ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2019 - Volume 9 - Número 3

Síndrome neuroléptica maligna em paciente pediátrico

A pediatric patient with neuroleptic malignant syndrome

RESUMO

A intoxicação por risperidona (antipsicótico atípico) pode levar à síndrome neuroléptica maligna com sintomas extrapiramidais. Dentre os critérios diagnósticos estão: uso recente de neurolépticos, hipertermia, rigidez muscular, tremor, disfagia, alteração de consciência, taquipneia, taquicardia, leucocitose e elevação da creatinofosfoquinase. Casos pediátricos são incomuns, porém graves se não prontamente reconhecidos e tratados. Nós relatamos o caso de uma criança admitida no pronto-socorro com sintomas extrapiramidais por intoxicação não intencional por risperidona.

Palavras-chave: Risperidona, Síndromes Neurotóxicas, Pediatria, Comportamento, Antagonistas de Dopamina.

ABSTRACT

Poisoning by risperidone (an atypical antipsychotic medication) may lead to neuroleptic malignant syndrome and produce extrapyramidal side effects. Diagnostic criteria include recent use of neuroleptics; fever; muscular rigidity; tremors; dysphagia; altered consciousness; tachypnea; tachycardia; leukocytosis; and elevated creatine phosphokinase. Pediatric cases are uncommon but severe, unless they are promptly recognized and treated. This paper reports the case of a child who arrived in an emergency unit presenting extrapyramidal symptoms caused by unintentional risperidone poisoning.

Keywords: Risperidone, Neurotoxicity Syndromes, Pediatrics, Behavior, Dopamine Antagonists.


INTRODUÇÃO

A risperidona é uma medicação da classe dos antipsicóticos atípicos indicada e usada para o tratamento de diversos transtornos: déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), psicóticos, bipolaridade, esquizofrenia, autismo e comportamentais.1

Dentre os eventos adversos decorrentes do uso da risperidona apresentam-se os acidentes vasculares cerebrais, hipotensão ortostática, leucopenia, neutropenia, agranulocitose, tromboembolismo venoso, sintomas extrapiramidais, síndrome neuroléptica maligna, hiperglicemia, ganho de peso, risco de desenvolvimento de hiperprolactinemia, síndrome plurimetabólica, priapismo, efeito antiemético e redução do limiar de convulsão.1,2

Existe um aumento considerável no uso de antipsicóticos na pediatria e a risperidona é a mais prescrita da classe nesta faixa etária.3 Esta exposição, cada vez mais frequente, pode levar às complicações decorrentes do uso incorreto da medicação. Neste relato temos o caso de um escolar com sintomas extrapiramidais pelo uso de risperidona em sobredose.


RELATO DE CASO

Escolar, sete anos, sexo masculino, natural e procedente de Macaé/RJ, deu entrada no pronto-socorro apresentando contratura muscular em região cervical, cianose central, disartria, história de hipertermia e taquicardia. Fez uso de risperidona nas últimas 72h por recomendação médica para tratamento de transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). A dose prescrita foi de 0,25ml, porém foi administrado 2,5ml por engano e o menor evoluiu com o quadro acima descrito.

À admissão negou uso de outra medicação ou qualquer outro sintoma. Nega comorbidades e alergias medicamentosas. O menor iniciou tratamento para TDAH por apresentar sintomas de irritabilidade, comportamento agitado/agressivo e baixo rendimento escolar. Pratica exercício físico regular (jiu-jitsu) há dois anos.

Durante internação foi avaliado pela neurologia, medicado com haloperidol (2mg/dose) e mantido em observação. Houve melhora parcial dos sintomas e após sete horas da admissão fez segunda crise de rigidez muscular de cervical e tronco; realizada nova dose de haloperidol (4mg/dose) e, também, cloridrato de prometazina. Cerca de 20 minutos depois da medicação fez outra crise hipertônica. Foram solicitados exames e parecer do especialista.

-Hemograma: eritrócitos: 5,31 milhões; hemoglobina: 14,5 g/dL; hematócrito: 41,2%; VCM: 77,59fL; HCM: 27,31 pg; CHCM: 35,19 g/dL; RDW: 13%; leucócitos: 6750 mm3 (basófilos 0%; eosinófilos 9%; mielócitos 0%; metamielócitos 0%; bastonetes 1%; segmentados 61%; linfócitos típicos 23%; monócitos 6%); plaquetas: 250 mil mm3.

-Bioquímica: ureia: 21mg/dL; creatinina: 0,5 mg/dL; cálcio: 8,9 mg/dL; fósforo: 4,2 mg/dL; potássio: 4,1 mmol/L; sódio: 135mEq/L.

O neurologista reavaliou o paciente, sugerindo hipóteses de distonia aguda, discinesia tardia; porém, diagnosticou como intoxicação por risperidona e sugeriu contato com centro de intoxicação.

O centro de intoxicação orientou manter paciente em hidratação venosa, monitorização contínua, solicitar ECG e eletrólitos, medicar com cloridrato de biperideno (0,06mg/kg/dose) e observar.

Após 24h da admissão o paciente apresentou a quarta crise de contratura muscular. Foi avaliado por neuropediatra que suspendeu haloperidol e cloridrato de prometazina, manteve cloridrato de biperideno e adicionou à prescrição rivotril para uso em caso de contratura e rigidez muscular.

-Laudo do ECG: normal.

-Hemograma: eritrócitos: 5,49 milhões; hemoglobina: 14,8 g/dL; hematócrito: 43,5%; VCM: 79,23 fL; HCM: 26,96 pg; CHCM: 34,02 g/dL; RDW: 13,2%; leucócitos: 5590 mm3 (basófilos 0%; eosinófilos 2%; mielócitos 0%; metamielócitos 0%; bastonetes 0%; segmentados 73%; linfócitos típicos 18%; monócitos 7%); plaquetas: 278 mil mm3.

-Bioquímica: gama GT 15 U/L; PCR 6,4 mg/L; CK-MB 35 ng/mL; CPK 144U/L; ureia 18 mg/dL; creatinina 0,66 mg/dL; AST 24 U/L; ALT 30 U/L; fosfatase alcalina 511 U/L;

Na ocasião não foi coletado exame para análise de urina, portanto não foi possível determinar mioglobinúria; o que determinaria um prognóstico pior. Os sintomas extrapiramidais ocorreram dentro das primeiras 48h de internação. O menor apresentava sonolência, porém com dados vitais estáveis, sem queixas e afebril. Mantido em internação hospitalar até resolução completa do quadro e reavaliação por neuropediatra, este deu alta e orientou em relação à necessidade do acompanhamento ambulatorial.

O paciente está em acompanhamento pelo ambulatório de neuropediatria.


DISCUSSÃO

A intoxicação por risperidona pode levar à um efeito secundário, a síndrome neuroléptica maligna (SNM), evento este raro; no entanto, quando ocorre, deve ser prontamente reconhecido e tratado, pois é grave e fatal.

A fisiopatologia da SNM decorre do bloqueio de receptores dopaminérgicos, porém não está totalmente definido onde e de que maneira atuam.

A síndrome tem uma clínica inicialmente heterogênea e para estabelecer diagnósticos consideramos os critérios da Sociedade Americana de Psiquiatria4 (DSM V 2013):

-Pacientes expostos à antagonistas da dopamina 72h antes dos sintomas.

-Hipertermia: acima de 38ºC em duas medições orais associada à sudorese.

-Rigidez generalizada de forma grave sem resposta a agentes antiparkinsonianos, podendo estar associada à tremor, sialorreia, acinesia, distonia, trismo, mioclonia, disartria, disfagia e rabdomiólise.

-Elevação da creatina quinase em no mínimo quatro vezes ao limite superior.

-Mudanças no estado mental: delirium ou alteração de consciência.

-Ativação e instabilidade autonômica: taquicardia, diaforese, elevação ou flutuação da pressão arterial, incontinência urinária e palidez.

-Taquipneia e sofrimento respiratório.

Analisando nosso caso, reconhecemos os sintomas extrapiramidais e conseguimos correlacionar com os critérios da SNM. Inclusive indicadores precoces, como instabilidade autonômica.

A duração deste quadro, em crianças em uso de medicação antipsicótica atípica é em média de seis dias e, conforme descrito na literatura, os sintomas extrapiramidais mais comuns são hipertermia e taquicardia.5 A maioria dos pacientes se recupera totalmente em 30 dias, visto que a síndrome é autolimitada a partir da interrupção do fármaco.4

A importância maior do uso dos critérios está no rápido diagnóstico e no tratamento, pois a evolução do quadro envolve insuficiência respiratória, renal e convulsões.6

Dentre os diagnósticos diferenciais estão condições infecciosas, autoimunes, epilepsias e condições sistêmicas.4

O tratamento da SNM inclui medidas de suporte, suspensão da medicação e observação rigorosa. Um tratamento específico ainda está em estudo, pois a população pediátrica tem apresentado diferentes respostas terapêuticas quando comparadas com a população adulta.7 Vale ressaltar que uma pequena parcela de pacientes pode ter recorrência da síndrome se novo contato com antipsicóticos após um episódio.4


CONCLUSÃO

A intoxicação por antipsicóticos atípicos, neste caso por risperidona, é crescente no meio pediátrico, visto que a prescrição destas medicações tem aumentado nos últimos anos.

O objetivo deste relato é alertar em relação a intoxicação, seja ela acidental ou não, pois no pronto-atendimento pediátrico muitos diagnósticos diferenciais são discutidos e a síndrome neuroléptica maligna (SNM) deve estar entre eles.


REFERÊNCIAS

1. Rocha, Gibsi P., Batista, Bianca H., & Nunes, Magda L.. (2004). Orientações ao pediatra sobre o manejo das drogas psicoativas e antiepilépticas. Jornal de Pediatria, 80(2, Suppl. ), 45-55. https://dx.doi.org/10.1590/S0021-75572004000300007

2. Santa Catarina. Secretaria de Estado da Saúde. Protocolos da Rede de Atenção Psicossocial de Santa Catarina. (Org.: Serrano, A.I.). ISBN 978-85-62522-13-0. Florianópolis: Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina, 2016.

3. Karaca S, Özatalay E, Canan F. A Case of Risperidone Overdose in a 4-Year-Old Boy. The Primary Care Companion for CNS Disorders. 2016;18(2):10.4088/PCC.15l01855. doi:10.4088/PCC.15l01855.

4. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition (DSM-V). Arlington, VA: American Psychiatric Association, 2013.

5. Neuhut R, Lindenmayer J-P, Silva R. Neuroleptic Malignant Syndrome in Children and Adolescents on Atypical Antipsychotic Medication: A Review. Journal of Child and Adolescent Psychopharmacology. 2009;19(4):415-422. doi:10.1089/cap.2008.0130.

6. Hanel, Ricardo A., Sandmann, Marcos C., Kranich, Martina, & Bittencourt, Paulo R. M. De. (1998). Síndrome neuroléptica maligna: relato de caso com recorrência associada ao uso de olanzapina. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 56(4), 833-837. https://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X1998000500022

7. Pimentel, S., Silva, R., & Calado, E. (2008). Sindroma Maligno dos Neurolépticos–Dificuldades de Diagnóstico no Serviço de Urgência.










1. Médico Residente de Pediatria - Hospital Público Municipal Dr. Fernando Pereira da Silva (HPM). Macaé - RJ. Brasil
2. Médico residente - Hospital Público Municipal Dr. Fernando Pereira da Silva (HPM). Macaé - RJ. Brasil

Endereço para correspondência:
Ana Lúcia Hanke Kaiel Nassif
Hospital Público Municipal Dr. Fernando Pereira da Silva (HPM)
Rua Ruy Figueiredo Borges, nº 55, Bairro Lagoa
Macaé - RJ. Brasil. CEP: 27920-470
E-mail: ana_hanke@hotmail.com

Data de Submissão: 14/01/2018
Data de Aprovação: 22/01/2019