescimento das doenças crônicas nesse grupo requer uma reformulação da organização, do financiamento e do treinamento dos profissionais envolvidos.


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Pesquisadora e Docente Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher, IFF/FIOCRUZ. Rio de Janeiro. RJ.

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