ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Caso Interativo - Ano 2019 - Volume 9 - Número 1

Uma criança com rash e artrite: qual o seu diagnóstico?

A child with rash and arthritis: what is the diagnosis?


PACIENTE DE 3 ANOS, SEXO FEMININO

Queixa principal: manchas vermelhas no corpo


Em setembro de 2018 houve aparecimento súbito de manchas vermelhas em membros inferiores (MMII). No dia seguinte, houve aumento no número de lesões e surgiram edema e dor em MMII, impedindo a deambulação. A mãe negava febre e outros sintomas e referiu resfriado há 2 semanas. Indicada a internação.

O exame físico mostrava paciente em bom estado geral, afebril, pesando 14400g e medindo 109,5cm. Poliadenopatia cervical posterior e anterior bilateral, com diâmetro inferior a 1cm, consistência fibroelástica, móvel e indolor.

Ausência de visceromegalias.

MMII com várias lesões purpúricas palpáveis, de contornos mal definidos, menores que 1cm (figuras 1 e 2). Edema bilateral de pés, mole, frio. Dor à movimentação passiva. Edema de mão direita.

Exames complementares (05/09/2018)


U:20 Cr: 0,3 Na:139,2 K: 4,16 Ca: 11,8 Cl: 106



Figura 1. púrpura palpável e edema bilateral de pés.


Figure 2. púrpura palpável e edema bilateral de pés.




Gli: 84 BT: 0,04 BD:0,0 BI:0,0 TGO: 28 TGP: 6

Ptn totais: 7,5

Albumina: 4,5

Hem: 4.63 / Hb: 12,8 / Hct: 39

Leuco: 12.700 ( 0, 2, 0, 0, 2, 66, 21, 9)

Plaquetas: 429.000

EAS: pH: 6,0 / 2 a 3 piócitos por campo /Ausência de proteinúria


Evolução

A dor e o edema melhoraram e a paciente voltou a deambular, mas a partir do 3º dia de internação apareceu dor abdominal após as refeições, que persistiu até o 7ºdia, quando foi avaliada pelo Setor de Reumatologia e orientada conduta que redundou em remissão.

Perguntas


1- A tríade constituída por púrpura palpável, principalmente em MMII, artrite/ artralgia e dor abdominal leva à hipótese de:


A) púrpura trombocitopênica idiopática

B) granulomatose de Wegener

C) púrpura de Henoch-Schoenlein

D) doença de Churg-Strauss

E) todas as respostas acima


púrpura de Henoch-Schoenlein




A classificação para a PHS inclui:-1


• um critério mandatório, que é púrpura palpável ou petéquia com predomínio nos membros inferiores

• + 1 dos 4 seguintes


• Dor abdominal

• Artrite ou artralgia

• Comprometimento renal

• Histopatologia com depósito de IgA


2- Na nova classificação das vasculites, a púrpura de Henock-Shönlein é denominada:


A) granulomatose com poliangeíte

B) granulomatose eosinofílica com poliangeíte

C) micropoliangeíte microscópica

D) vasculite por IgA

E) vasculite de médios vasos


vasculite por IgA




• As vasculites são definidas de acordo com as dimensões dos vasos acometidos (pequenos, médios e grandes vasos). A nomenclatura do consenso de Chapel Hill foi atualizada em 2012. Os epônimos usados foram substituídos por nomes descritivos sempre que possível:2,3

• Púrpura de Henock-Schönlein (PHS) → vasculite por IgA(VIgA)

• Granulomatose de Wegener (GW) → granulomatose com poliangeíte (GPA)

• Síndrome de Churg-Strauss (CS) → granulomatose eosinofílica com poliangeíte (GEPA)


• Novas subcategorias foram adicionadas:2,3

• vasculites isoladas (p.ex vasculite de sistema nervoso central)

• vasculites associadas a doenças sistêmicas (p. ex: lúpus eritematosos sistêmico)

• vasculites com provável etiologia (p. ex: vasculite associada ao vírus da hepatite B)


3- Que afirmativa sobre a vasculite por IgA é verdadeira?



A) Na criança o comprometimento renal grave é frequente.

B) A principal manifestação renal é a proteinúria.

C) A principal manifestação renal é a hipertensão arterial.

D) A nefrite da PHS e nefropatia por IgA são a mesma doença.

E) A principal manifestação gastrointestinal na criança é a hematoquezia.


A nefrite da PHS e nefropatia por IgA são a mesma doença.



• O comprometimento renal, que determina o prognóstico a longo termo, é relatado em 20-55% das crianças e 49-83% dos adultos.4

• Nas crianças o comprometimento renal tende a ser leve, podendo se manifestar como hematúria isolada. A hematúria é a manifestação mais comum.1 Manifestações graves como síndrome nefrótica e insuficiência renal ocorrem mais frequentemente em adultos.4

• A nefrite da PHS e nefropatia por IgA são glomerulopatias que se caracterizam por depósito mesangial de imunocomplexos por IgA1 anormalmente glicosilada e algumas vezes podem ser indistinguíveis. Na nefropatia por IgA os imunocomplexos se depositam exclusivamente nos rins. Há muita evidência indireta que sugere uma relação muito próxima entre ambas.5,6,7

• A principal manifestação do trato gastrointestinal é a dor abdominal.4 Outros sintomas são náuseas, vômitos e melena/hematoquezia.4

• O envolvimento dos pulmões e do sistema nervoso é raro.1


O envolvimento dos pulmões e do sistema nervoso é raro.1


4- Que exame complementar é um critério diagnóstico da vasculite por IgA?


A) Pesquisa de anticorpos citoplasmáticos antineutrofílicos

B) Exame histopatológico demonstrando inflamação granulomatosa

C) Presença de nódulos, cavidades ou infiltrados fixos na TC de tórax

D) Exame histopatológico demonstrando depósitos com predomínio de IgA.

E) Aumento dos níveis séricos de IgA


Pesquisa de anticorpos citoplasmáticos antineutrofílicos



• Na prática o diagnóstico da vasculite por IgA é clínico.3 Não há testes laboratoriais específicos, mas a demonstração numa biópsia de imunocomplexos com predomínio de IgA é um dos critérios diagnósticos.5

• Leucocitose, trombocitose , proteína C reativa e IgA sérica elevadas podem ser observadas.5

• Um teste positivo para os anticorpos anticitoplasmáticos antineutrofílicos (ANCA) tem alta sensibilidade e especificidade para o diagnóstico das chamadas vasculites associadas à ANCA (granulomatose com poliangeíte, granulomatose eosinofílica com poliangeíte e poliangeíte microscópica), quando associado a um contexto clínico adequado.8

• O comprometimento pulmonar é raro na PHS, mas os pulmões são um dos órgãos mais frequentemente comprometidos nas vasculites sistêmicas.9

• Na GEPA 100% dos pacientes apresentam quadro de asma. Vinte e cinco a 55% dos pacientes com PAM apresentam síndrome de hemorragia alveolar difusa.10

• Nódulos parenquimatosos bilaterais, alguns cavitários ou síndrome de hemorragia alveolar podem ocorrer em 52-94% dos casos de GPA.10

• Na arterite de Takayasu pode haver comprometimento da artéria pulmonar e subsequente hipertensão pulmonar em até 86% dos pacientes.10

5- As duas vasculites mais comuns em crianças são:


A) Vasculite por IgA e arterite de Takayassu

B) Doença de Kawasaki e granulomatose de Wegener

C) Vasculite por IgA e doença de Kawasaki

D) Doença de Churg-Stauss e granulomatose de Wegener

E) Vasculite por IgA e doença de Kawasaki


Vasculite por IgA e doença de Kawasaki


• Dados obtidos de registros nacionais mostram que a PHS e a doença de Kawasaki são as vasculites mais frequentes na infância.3

• Na maioria dos países, a vasculite por IgA é a mais frequente com uma incidência de 13-20/100000 em pacientes menores de 17 anos, com pico de incidência de 70/100000 nas crianças entre 4-6anos de idade.3

• A DK tem uma incidência anual que varia de 3,7239/100000 em pacientes abaixo dos 5 anos, dependendo da população estudada. A maior incidência ocorre em pacientes japoneses3 e é importante diagnóstico diferencial com doenças exantemáticas.

6- Sobre o tratamento da vasculite por IgA , pode-se afirmar que:


A) O uso precoce de corticoides previne a nefropatia.

B) O tratamento geralmente é de suporte.

C) O tratamento com gamaglobulina endovenosa deve ser precoce.

D) Anti-inflamatórios são a conduta para a dor abdominal.

E) Imunossupressores sem corticoterapia estão indicados para os quadros de nefrite.


Imunossupressores sem corticoterapia estão indicados para os quadros de nefrite.




O tratamento da PHS é de suporte.1,3

A artrite responde bem aos anti-inflamatórios não esteroidais. Corticosteroides estão indicados para dor abdominal e comprometimento cutâneo graves.3

Não há estudos demonstrando que o uso precoce de corticosteroides previne a doença renal.3

O tratamento da nefrite por PHS e da nefropatia por IgA são o mesmo e a conduta depende do nível de proteinúria e da taxa de filtração glomerular. Além do tratamento de suporte, corticoterapia isolada ou associada a imunossupressores têm sua indicação.7


REFERÊNCIAS

1. Barut K, Sahin S, Kasapkopur O. Pediatric Vasculitis. Curr Opin Rheumatol 2016; 28:29-38

2. Caproni M, Verdelli A. An update on the nomenclature for cutaneous vasculitis. Curr Opin rheumatol 2019; 31:46-52

3. Özen S, Sönmez E, Demir S. Pediatric forms of vasculitis. Best Pract Res Clin Rheumatol 2018; 32:137-147

4. Eleftheriou D, Batu ED, Ozen S, Brogan PA.Vasculitis in children. Nephrol Dial transplant 2015;i94-i103

5. Boyd JK, Barratt J. Inherited IgA glycosilation in IgA nephropathy and HSP nephritis: where do we go next? Kidney International 2011;80: 8-10 28:8-14

6. Selewski DT, Ambruzs JM, Bomback AS, Matar RB, Cai Y, Cattran DC et al. Clinical Characteristics and treatment Patterns of Children and Adults With IgA Nephropathy or IgA Vasculitis: Findings From the CureGN Study. Kidney International Rep.2018;3:1373-1384

7. Nicoara O, Twombley K. Immunoglobulin A Nephropathy and Immunoglobulin A Vasculitis. Pediatr Clin N Am 2019;66:101-110.

8. Kallenberg CGM. Usefulness of antineutrophil cytoplasmatic autoantibodies in diagnosing and managing systemic vasculitis. Curr Opin Rheumatol 2016;28:8-14

9. Talarico R, Barsotti S, elefante E, Baldini CT, mosca M. Systemic vasculitis and the lung. Curro Opin Rheumatol2017;29:45-50

10. Ponte C, Águeda AF, Luqmani RA. Clinical features and structured clinical evaluation of vasculitis. Best pract Res Clin rheumatol 2018; 32: 31-51










1. Médica residente de Pediatria Hospital Municipal Jesus
2. Médica do Serviço de Gastroenterologia Pediátrica e Professora da disciplina de saúde da criança e do adolescente UNESA
3. Médico do Serviço de Pediatria e Gastroenterologista Pediátrico - Hospital M Jesus
4. Professora da Disciplina de Saude da Criança e adolescente-UNESA e Pneumologista e Alergista Pediátrica do Hospital Municipal Jesus
5. Médica do serviço de Reumatologia Pediátrica do Hospital Municipal Jesus- Professora da disciplina de Pediatria da Fundação Tecnico Educacional Souza Marques
6. Coordenadora. Pediatra. Aposentada. Hospital Federal dos Servidores do Estado. Rio de Janeiro, RJ
7. Coordenadora. Professora de Pneumologia Pediátrica. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) . Médico do Departamento de Pneumologia. Instituto Fernandes Figueira /FIOCRUZ. Rio de Janeiro, RJ

Endereço para correspondência:
Patrícia Barreto Costa
IFF. Av. Rui Barbosa 716
Rio de Janeiro, RJ. Brasil. CEP: 22250-020
E-mail: pfbcosta@gmail.com

Data de Submissão: 14/02/2019
Data de Aprovação: 21/02/2019