ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2019 - Volume 9 - Número 3

Rim ectópico intratorácico em paciente pediátrico

Ectopic intrathoracic kidney in a pediatric patient

RESUMO

A ectopia renal refere-se a um rim situado em qualquer local que não seja a fossa renal. Ocorre em aproximadamente 1 a cada 1000 nascimentos, mas apenas 1 de cada 10 deles já foram diagnosticados. Neste estudo, relata-se o caso de uma paciente do sexo feminino, 2 anos, na qual foi evidenciada na radiografia torácica, incidentalmente, uma massa em hemitórax esquerdo. A ultrassonografia mostrou que o rim esquerdo da paciente encontrava-se no tórax, à esquerda do coração, exame confirmado posteriormente por tomografia computadorizada. Devido à dificuldade para elucidar se a ectopia renal seria secundária à falha diafragmática ou apenas à eventração, foi solicitada uma ressonância nuclear magnética de tórax que comprovou que a ectopia renal era secundária à eventração do diafragma. Assim como no caso relatado, a eventração diafragmática não costuma ser sintomática, nem gerar repercussão clínica, não requerendo tratamento cirúrgico na maioria das vezes. Dessa forma, optou-se por manter acompanhamento a nível ambulatorial. No mais, apesar de raro, o rim intratorácico não deve ser esquecido no diagnóstico diferencial de massa intratorácica.

Palavras-chave: rim, cavidade torácica, anormalidades congênitas, lactente.

ABSTRACT

Renal ectopia refers to a kidney situated in any location other than the renal fossa. It occurs in about 1 in 1000 births, but only 1 in 10 of them have been diagnosed. In this study, we report the case of a female patient, 2 years old, in whom a mass in the left hemithorax was evidenced on the chest radiograph. Ultrasonography showed that the patient’s left kidney was in the chest, the left of the heart, an examination confirmed later by computed tomography. Due to the difficulty in elucidating whether renal ectopy would be secondary to diaphragmatic failure or only to eventration, a nuclear magnetic resonance imaging of the thorax was requested, which proved that renal ectopy was secondary to eventration of the diaphragm. As in the case reported, diaphragmatic eventration is not usually symptomatic, nor does it generate clinical repercussion, and does not require surgical treatment most of the time. Thus, it was decided to keep follow-up at outpatient level. In addition, although rare, intrathoracic kidney should not be overlooked in the differential diagnosis of intrathoracic mass.

Keywords: kidney, thoracic cavity, congenital abnormalities, infant.


INTRODUÇÃO

A ectopia renal refere-se a um rim situado em qualquer local que não seja a fossa renal. Ocorre em aproximadamente 1 a cada 1000 nascimentos, mas apenas 1 de cada 10 deles já foi diagnosticado1.

O rim ectópico pode ser pélvico, ilíaco, abdominal, intratorácico, contralateral ou cruzado2. Desses subtipos, o pélvico é o mais frequentemente relatado e os intratorácicos possuem a menor frequência, representando menos de 5% dos casos, com incidência relatada de menos de 5 casos por 1 milhão de nascimentos1,3. Na literatura médica, até 2012, foram relatados apenas 13 casos de rim intratorácico na faixa etária pediátrica4.

Na maioria dos casos, os rins intratorácicos são descobertos incidentalmente como uma massa em uma radiografia de tórax5. Geralmente, são assintomáticos; em outros casos, podem causar problemas respiratórios ou urinários. Podem funcionar normalmente, apesar de não estarem em sua posição habitual6.

O rim intratorácico é mais frequente no sexo masculino, com uma proporção de 2:1. É observado principalmente no lado esquerdo (61%), mas também pode estar localizado no lado direito (36%) ou bilateralmente (2%). Em todos os casos, o rim possui localização na cavidade torácica e não no espaço pleural, com vasos renais e ureter, geralmente, saindo do tórax através do forame de Bochdalek (forame diafragmático posterolateral)1,3.

O rim normal origina-se opostamente ao vigésimo oitavo somito, ao nível da quarta vértebra lombar, onde o ureter se une caudalmente. No feto a termo, o rim já ascendeu até o nível da primeira vértebra lombar ou até mesmo à décima segunda vértebra torácica. Essa ascensão do rim é causada não apenas pela real migração cefálica, mas também pelo crescimento diferencial na região caudal do corpo. Durante o período inicial da ascensão (sétima a nona semana), o rim desliza acima da bifurcação da artéria aorta e gira 90 graus. Sua borda convexa está direcionada lateralmente, e não dorsalmente. A ascensão prossegue mais lentamente até que o rim atinja sua posição final7.

O diafragma forma-se completamente até a nona semana, e a ascensão contínua do rim produz sua umbilicação intratorácica na presença do diafragma incompletamente formado. A baixa incidência de ectopia renal direita é explicada pela fusão precoce do canal pleuroperitoneal desse lado e pela presença do fígado como barreira7.

Vários fatores foram sugeridos como causa da ectopia renal intratorácica, como: a ascensão rápida do rim, fechamento tardio ou a má formação da membrana pleuroperitoneal, defeito no desenvolvimento do fígado ou glândulas adrenais e persistência do cordão nefrogênico1.

Considera-se que os seguintes fatores, durante o período intrauterino, possam desempenhar um papel na etiopatogenia: deficiência de ácido fólico ou vitamina A, exposição a medicamentos teratogênicos, substâncias químicas, raios ionizantes, infecções ou infestações como Schistosoma haematobium ou malária3.

O diagnóstico de ectopia renal intratorácica ainda é um desafio. Anteriormente, a urografia excretora era o exame de imagem de escolha para o diagnóstico desta condição, mas, atualmente, foi superada pela tomografia computadorizada e pela ultrassonografia. Após o diagnóstico da ectopia, a cintilografia renal deve ser realizada para avaliar a função renal com maior precisão1.

Embora a literatura inicial tenha recomendado um tratamento agressivo, a maioria dos casos de rim intratorácico não necessita de abordagem cirúrgica, fazendo com que sejam adotadas condutas cada vez mais conservadoras. O tratamento cirúrgico em Pediatria é reservado para casos em que há associação com hérnia intestinal ou comprometimento respiratório, principalmente em crianças com rins intratorácicos bilaterais, pois existe preocupação com o crescimento e desenvolvimento desses rins, além da potencial obstrução vascular ou uretérica4.


RELATO DO CASO

I.F.S., 2 anos, sexo feminino, procedente de Vicência-PE, atendida no serviço de emergência com história de febre há 4 dias, aumento do volume abdominal há 3 dias e vômitos há 2 dias. Ao exame físico inicial, encontrava-se em bom estado geral, hipocorada (+/4+), abdome globoso, indolor, com fígado palpável a 4 cm do rebordo costal direito e baço a 2 cm do rebordo costal esquerdo. Foi iniciada investigação de hepatoesplenomegalia febril.

Durante a investigação clínica, a radiografia de tórax revelou imagem sugestiva de eventração diafragmática e a ultrassonografia de abdome e tórax evidenciou que o rim esquerdo da paciente encontrava-se no tórax, à esquerda do coração. Solicitada tomografia de tórax e abdome, que mostrou fígado e baço com dimensões discretamente aumentadas, presença de rim esquerdo intratorácico em íntimo contato com átrio e ventrículo esquerdo. Rim com forma, volume, contorno e atenuação regulares.

Como houve dificuldade para elucidar se a ectopia renal seria secundária à falha diafragmática ou apenas à eventração, foi requisitada uma ressonância nuclear magnética (RNM) do tórax (Figura 1) para melhor análise. Esta esclareceu eventração/lobulação da porção posterior da hemicúpula diafragmática esquerda, determinando atelectasia parcial compressiva da base pulmonar adjacente. Rim esquerdo ectópico, em topografia da transição toracoabdominal esquerda. Rim esquerdo e ângulo esplênico dos cólons projetados para a base do hemitórax esquerdo.


Figura 1. Ressonância magnética evidenciando rim ectópico em hemitórax esquerdo.



Após o diagnóstico da ectopia renal e constatada sua proximidade com a área cardíaca, foi solicitado ecocardiograma transtorácico, que não evidenciou alterações anatômicas e funcionais do coração.

Paciente avaliada por especialistas da Cirurgia e Nefrologia Pediátrica que, diante do bom estado geral da paciente e o fato do achado da ectopia renal não estar determinando nenhuma repercussão clínica imediata, optaram por manter acompanhamento em nível ambulatorial, com programação para realização de cintilografia renal, com intuito de avaliar a funcionalidade do rim ectópico.


DISCUSSÃO

O rim intratorácico é a ectopia renal mais rara, com apenas 200 casos relatos na literatura, sendo 13 deles em crianças1,5. A maioria dos casos é descoberta diante da investigação de radiografia com presença de massa em região torácica, como foi o caso da paciente em questão1. Assim como no caso da nossa paciente, existe predominância do lado esquerdo (61%) em relação ao direito (36%), sendo esta entidade raramente bilateral1,3. No entanto, existe grande predominância do sexo masculino em relação ao feminino, o que vai de encontro ao nosso achado5.

A ectopia renal intratorácica pode ser classificada como: (I) ectopia verdadeira; (II) eventração diafragmática; (III) hérnia diafragmática; e (IV) lesões traumáticas do diafragma. Esses subtipos possuem repercussão terapêutica e prognóstica3,5. No caso da paciente em questão, a RNM evidenciou sinais de eventração diafragmática, com rim esquerdo e ângulo esplênico dos cólons projetados para hemitórax esquerdo.

A relação do rim intratorácico com o diafragma pode variar de caso a caso. O nosso foi acompanhado por eventração diafragmática, a qual é causada por insuficiência das fibras musculares, devido à paralisia, aplasia ou atrofia no período pré-natal, e é uma condição muito rara. Assim como no nosso caso, eventração diafragmática não costuma ser sintomática. Por este motivo, na maioria das vezes, não requer tratamento cirúrgico, optando-se, portanto, por manter acompanhamento da paciente a nível ambulatorial3,8.

Segundo a literatura, ectopia renal está relacionada com múltiplas anomalias sistêmicas3. No sexo feminino, anomalias genitais como agenesia de útero e vagina (exemplos: agenesia mülleriana e síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser)9 ou útero unicorno têm sido associadas à ectopia renal10. No entanto, durante o internamento da paciente, não foram evidenciadas outras malformações congênitas.

Assim, no diagnóstico diferencial de massa intratorácica, mesmo sendo uma entidade rara, deve-se pensar em rim intratorácico, que geralmente é assintomático e pode ser identificado, pela ultrassonografia ou tomografia de tórax, como no caso em questão7.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A maioria dos casos de rim ectópico intratorácico aparece como uma tumoração encontrada em radiografias de tórax solicitadas por qualquer outra razão alheia à suspeita dessa anomalia, e não necessita de tratamento específico.


REFERÊNCIAS

1. Gupta A, Maheshwarappa RP, Jangid H, Lal Meena M. Ectopic intrathoracic kidney: A case report and literature review. Hong Kong J Nephrol. 2013;15(1):48-50.

2. Mensah YB, Forson C. Left thoracic kidney: a rare finding at intravenous urography. Ghana Med J. 2010;44(1):39-40.

3. Arslan H, Aydogan C, Orcen C, GonIllu E. A rare case: Congenital thoracic ectopic kidney with diaphragmatic eventration. J Pak Med Assoc. 2016;66(3):339-41.

4. Murphy JJ, Altit G, Zerhouni S. The intrathoracic kidney: should we fix it? J Pediatr Surg. 2012;47(5):970-3.

5. Khoshchehreh M, Paknejad O, Bakhshayesh-Karam M, Pazoki M. Thoracic Kidney: Extremely Rare State of Aberrant Kidney. Case Rep Urol. 2015;2015:672628.

6. Ilgi M, Kutsal C, Albayrak AT, Kirecci SL, Temel U. A rare malformation of urinary system: Right ectopic thoracic kidney. Urol Ann. 2017;9(3):299-300.

7. Beraldo CL, Magalhães EF, Martins DT, Coutinho DS, Tiburzio LS, Ribeiro Neto M. Rim intratorácico ectópico. J Bras Pneumol. 2005;31(2):181-3.

8. Sinha AK, Vaghela MM, Kumar B, Kumar P, Neha N. Ectopic thoracic kidney in a child presenting with recurrent cough: a case report and review of literature. Ann Pediatr Surg. 2017;13(3):172-3.

9. D’Alberton A, Reschini E, Ferrari N, Candiani P. Prevalence of urinary tract abnormalities in a large series of patients with uterovaginal atresia. J Urol. 1981;126(5):623-4.

10. Fedele L, Bianchi S, Agnoli B, Tozzi L, Vignali M. Urinary tract anomalies associated with unicornuate uterus. J Urol. 1996;155(3):847-8.










1. Médico - Residente em pediatria pelo Hospital Barão de Lucena, Recife, PE, Brasil
2. Acadêmica de medicina - Discente do curso de medicina da Universidade de Pernambuco - Campus Santo Amaro, Recife, PE, Brasil
3. Médica - Preceptora da residência de pediatria do Hospital Barão de Lucena, Recife, PE, Brasil

Endereço para correspondência:
Julie de Souza Barreto
Hospital Barão de Lucena, Recife-PE
Av. Caxangá, nº 3860, 3º Andar, Iputinga. Recife - PE. Brasil
CEP: 50731-000
E-mail: julie_barreto@hotmail.com

Data de Submissão: 19/01/2018
Data de Aprovação: 13/03/2018