ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2019 - Volume 9 - Número 1

Descrição do perfil clínico e epidemiológico do parto prematuro e seus desfechos neonatais

Clinical and epidemiological profile of preterm birth and its neonatal outcomes

RESUMO

OBJETIVO: Descrever o perfil clínico e epidemiológico do parto prematuro em uma unidade da rede pública de saúde.
MÉTODOS: Estudo retrospectivo envolvendo a análise de prontuários de 94 neonatos nascidos antes de 37 semanas completas de gestação e os de suas respectivas mães. Para investigação, foram observados dados referentes às condições socioeconômicas maternas, a presença de doenças intercorrentes da gestação, a ocorrência de eventos perinatais agravantes, as condições de nascimento e as complicações neonatais apresentadas.
RESULTADOS: A maioria das gestantes estudadas se encontrava na faixa etária de 15 a 35 anos, tinha entre 4 e 7 anos de escolaridade e residia em áreas urbanas. 95% das gestações foram de feto único, e a prevalência de hipertensão e diabetes foi de 12 e 6%, respectivamente. A ruptura prematura de membrana ocorreu em 25% dos casos, as infecções maternas do trato genitourinário, em 27%, e a corioamnionite, em 5%. A maioria dos neonatos pesava entre 1.000 e 2.499 gramas ao nascer. A complicação mais encontrada foi a infecção neonatal (32%), em especial a sepse precoce, mais observada entre os prematuros de menor idade gestacional e peso, e também naqueles cujas mães apresentaram alguma infecção na gravidez. Outros desfechos neonatais relevantes foram as alterações respiratórias (27%) e a icterícia (26%). Houve 26 óbitos na amostra estudada.
CONCLUSÕES: Prevenir prematuridade e suas consequências demanda conhecimento e monitoramento dos fatores de risco.

Palavras-chave: Ruptura Prematura de Membranas Fetais, Sepse, Síndrome do Desconforto Respiratório do Adulto, Mortalidade Neonatal Precoce, Nascimento Prematuro.

ABSTRACT

OBJECTIVES: To describe the clinical and epidemiological profile of preterm birth in a unit of the public health network.
METHODS: A retrospective study involving the analysis of records of 94 newborns born before 37 completed weeks of gestation and those of their respective mothers. For investigation, data regarding maternal socioeconomic conditions, the presence of intercurrent gestational diseases, the occurrence of aggravating perinatal events, the birth conditions and the neonatal complications were observed.
RESULTS: Most of the pregnant women studied were between the ages of 15 and 35 years, had between 4 and 7 years of schooling and lived in urban areas. 95% of the pregnancies were single fetus, and the prevalence of hypertension and diabetes was 12% and 6%, respectively. Premature membrane rupture occurred in 25% of cases, maternal genitourinary tract infections in 27%, and chorioamnionitis in 5%. Most neonates weighed between 1,000 and 2,499 grams at birth. The most common complication was neonatal infection (32%), especially early sepsis, which was more common among preterm infants of lower gestational age and weight, and also in those whose mothers had some infection during pregnancy. Other relevant neonatal outcomes were respiratory changes (27%) and jaundice (26%). There were 26 deaths in the sample studied.
CONCLUSIONS: Preventing prematurity and its consequences requires knowledge and monitoring of risk factors.

Keywords: Premature Birth, Fetal Membranes, Premature Rupture, Sepsis, Respiratory Distress Syndrome, Newborn, Early Neonatal Mortality.


INTRODUÇÃO

Apesar dos avanços da obstetrícia, a prematuridade ainda se destaca como um dos grandes problemas de saúde pública, e se configura como um preditor relevante de mortalidade e morbidade1-3. A etiologia do parto prematuro permanece incerta porque pouco se sabe sobre o mecanismo intrínseco do desencadeamento do trabalho de parto antes do termo. Estudos epidemiológicos têm evidenciado o papel de diversos fatores de risco entre pré-natais, sociais e maternos1,2,4,5. Embora obscuras as suas causas, elas estão sempre vinculadas com fatores de risco e podem estar relacionadas a gestação: idade da mãe, procedência, número de gestações, tempo de ruptura das membranas amnióticas, hipertensão, diabetes, uso de corticoide antenatal, peso de nascimento, sexo do neonato e Escore de Apgar. A sepse precoce é a infecção mais frequente, se manifesta até 72 horas de vida, e é considerada como de origem materna. Representa um problema frequente e grave, e sua incidência varia conforme o nível de assistência e a população envolvida. Consideramos a importância do conhecimento dos fatores de risco associados ao parto prematuro inserida na realidade de nosso sistema de saúde, no sentido de se detectar aqueles passíveis de prevenção, para que se possam adotar medidas específicas e reduzir as taxas de mortalidade nessa faixa etária9-11,13.


OBJETIVOS

Geral: Descrever o perfil clínico e epidemiológico do parto prematuro em uma unidade da rede pública de saúde.

Específicos: Descrever os principais desfechos neonatais observados nos casos de parto prematuro desta unidade.


MATERIAL E MÉTODOS

Este trabalho constituiu um estudo retrospectivo, em que a análise estatística foi realizada em uma amostra composta pelos prontuários de 94 recém-nascidos vivos prematuros internados em uma UTI neonatal da rede pública e os de suas respectivas mães, no período compreendido entre 1º de fevereiro a 31 de agosto de 2015. Para elaboração do perfil clínico e epidemiológico do parto prematuro nesta unidade, foram analisados os prontuários das pacientes que tiveram parto antes de 37 semanas completas de gestação, normal ou cesariana, cujos recém-nascidos foram internados na UTI neonatal. Para a avaliação das complicações neonatais, foram incluídos no estudo os pacientes nascidos antes de 37 semanas completas de gestação admitidos na UTI neonatal, e foram excluídos os natimortos, fetos com malformações congênitas graves, os óbitos com menos de 24 horas e os nascidos de gestação à termo.


RESULTADOS

A análise do perfil socioeconômico das gestantes estudadas revelou que, com relação à idade materna, 54% estavam na faixa etária entre 20 e 34 anos, 12% estavam na faixa etária entre 35 e 45 anos, 30% na faixa etária entre 15 e 19 anos e 4% na faixa etária igual ou menor que 15 anos. Quanto à escolaridade, os resultados indicaram que 8% das pacientes tinham mais de 10 anos de estudo, 25% tinham entre 8 e 11 anos de estudo, 40% tinham entre 4 e 7 anos de estudo e 21% tinham entre 1 e 3 anos de estudo. Quanto à procedência, 20% residiam em zona rural (interior), 12% em zona rural (vilarejo), 32% em área urbana (periferia) e 48% em área urbana (bairros). Quanto ao acompanhamento pré-natal, foi verificado que a maioria das pacientes teve acesso a 4 a 5 consultas, em média.

Avaliando os fatores perinatais que poderiam contribuir para o parto prematuro, (Figura 1) observou-se que a gestação múltipla ocorreu em 5% dos casos. Com relação às infecções maternas, principalmente as do trato geniturinário, evidenciou-se uma prevalência de 27%; a corioamnionite ocorreu em 5% dos casos. A ruptura prematura de membrana (RPM) foi um evento presente em 25% das gestações. A frequência de utilização de corticoide antenatal no período foi de 30%. A prevalência de hipertensão na gravidez neste estudo foi de 12% e a de diabetes foi de 6%.


Figura 1. Principais fatores de risco gestacionais e perinatais para o parto prematuro. Percentual de incidência dos fatores de risco.



A idade gestacional no período estudado variou entre 25 e 36 semanas e 6 dias. O grupo com IG menor ou igual a 34 semanas representou 67,2% dos prematuros, e aqueles entre 34 semanas e 1 dia e 36 semanas e 6 dias corresponderam a 32,8%. Com relação ao peso do nascimento, 6% pesavam menos que 750 g, 12% de 750 a 999 g, 36% de 1.000 a 1.499 g, 43% de 1.500 a 2.499 g e 3% mais que 2.500g. Cerca de 54% dos prematuros eram do sexo feminino e 46%, do sexo masculino. No que se refere ao índice de Apgar no quinto minuto de vida, o resultado da pesquisa mostra: 4% com índice de Apgar ignorado, 52% com índice de Apgar entre 9 e 10, 27% entre 7 e 8, 13% entre 5 e 6 e 4% com índice igual ou menor que 5.

A complicação neonatal mais encontrada (Figura 2) foi a infecção, sendo a sepse precoce o principal tipo, confirmada com 32% dos casos. A prevalência de alterações respiratórias também foi alta na amostra, perfazendo um total de 62 casos (27%). Nove recém-nascidos (4%) apresentaram hemorragia peri-intraventricular (HPIV). Dentre outras complicações, destacam-se os 56 casos de icterícia, acometendo 26% dos bebês, e um total de 26 óbitos no período (11%).


Figura 2. Principais complicações neonatais. Percentual de incidência das complicações.



DISCUSSÃO

No presente estudo foi descrito o perfil clínico e epidemiológico do parto prematuro, assim como foram observadas as principais consequências neonatais decorrentes desse evento, sendo os resultados inseridos na realidade da saúde pública de nosso município, que se assemelha grandemente à realidade descrita em estudos realizados em outras localidades no nosso país. Tendo em vista que muitos dos casos de parto prematuro sofrem influência de fatores de risco preveníveis ou controláveis ainda no início da gestação, é de suma importância que seja observado e valorizado o número de consultas pré-natais as quais as pacientes se submetem. Embora o número médio dessas consultas na amostra estudada tenha sido próximo ao preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a garantia de que todas as gestantes realizem pelo menos seis consultas de pré-natal ainda é meta a ser atingida para a melhoria da mortalidade infantil3,6. Fazendo uma análise de caráter ainda mais retrospectivo, é interessante observar que a maioria das gestantes da amostra apresentavam somente de 4 a 7 anos de estudo, o que comprova que o nível de escolaridade interfere diretamente nas condições de vida e saúde das pessoas, e também nos cuidados com a gestação.

Com relação às doenças intercorrentes da gestação avaliadas neste estudo, a literatura mostra que, apesar do progresso considerável no cuidado das mulheres grávidas diabéticas, o risco de parto prematuro ainda é bastante elevado. Foi evidenciado que 36% dos neonatos nascidos de mães com diabetes gestacional ou daquelas com diabetes preexistente dependente de insulina nasceram prematuramente, em comparação com 9,7% na população em geral15,16. Segundo o Ministério da Saúde, a doença hipertensiva na gravidez é considerada como fator de risco evidente para o parto prematuro. Suas repercussões mais frequentes para o concepto são: a prematuridade, restrição do crescimento intrauterino e baixo peso ao nascer14,15. Apesar de a gestação gemelar ter sido pouco prevalente neste estudo, é sabido que a simples presença de mais um feto aumenta a chance de neonatos prematuros, hipertensão arterial, ruptura prematura das membranas e morte fetal intraútero5,13. As infecções maternas, com destaque para as infecções do trato urinário e a corioamnionite, são citadas na literatura como fatores importantes na elevação do risco de parto prematuro12,13,16,17. Neste estudo, evidenciou-se um aumento da ocorrência de sepse neonatal nos pacientes cujas mães apresentaram alguma infecção durante o período gestacional, sem relação com a época que esta ocorreu. No local do estudo, a quimioprofilaxia intraparto ainda não foi devidamente implantada. A ruptura prematura de membrana (RPM) em idade gestacional inferior a 37 semanas é amplamente reconhecida como fator de risco para prematuridade e outras complicações neonatais como pneumonia, sepse, síndrome do desconforto respiratório e hemorragia intraventricular. Na literatura, sua prevalência se encontra em torno de 30 a 40%. Nos programas de assistência pré-natal, as culturas vaginal e anal para pesquisa do estreptococo ainda não é rotineira13-15.

Atualmente, pela evidência da eficácia da terapia antenatal com corticosteroide, pelos seus efeitos benéficos e indiscutíveis no trato respiratório do prematuro, além da redução das incidências de hemorragia intraventricular e da enterocolite necrosante, tal conduta deve ser realizada nas gestantes em risco de parto pré-termo, entre 24 e 34 semanas11,13,14. No presente estudo, observou-se que a maioria das gestantes (cerca de 70%) que não o receberam encontravam-se em trabalho de parto avançado. O que significa que a não administração do mesmo se deu em razão de um intervalo de tempo insuficiente, uma vez que não seria mais possível a inibição do trabalho de parto.

Em se tratando dos desfechos neonatais mais prevalentes, o fato de que a quase totalidade dos neonatos da amostra estudada apresentaram baixo peso ao nascer pode ser explicado não somente como uma consequência do parto prematuro em si, mas também em razão de os participantes da pesquisa pertencerem a uma população rotineiramente referenciada para um serviço que atende exclusivamente recém-nascidos de alto risco. Os casos de sepse precoce investigados neste estudo estiveram relacionados a fatores pré-natais e do periparto, sendo também encontrada associação com maior ocorrência no grupo de prematuros com menor peso e idade gestacional, de acordo com o que mostra a literatura15,17. As alterações respiratórias são eventos muito frequentes em prematuros e constituem importante fator de mortalidade e morbidade na infância13-15. Investigando-se os pacientes que tiveram como complicação a hemorragia peri-intraventricular, encontrou-se associação significativa com os recém-nascidos prematuros que tiveram ausência de pré-natal, presença de infecção e outras complicações17,18. Os resultados obtidos demonstram que esses pacientes tiveram a necessidade de atendimento de maior nível de complexidade e maiores chances de complicações e sequelas em vários níveis, remetendo à disponibilidade de estrutura técnica, equipamentos e recursos humanos capacitados para atendimento de maior complexidade e reversão da situação de risco apresentada ao nascer.


CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo, inseridos na realidade da instituição onde a pesquisa foi realizada, demonstram que o parto prematuro, ainda que de etiologia multifatorial, tem relação, sobretudo, com os hábitos de vida, a qualidade da assistência pré-natal e com as condições socioeconômicas e clínicas maternas. A fragilidade dos recém-nascidos prematuros contribui para a possibilidade eminente de riscos, agravos e sequelas de diversos tipos, com diferentes consequências e interveniências no processo do desenvolvimento e crescimento infantil. Por essa razão, faz-se necessário conhecer o perfil epidemiológico e clínico do parto prematuro na localidade onde se atua com o intuito de prever e considerar riscos e prognósticos, para que se possa eventualmente instaurar e promover medidas preventivas capazes de melhorar a realidade atual.


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Graduação - Médica

Endereço para correspondência:
Ana Clara Monteiro Laranjeira
Maternidade Escola Santa Mônica
Rua Professora Nadyr Maia Gomes Rêgo, nº 1256, Jatiúca
Maceió-AL. Brasil. CEP: 57036-760
E-mail: clarinha_ana_@hotmail.com

Data de Submissão: 24/07/2017
Data de Aprovação: 05/12/2017