TOP
-
Ano 2018 -
Volume 8 -
Número
3
O pediatra e a promoção do desenvolvimento infantil: otimizando a consulta
The pediatrician and the promotion of child development: optimizing the assessment
Clarissa Noer; Ricardo Halpern
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo abordar a avaliação do desenvolvimento infantil no consultório pediátrico. Em torno de 15-20% da população pediátrica apresentará algum desafio em relação ao neurodesenvolvimento. Se a intervenção é instituída antes da entrada no jardim de infância, muitos problemas podem ser prevenidos, e a grande maioria amenizada. É necessário que o pediatra se aproprie dos novos paradigmas na área do desenvolvimento infantil e, por meio de conhecimentos baseados em evidências, desconstrua mitos e proporcione ao seu paciente uma abordagem atual e efetiva. Apresentamos neste artigo uma revisão de como o pediatra pode pensar no desenvolvimento infantil de modo a incluí-lo na sua observação contínua e crítica nas consultas rotineiras de saúde e doença, evitando assim a perda de oportunidades de intervenção. Serão abordadas estratégias de otimização da consulta e apresentados instrumentos de vigilância, triagem e avaliação que podem ser ferramentas úteis para que o pediatra possa objetivamente avaliar e quantificar, mesmo quando aplicados a uma rotina ocupada de consultório pediátrico.
Palavras-chave:
Desenvolvimento Infantil, Triagem, Transtornos do Neurodesenvolvimento
ABSTRACT
This article aims to address the evaluation of child development in the pediatric office. About 15-20% of the pediatric population will present some challenge regarding neurodevelopment. If intervention is instituted before entering kindergarten, many problems can be prevented and the vast majority is lessened. It is necessary for the pediatrician to appropriate the new paradigms in the field of child development and through evidence-based knowledge deconstruct myths and provide his patient with a current and effective approach. We present in this article a review of how the pediatrician can think of child development in order to include it in their continuous and critical observation in routine health and illness consultations, thus avoiding the loss of opportunities for intervention. Consultation optimization strategies and instruments of surveillance, screening and evaluation will be presented, which may be useful tools for the pediatrician to objectively evaluate and quantify, even when applied to a busy routine of the pediatric office.
Keywords:
Child Development, Developmental Disabilities, Infant Development, Early Intervention, Neurodevelopmental Disorders
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento infantil pode ser definido como um processo multidimensional e integral, que se inicia com a concepção e que engloba o crescimento físico, a maturação neurológica, o desenvolvimento comportamental, sensorial, cognitivo e de linguagem, assim como as relações socioafetivas que tornam a criança capaz de responder às suas necessidades e as do seu meio, considerando seu contexto de vida1. Estudos estimam uma prevalência entre 1.620% de transtornos do desenvolvimento na população pediátrica. Essas condições que, na década de 1970, foram denominadas de nova morbidade, continuam sendo consideradas pela OMS como as morbidades do milênio2-4. Apesar desse conhecimento, estima-se que 43% das crianças menores que 5 anos em países em desenvolvimento encontram-se em risco de não atingirem seu pleno potencial5.
Os primeiros anos de vida são particularmente importantes para o indivíduo: neles estão os períodos sensíveis e críticos do desenvolvimento, assim denominados devido à intensa atividade neurobiológica que se manifesta por meio de processos como neogênese, apoptose, podas sinápticas, mielinização e gliogênese6,7. A exuberância desses fenômenos, que são responsáveis pela construção da base da circuitaria cerebral, é o que torna esse período mais maleável às intervenções, havendo maior probabilidade de sucesso em remodelar alguns sintomas e tendências de desvios do desenvolvimento típico impostos pela genética e/ou por alterações ambientais8,9. Conforme o indivíduo vai crescendo, a neuroplasticidade se mantém, porém em nível menor, o que vai requerer um esforço maior para atingir um resultado esperado10.
O primeiro médico que vê a criança é o pediatra. Esse é o profissional que tem a oportunidade de fazer o acompanhamento longitudinal do paciente e sua família, o que o coloca em posição estratégica para a detecção precoce dos atrasos do desenvolvimento infantil11. Para que o pediatra seja competente na detecção precoce de desvios, é fundamental que tenha conhecimento do desenvolvimento infantil típico, que servirá de base para comparação com alterações e doenças relacionadas. Esse conhecimento é tão importante que a orientação que o pediatra oferece para a criança e sua família frente aos primeiros sinais de atraso no desenvolvimento pode ser responsável pelo prognóstico do paciente12,13. Portanto, o pediatra precisa monitorar o desenvolvimento na infância porque a intervenção precoce para crianças com atraso no desenvolvimento fará uma diferença significativa na sua qualidade de vida. Evidências que avaliam o status adulto de participantes com atraso no desenvolvimento, como nos ensaios clínicos randomizados HighScope Perry e Abecedarian, mostraram o seguinte: a intervenção precoce leva a melhores habilidades de alfabetização que persistem na escola secundária, maiores taxas de graduação, menor risco de desemprego de adultos e taxas mais baixas de condenações criminais14.
Atualmente, apesar das evidências científicas robustas, o diagnóstico e intervenção dos desvios no desenvolvimento é realizado tardiamente em relação ao preconizado, ocorrendo frequentemente na idade escolar4. Essa realidade mostra o grande desafio que é traduzir as lições dos estudos em contextos clínicos e de saúde pública, nos quais o profissional deve identificar a pequena proporção de crianças com um atraso não detectado que poderia se beneficiar de uma intervenção. Algumas dificuldades percebidas para que possamos melhorar esses índices são: abordagem insuficiente do desenvolvimento infantil na graduação e residência, pouco tempo de consulta para avaliação do desenvolvimento, desconhecimento técnico da área e falta de reembolso de testagens por parte dos planos de saúde2,15-17.
Esse artigo tem como objetivo fornecer ao pediatra uma revisão sobre como abordar o desenvolvimento infantil no cotidiano do consultório.
1. O tempo e os mitos do desenvolvimento infantil
O desenvolvimento da criança vem cercado de mitos e crenças que precisam ser reavaliados. Existe a necessidade de uma quebra de paradigmas para que o olhar do pediatra aconteça de forma técnica e responsável.
“Cada criança tem seu tempo”
Muitas vezes essa frase é escutada como resposta às inquietações dos pais sobre algum aspecto do desenvolvimento do seu filho; e deve ser fortemente desencorajada e substituída por uma avaliação objetiva da queixa: para isso é necessário conhecer o ponto de prevalência do desenvolvimento, assim como as normas que regem e influenciam a aquisição dos marcos. A identificação do ponto de prevalência é feita por meio da comparação do paciente com amostra normativa de crianças da mesma idade. Para tanto, é desejável que se utilizem instrumentos padronizados às habilidades que 90 de 100 crianças realizam nessa faixa etária (dois desvios-padrão para mais ou menos no ponto de corte)18,19.
“Espere e veja” ou “vamos dar tempo ao tempo”
A crença de que, detectado o atraso, o tempo poderia resolver essa questão sem prejuízos ao paciente é outro paradigma a ser desconstruído. Apenas um pequeno percentual de pacientes se recuperará de atrasos sem nenhuma intervenção: no caso de atrasos da fala, por exemplo, 15% das crianças de 2 anos serão diagnosticadas como faladores tardios20. A intervenção, portanto, deve ser iniciada no mesmo momento em que o atraso é detectado independente de um fechamento diagnóstico. Dessa maneira o efeito da terapia tem melhor resultado e a probabilidade de prejuízo é menor7,23.
2. Intervenção precoce
Denomina-se intervenção precoce (IP) os serviços designados a beneficiar o desenvolvimento infantil, a iniciar se desde o nascimento até, preferencialmente, os 3 anos para crianças em risco para o desenvolvimento ou com deficiência, e a apoiar a adaptação de suas famílias. A estimulação precoce pode ser realizada por meio de acompanhamento e intervenção terapêutica, às vezes multiprofissional, com bebês de alto risco e com crianças pequenas acometidas por patologias orgânicas, buscando o melhor desenvolvimento possível, por meio da mitigação de sequelas do desenvolvimento neuropsicomotor, bem como de efeitos na aquisição da linguagem, na socialização e na estruturação subjetiva, podendo contribuir, inclusive, na estruturação do vínculo mãe/bebê e na compreensão e acolhimento familiar dessas crianças1. Crianças envolvidas em programas de intervenção precoce têm maior probabilidade de viver independentemente, terminar o ensino formal, assim como apresentam menor custo social14. Os serviços de intervenção precoce devem ser individualizados e focados na família por meio da formulação pela equipe de intervenção, junto com a família, de um plano terapêutico individualizado (PTI), também chamado no Sistema Único Saúde de Plano Terapêutico Singular (PTS)23.
O PTS se desenvolve em quatro momentos:
Diagnóstico: deverá conter uma avaliação orgânica, psicológica e social. Deve tentar captar como o “sujeito singular” se produz diante de forças como as doenças, os desejos e os interesses, como também o trabalho, a cultura e a família. Ou seja, tentar entender que o sujeito faz de tudo o que fizeram dele.
Definição de metas: uma vez que a equipe fez os diagnósticos, faz propostas de curto, médio e longo prazos, que serão negociadas com o sujeito doente pelo membro da equipe que tiver um vínculo melhor.
Divisão de responsabilidades: é importante definir as tarefas de cada um com clareza.
Reavaliação: momento em que se discutirá a evolução e se farão as devidas correções de rumo.
Evidências mostram que os pediatras tendem a referir adequadamente crianças com diagnósticos estabelecidos para IP, mas, ao contrário, tendem a não referir crianças com atraso de fala ou linguagem ou comportamento inadequado referido pelos pais24,25.
3. Métodos de vigilância
A vigilância é um processo contínuo, flexível e permanente: faz parte do acompanhamento longitudinal e deve fazer parte de todas as consultas de saúde, permitindo identificar e intervir em alguns precursores dos problemas, podendo potencialmente preveni-los.
Esse processo consta de quatro passos:
1. Conhecer e identificar fatores de risco e também de proteção para o desenvolvimento (biológicos e ambientais)26.
2. Buscar e valorizar as preocupações dos pais que, na maioria das vezes, têm uma percepção adequada em relação às suas queixas sobre o desenvolvimento de seus filhos12.
3. Monitorar os marcos e rastrear periodicamente. Documentar e manter um histórico do desenvolvimento e do comportamento.
4. Promover desenvolvimento por meio de orientações sobre desenvolvimento emocional saudável, estilo parental e resiliência.
Existem três tipos de vigilância:
1. Normativa, acompanha as crianças nas consultas de rotina.
2. A que é realizada nas crianças que possuem fatores de risco para desenvolvimento.
3. A que é feita para acompanhamento nos casos com diagnóstico fechado, que tem por objetivo maximizar as potencialidades e identificar as dificuldades.
VIGILÂNCIA NÃO ESTRUTURADA
Aqui é importante estabelecer a “aliança terapêutica”, conceito desenvolvido por Winnicott que trata do laço com a família, que idealmente inicia no período pré-natal. O pediatra aqui atua como um importante promotor de saúde mental, pois tem oportunidade de observar a interação mãe-bebê, a função paterna, a rede de apoio e as alterações de humor no pós-parto, período sensível para formação do vínculo27.
Aproveitar o tempo de anamnese e exame físico para avaliar questões do desenvolvimento e do comportamento traz elementos semiológicos preciosos, que podem ser obtidos ao observar como a criança brinca e se comporta na sala de espera e consultório e o relacionamento entre a família. Recomenda-se dispor de objetos para manipulação, como uma mesa com papel e canetas para desenho, cubos, brinquedos, livros. A brincadeira não estruturada (não dirigida por um adulto) é um aspecto fundamental do processo físico, cognitivo, social e emocional na infância e o pediatra pode orientar os pais nesse processo4. Desenhos livres ou dirigidos também podem ser ferramentas úteis. Atualmente, com o advento dos smartphones, é possível que os pais mostrem ao pediatra filmagens da criança no seu contexto diário. Por meio dos vídeos, o pediatra deve procurar dados semiológicos do funcionamento da criança: fixação do olhar, atenção compartilhada, movimentos globais anormais e comportamentos atípicos devem ser pesquisados. Esse recurso é particularmente importante para observação de características mais sutis de transtorno do espectro autista. A webpage www.autismnavigator.com dispõe de um banco de dados de vídeos que mostram, lado a lado, crianças com desenvolvimento típico e atípico.
6. Vigilância estruturada
A vigilância estruturada é aquela em que se utiliza um instrumento estandardizado. No Brasil, dispomos do algoritmo de vigilância que consta na Caderneta de Saúde, do Ministério de Saúde, e que pode ser preenchido pelos pais e pediatras guiando o acompanhamento do desenvolvimento por meio dos principais marcos e que demonstrou boa sensibilidade como método de vigilância28. Neste, os pais também podem encontrar sugestões de como estimular adequadamente conforme a faixa etária, o que os coloca como coadjuvantes na vigilância e promoção do desenvolvimento, e melhora as taxas de detecção de atrasos.
Outro protocolo de avaliação com indicadores de alerta para a detecção precoce de problemas na constituição psíquica e no desenvolvimento do bebê é o IRDI (Indicadores de Risco para o Desenvolvimento Infantil), que tem marcadores validados para a detecção de problemas de desenvolvimento e pode ser um instrumento utilizado na entrevista29.
Um promissor instrumento que foi desenvolvido com ênfase em atenção primária é o GMCD (Global Monitoring Child Development). Este foi construído em uma iniciativa multinacional com objetivo de proporcionar um instrumento universal para monitorização e promoção do desenvolvimento. Seu constructo tem base na teoria ecológica e transacional do desenvolvimento, centrada na família, relacionamentos e potencialidades, e também em modelos internacionalmente reconhecidos de abordagem em desenvolvimento, quais sejam: New Visions for Development, Bright Future Guidelines e WHO-ICF. O GMCD é de fácil aplicação, por meio de entrevista breve com questões abertas e pré-codificadas30.
7. Triagem
Evidências diversas demonstram que, somente com o julgamento clínico, apenas 30% dos problemas de comportamento e desenvolvimento das crianças que passarem pelo pediatra serão detectados39. Por esse motivo, é fortemente recomendado que se use instrumentos de triagem como auxiliares na avaliação (Tabela 1).
A triagem, ao contrário da vigilância, avalia transversalmente por meio de instrumento com o desenvolvimento e serve para identificar e direcionar as crianças que devem receber investigação diagnóstica ou intervenção precoce. Um instrumento de triagem deve ter propriedades psicométricas estabelecidas por um ponto de corte e propriedades estatísticas como sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo, objetivando selecionar as crianças mais prováveis de ter um problema18. O diagnóstico, se for o caso, será fechado posteriormente, idealmente em avaliação multidisciplinar.
Como escolher um instrumento de triagem?
É importante conhecer os instrumentos de triagem existentes e, ao fazer sua escolha, considerar os seguintes pontos:
1. Validação (atualmente existem poucos instrumentos traduzidos e validados para o Brasil; portanto, deve-se levar em consideração que pode haver algumas diferenças culturais que devem ser notadas, por exemplo, no Denver II uma das questões é se a criança já prepara seu cereal).
2. Idade que o instrumento abrange.
3. Tempo de aplicação: esse é um quesito importante, visto que a maioria dos pediatras dispõem de tempo limitado para dar conta de todos os aspectos que demandam uma consulta pediátrica. Os testes mais curtos tendem a tomar 10 minutos do tempo da consulta, mas como muitos são questionários, podem ser dados aos pais para preenchimento na sala de espera, o que otimiza o tempo.
4. Custo: a maioria dos testes tem algum custo para aquisição; alguns são de domínio público como o M CHAT e o PSC, SNAP IV, GMCD e CSC.
5. Treinamento: importante saber que alguns testes requerem treinamento específico enquanto outros são de baixa complexidade de treinamento.
As características dos principais instrumentos de triagem estão detalhadas na Tabela 2. Os instrumentos mais recomendados como triagem global pela AAP são o PEDS e Ages & Stages Questionnaires (ASQ). No Brasil, o teste mais utilizado ainda é o Denver II, que apesar de algumas limitações, é abrangente, tem razoável valor preditivo e na prática pediátrica tem sido uma opção factível para uso no consultório, associado a anamnese.
Quando aplicar um instrumento de screening?
As recomendações da AAP, desde 2006, estão na tabela abaixo. Além dessas datas, deve-se aplicar um instrumento de screening sempre que suspeitado de um atraso por meio da vigilância ou se existir fator de risco (Tabela 3).
Instrumentos específicos para determinadas condições:
8. Avaliação desenvolvimento
A avaliação do desenvolvimento é feita com finalidade diagnóstica para orientação da terapêutica a ser instituída. Compreende escores de avaliação de habilidades da criança e deve ser realizada em pacientes em que já se detectaram sinais de alarme, crianças com screening positivo ou crianças encaminhadas com suspeita de desenvolvimento atípico por outros profissionais da saúde ou da educação (Tabela 4).
Por se tratar de uma avaliação mais detalhada, a avaliação do desenvolvimento consome mais tempo e perícia do pediatra. Pode-se utilizar instrumentos como PEDs, ASQ, Batelle, que são utilizados para screening, mas também têm uma modalidade de avaliação completa. No caso do TEA, existem instrumentos diagnósticos como o ADOS e o ADI-R.
A busca de um diagnóstico em desenvolvimento deve ser considerada com o apoio de equipe multidisciplinar (psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, psiquiatria e neuropsiquiatria, pedagogia e escola) em conjunto com a família, buscando sempre um olhar amplo, individualizado e qualificado.
Em alguns países desenvolvidos, a aplicação de testes é remunerada pelos planos de saúde, o que melhorou muito os índices de triagem, avaliação e detecção precoce dos transtornos do neurodesenvolvimento nesses locais.
É importante ter em conta que instrumentos de avaliação do desenvolvimento medem uma “amostra» do comportamento em um momento particular no tempo e que pouca cooperação e motivação do paciente podem afetar a performance. Os testes são limitados àquilo que foram desenhados para medir. Nenhum teste captura todos os aspectos de funcionamento de uma criança.
Conforme evidenciado, o conhecimento do pediatra a respeito da prevenção e identificação precoce de sinais de alerta no desenvolvimento é uma competência fundamental para o profissional da atualidade. Felizmente, com o avanço do compartilhamento dos saberes por meio da era digital, podemos encontrar um acervo amplo de recursos em websites que promovem conhecimento e treinamento sobre desenvolvimento infantil31. A Tabela 5 lista alguns websites úteis ao pediatra.
CONCLUSÃO
A medicina contemporânea, acompanhando a evolução da pediatria e da sociedade, requer que o médico se aproprie mais intensamente das múltiplas interfaces que influenciam o desenvolvimento infantil. Somente dessa maneira será possível uma atuação ativa na promoção e prevenção de saúde da “nova morbidade”, sobretudo na primeira infância, período sensível no qual a neurociência tem documentado a profunda influência que as experiências exercem no cérebro em desenvolvimento. A neuroplasticidade intensa desse período permite que intervenções precoces por meio da família, terapias e escola possam potencializar a qualidade de vida e a funcionalidade do sujeito.
O pediatra encontra-se em um ponto estratégico e, nesse panorama, seu papel é cobrado em sua total dimensão. Sendo o médico puericultor, que tem um vínculo de confiança com a família, espera-se que o pediatra seja apto a reconhecer precocemente sinais precoces de sofrimento psíquico e atrasos no desenvolvimento, fornecer as intervenções e encaminhamentos necessários e, finalmente, assumir a função de coordenador das múltiplas ações de saúde que essa criança poderá requerer, tratando de que essas se levem a cabo de forma consensuada com as famílias, outorgando-lhes protagonismo. O conhecimento e aplicação dos algoritmos de avaliação do desenvolvimento ajudam a identificar com maior precisão, o mais precoce possível, esses desvios, e disso dependerá, em grande parte, a otimização do potencial que a criança com atraso poderá atingir, melhorando sua participação efetiva e autônoma na sociedade.
REFERÊNCIAS
1. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes de estimulação precoce: crianças de zero a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Ministério da Saúde. 2016; 184.
2. Garner AS, Storfer-Isser A, Szilagyi M, Stein REK, Green CM, Kerker BD, et al. Promoting Early Brain and Child Development: Perceived Barriers and the Utilization of Resources to Address Them. Acad Pediatr [Internet]. 2017; 17(7):697-705. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.acap.2016.11.013.
3. Grantham-Mcgregor S, Cheung YB, Cueto S, Glewwe P, Richter L, Strupp B. Developmental potential in the first 5 years for children in development countries. Lancet. 2007; 369:60-70.
4. Eickmann SH, Emond AM, Lima M. Evaluation of child development: beyond the neuromotor aspect. J Pediatr [Internet]. 2016; 92(3):S71-83. Disponível em: http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S2255553616300106
5. Black MM, Walker SP, Fernald LCH, Andersen CT, DiGirolamo AM, Lu C, et al. Early childhood development coming of age: science through the life course. Lancet. 2017; 389(10064):77-90.
6. Gale CR, O’Callaghan FJ, Godfrey KM, Law CM, Martyn CN. Critical periods of brain growth and cognitive function in children. Brain. 2004; 127(2):321-9.
7. Shonkoff JP, Phillips DA. From Neurons to Neighborhoods: The Science of Early Childhood Development Jack. Environment; 2000.
8. Boivin MJ, Kakooza AM, Warf BC, Davidson LL, Grigorenko EL. Reducing neurodevelopmental disorders and disability through research and interventions. Nature; 2015.
9. Schlotz W, Phillips DIW. Fetal origins of mental health: Evidence and mechanisms. Brain Behav Immun. 2009; 23(7).
10. Knudsen EI. Sensitive periods in the development of the brain and behavior. J Cogn Neurosci. 2004; 16(8):1412-25.
11. Blank D. Controle de injúrias sob a ótica da pediatria contextual. Rio de Janeiro: J Pediatr [Internet]. 2005; 81(5):s123-36. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0021-75572005000700002&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt.
12. Glascoe FP. The value of parents’ concerns to detect and address developmental and behavioural problems. J Paediatr Child Health. 1999; 35(1):1-8.
13. Zuckerman KE, Lindly OJ, Sinche BK. Parental Concerns, Provider Response, and Timeliness of Autism Spectrum Disorder Diagnosis. J Pediatr; 2015.
14. LeBlanc JC, Williams R. Developmental surveillance of young children in clinical settings: Time to step out or step up? Can Med Assoc J [Internet]. 2017; 189(20):E709-10. Disponível em: http://www.cmaj.ca/lookup/doi/10.1503/cmaj.161182.
15. Ferreira JPV. Avaliação do conhecimento de uma amostra de pediatras brasileiros sobre desenvolvimento e comportamento infantil. [Tese de Mestrado]. Canoas (RS): Universidade Luterana do Brasil; 2006.
16. Zeppone SC, Volpon LC, Del Ciampo LA. Monitoramento do desenvolvimento infantil realizado no Brasil TT Monitoring of child development held in Brazil TT La monitoración del desarrollo infantil realizada en Brasil. Rev Paul Pediatr [Internet]. 2012; 30(4):594-9. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-05822012000400019%0Ahttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-05822012000400019&lng=en&nrm=iso&tlng=en.
17. Stein REK, Storfer-Isser A, Kerker BD, Garner A, Szilagyi M, Hoagwood KE, et al. Does Length of Developmental Behavioral Pediatrics Training Matter? Acad Pediatr [Internet]. 2017; 17(1):61-7. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.acap.2016.07.007.
18. World Health Organization. Principles and Practice of Screening for Disease. Public Health Pap [Internet]. 1969; 123(34):349. Disponível em: http://archinte.jamanetwork.com/article.aspx?doi=10.1001/archinte.1969.00300130131020.
19. Thomas SA, Cotton W, Pan X, Ratliff-Schaub K. Comparison of systematic developmental surveillance with standardized developmental screening in primary care. Philadelphia: Clin Pediatr. 2012; 51(2):154-9.
20. O’hare A, Bremner L. Management of developmental speech and language disorders: Part 1. Arch Dis Child. 2015; 1-6.
21. Currie J, Rossin-Slater M. Early-Life Origins of Life-Cycle Well-Being: Research and Policy Implications. J Policy Anal Manag; 2015.
22. Wachs TD, Georgieff M. Issues in the timing of integrated early interventions: contributions from nutrition, neuroscience and psychological research. 2009; 49(18):1841-50.
23. Ministério da Saúde. HumanizaSUS. Prontuário transdisciplinar e projeto terapêutico; 2004.
24. Silverstein M, Sand N, Glascoe FP, Gupta VB, Tonniges TP, Connor KGO. Pediatrician practices regarding referral to early intervention services: is an established diagnosis important? 2006; 6(2):105-9.
25. American Academy of Pediatrics. Care Coordination: Integrating Health and Related Systems of Care for Children With Special Health Care Needs. Pediatrics. 1999; 104(4):978.
26. Walker SP, Wachs TD, Gardner JM, Lozo B, Wasserman GA, Pollitt E, et al. Series Child development in developing countries 2 Child development : risk factors for adverse outcomes in developing countries. Lancet. 2007; 145-57.
27. Halpern R. A consulta terapêutica: a importância da intervenção precoce na primeira infância. In: Manual de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento. Editora Manole. 2015; 73-81.
28. Coelho R, Ferreira JP, Sukiennik R, Halpern R. Desenvolvimento infantil em atenção primária: uma proposta de vigilância. Rio de Janeiro: J Pediatr [Internet]. 2016; 92(5):505-11. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2015.12.006.
29. Kupfer MCM, Jerusalinsky AN, Bernardino LMF, Wanderley D, Rocha PSB, Molina SE, et al. Predictive value of clinical risk indicators in child development: Final results of a study based on psychoanalytic theory. Rev Latinoam Psicopatol Fundam [Internet]. 2010; 13(1):31-52. Disponível em: http://www.openpsychodynamic.com/?page_id=32.
30. Ertem IO, Dogan DG, Gok CG, Kizilates SU, Caliskan A, Atay G, et al. A Guide for Monitoring Child Development in Lowand Middle-Income Countries. Pediatrics [Internet]. 2008; 121(3):e581-9. Disponível em: http://pediatrics.aappublications.org/cgi/doi/10.1542/peds.2007-1771.
Universidade Federal Ciências Saúde Porto Alegre, Programa de Pós-Graduação em Pediatria, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
Endereço para correspondência:
Clarissa Noer
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre
R. Sarmento Leite, 245 - Centro Histórico
Porto Alegre - RS, Brasil. CEP:90050-170
E-mail: clarissanoer@hotmail.com / clarissanoer@gmail.com
Data de Submissão: 04/08/2018
Data de Aprovação: 23/08/2018