Ética - Ano 2018 - Volume 8 - Número 3
Relação médico-paciente
Physician–patient relationship
Neste artigo, procuraremos discutir o assunto, calcados, principalmente, no que diz o nosso Código de Ética Médica (CEM) em seu Capítulo V, Relação com Pacientes e Familiares.
O paciente ou o seu representante legal tem o direito de, exceto nos casos de risco de morte, decidir sobre os procedimentos diagnósticos e terapêuticos a que deseja se submeter, após informado da hipótese diagnóstica, seus riscos, prognóstico e opções de tratamento, bem como dos riscos e benefícios dos exames e tratamentos propostos, como fica claro no artigo 31, que diz ser vedado ao médico “desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte”.
O médico tem o dever de usar, para beneficiar o paciente, tudo que estiver ao seu alcance e for reconhecido cientificamente, como vemos no artigo 32, em que é vedado “deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente”. Há que ficar claro o que está ao alcance do médico naquela situação e naquele contexto. Por exemplo, se o paciente necessita de um exame que não está disponível na Unidade e também não é conseguido em nenhuma outra, ou se disponibilizado em outra, mas o paciente não tem condições clínicas de ser removido em segurança, não há como falar em falha do médico, desde que este registre o ocorrido no prontuário médico.
O médico não pode deixar de atender paciente em caso de urgência ou emergência, se não houver mais ninguém capaz, no local, de realizar o atendimento, como nos mostra o artigo 33, em que é vedado “deixar de atender paciente que procure seus cuidados profissionais em casos de urgência ou emergência, quando não haja outro médico ou serviço médico em condições de fazê-lo”.
O médico tem o dever de esclarecer o paciente sobre a sua doença e o tratamento proposto, desde que tal atitude não traga risco para o paciente, como pode acontecer quando informamos alguém, com tendência suicida, sobre uma doença grave ou terminal, como disposto no artigo 34, que veda “deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal”.
Da mesma forma que tem o dever de não esconder do paciente a sua real situação, o médico não pode não complicar o diagnóstico, o prognóstico e a terapêutica do paciente. Essa conduta pode ter como finalidade “proteger” o médico de um eventual processo, trazer reconhecimento profissional ou aumentar seus honorários, todas inaceitáveis, como deixa claro o artigo 35, que veda “exagerar a gravidade do diagnóstico ou do prognóstico, complicar a terapêutica ou exceder-se no número de visitas, consultas ou quaisquer outros procedimentos médicos”.
O médico não pode desamparar um paciente que esteja cuidando, como veremos no artigo 36, em que é vedado “abandonar paciente sob seus cuidados”. Porém, em casos em que haja uma ruptura na relação ou em que ocorram fatos que atrapalhem a atuação profissional do médico, este pode optar por se afastar do paciente, tomando antes os cuidados devidos, como ensina, o § 1º do mesmo artigo: “ocorrendo fatos que, a seu critério, prejudiquem o bom relacionamento com o paciente ou o pleno desempenho profissional, o médico tem o direito de renunciar ao atendimento, desde que comunique previamente ao paciente ou a seu representante legal, assegurando-se da continuidade dos cuidados e fornecendo todas as informações necessárias ao médico que lhe suceder”. Ainda no citado artigo, o § 2º diz que “salvo por motivo justo, comunicado ao paciente ou aos seus familiares, o médico não abandonará o paciente por ser este portador de moléstia crônica ou incurável e continuará a assisti-lo ainda que para cuidados paliativos”.
O médico, salvo em situação excepcional e que deve ser reparada o mais breve possível, não deve prescrever sem o exame direto do paciente, como mostra o artigo 37, em que é vedado “prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento”. Quando o médico prescreve sem o exame direto do paciente, assume a responsabilidade pelo resultado.
O médico não pode desrespeitar o pudor do paciente como dita o artigo 38, que veda “desrespeitar o pudor de qualquer pessoa sob seus cuidados profissionais”. O médico, para se proteger, precisa explicar cada passo do exame físico e pedir autorização para realizá-lo. O médico, também, deve evitar a realização do exame físico sem a presença de uma testemunha na sala, que poderá ser acompanhante do paciente, uma enfermeira, a secretária ou, até mesmo, alguém que esteja esperando para ser consultado.
O médico não pode desrespeitar o direito do paciente de ser avaliado por uma junta médica ou de ouvir uma segunda opinião, como veda o artigo 39 “opor-se à realização de junta médica ou segunda opinião solicitada pelo paciente ou por seu representante legal”.
É inaceitável que o médico busque usufruir vantagem de qualquer tipo, valendo-se de sua atuação profissional, conduta vedada no artigo 40 “aproveitar-se de situações decorrentes da relação médico-paciente para obter vantagem física, emocional, financeira ou de qualquer outra natureza”.
O médico não pode, mesmo que por vontade deste, abreviar a vida do paciente, salvo no caso de paciente estar acometido de doença incurável e/ou terminal, como determinado no artigo 41 e seu parágrafo único “abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal”.
E, finalmente, devemos, depois de esclarecê-lo, aceitar a vontade do paciente, no caso do adolescente respeitando sua maturidade e capacidade de discernimento, em relação aos métodos contraceptivos, como disposto no artigo 42, que diz ser vedado “desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre método contraceptivo, devendo sempre esclarecê-lo sobre indicação, segurança, reversibilidade e risco de cada método”.
Para manter uma boa relação com o paciente e os seus familiares, o médico deve tomar certos cuidados e vou citar alguns que julgo importantes: buscar uma boa formação profissional e manter-se atualizado, por meio de educação médica permanente; respeitar os princípios éticos, procurando conhecer o Código de Ética Médica; respeitar o paciente e os seus direitos, entendendo que não há mais espaço para a relação médico-paciente sacerdotal, em que há a dominação do médico e a submissão do paciente, e entender que devemos buscar uma relação igualitária e de negociação, sem abrir mão de exercer a sua autoridade, quando a situação assim o exigir; realizar um atendimento adequado, procurando ouvir o paciente e dedicar-lhe o tempo necessário para buscar a solução do seu problema; elaborar um prontuário o mais detalhado e completo possível; buscar o consentimento informado, livre e esclarecido.
Como forma de prevenir e minimizar ao máximo o risco de processos profissionais, o médico deve buscar uma relação de confiança e respeito mútuo com os seus pacientes e, principalmente para os pediatras, com os familiares.
Carlindo de Souza Machado e Silva Filho.
Professor Assistente da Universidade Iguaçu. Curso de Saude da Criança e do Adolescente. Curso de Bioética Medica, Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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Carlindo de Souza Machado e Silva Filho
Universidade Iguaçu
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