Relato de Caso
-
Ano 2019 -
Volume 9 -
Número
3
Pustulose exantemática generalizada aguda em criança de 9 anos
Acute generalized exanthematous pustulosis in a 9-year-old child
Lorena Amaral Batista Leite1; Eve Grillo Carvalho1; Lorena Luana Batista2; Henrique Guarino Colli Peluso2; Walmer Cardoso de Oliveira Júnior2; Henrique Pinheiro Leite Benedito2; Fernanda Araújo Melato2
RESUMO
A pustulose exantemática generalizada aguda (PEGA) é uma afecção rara caracterizada por pústulas estéreis não foliculares com edema e eritema subjacentes, acompanhados por febre alta e leucocitose.
OBJETIVO: Relatar um caso de PEGA em criança admitida na enfermaria pediátrica com quadro de febre e erupção cutânea pustulosa disseminada, caracterizada por múltiplas pústulas de conteúdo estéril, acompanhadas por eritema difuso, bem como realizar revisão bibliográfica da literatura atual sobre a doença.
MÉTODOS: Relato e discussão do caso descrito com informações obtidas pela revisão do prontuário, registro fotográfico da evolução das lesões e revisão da literatura embasada em artigos científicos atuais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: O presente relato e as publicações revisadas propõem a caracterização da PEGA no paciente pediátrico, com destaque para a importância da suspeição diagnóstica através da anamnese e exame físico, de modo a abarcar os aspectos diagnósticos, terapêuticos e prognósticos desta condição.
Palavras-chave:
pustulose exantematosa aguda generalizada, pediatria, dermatologia.
ABSTRACT
Acute generalized exanthematous pustulosis (AGEP) is a rare disease characterized by the onset of non-follicular sterile pustules on a background of edema and erythema, fever, and leukocytosis.
OBJECTIVES: This paper aimed to report the case of a child with AGEP admitted to a pediatric ward for fever and disseminated sterile pustules and diffuse erythema and to review current literature on the subject.
METHOD: This case report describes the information collected from the patient’s chart, contains a photographic record showing the progression of the disease, and offers a review of current literature on the subject.
CONCLUSION: This case report and current literature on the subject stress the relevance of considering AGEP in children suspected for the condition and the importance of interviewing patients and conducting physical examination in order to consider all relevant diagnostic, therapeutic, and prognostic factors.
Keywords:
Acute Generalized Exanthematous Pustulosis, Pediatrics, Dermatology.
INTRODUÇÃO
A pustulose exantemática generalizada aguda (PEGA) é uma condição clínica caracterizada pela instalação aguda de múltiplas pústulas estéreis não foliculares com edema e eritema subjacentes, mais comum na face e em regiões intertriginosas, acompanhados por febre alta e leucocitose. Esta afecção faz parte de um grupo de doenças caracterizadas como reações cutâneas adversas severas e apresenta incidência estimada em 1-5 pacientes por milhão/ano, evoluindo com desfecho favorável na maioria dos casos e com taxa de mortalidade menor que 5%. As causas mais comuns associadas ao surgimento das lesões são a hipersensibilidade a drogas e as infecções virais1-3.
O presente estudo relata um caso de PEGA diagnosticado após estudo histopatológico das lesões de uma criança internada em enfermaria pediátrica com quadro de febre e exantema maculopapular eritematoso difuso. Dado o vasto diagnóstico diferencial de febre e exantema em Pediatria, o conhecimento desta condição fundamenta a apresentação deste relato de caso visando possibilitar o diagnóstico e estabelecer a terapêutica adequada4.
RELATO DE CASO
S.R.F., 9 anos, sexo feminino, admitida em enfermaria pediátrica com quadro de febre e exantema maculopapular generalizado, pruriginoso, de progressão cefalocaudal e início há três dias. Estava em uso de corticoide e anti-histamínico, sem melhora. Previamente hígida, negava alergias e uso prévio de medicações. À admissão, afebril, apresentando exantema maculopapular eritematoso difuso predominando em tronco e membros proximais com múltiplas pústulas de conteúdo estéril, disseminadas, não foliculares, com diâmetro aproximado de 3 milímetros cada (Figura 1), hiperemia discreta em orofaringe e petéquias em palato.
Figura 1. Aspecto das lesões presentes à admissão da paciente.
Laboratório revelou leucocitose com predomínio de segmentados, proteína C reativa aumentada e função hepática alterada. O corticoide foi ajustado para dose imunossupressora e o anti-histamínico mantido. A paciente recebeu interconsulta do serviço de Dermatologia do hospital, sendo aventadas as hipóteses de PEGA, estafilococcia e psoríase pustulosa. Foram adicionados à terapêutica oxacilina e hidratante corporal e realizada biópsia de pele.
Após uma semana de internação, apresentou progressão com confluência das pústulas e descamação das lesões (Figura 2). A paciente evoluiu com melhora do quadro, recebendo alta após uma semana com cefalexina e anti-histamínico. A biópsia das lesões evidenciou dermatite por linfócitos e ocasionais eosinófilos, e epiderme com focos de erosões.
Figura 2. Aspecto das lesões após uma semana de evolução.
DISCUSSÃO
A PEGA é uma afecção caracterizada pela instalação abrupta de pústulas não foliculares sobre áreas eritematosas associadas a febre alta e leucocitose. Estima-se que, em 90% dos casos, a etiologia esteja relacionada a drogas, estando relatados na literatura casos desencadeados por infecções virais, bacterianas e parasitárias, suplementos dietéticos, hipersensibilidade a mercúrio, radiação e picadas de aranha, sendo infecções virais e vacinas os gatilhos mais frequentes em Pediatria5.
As manifestações comumente se iniciam em até 10 dias depois da exposição ao gatilho e apresentam remissão espontânea em 7-14 dias após a remoção do agente precipitante6. Britschgi et al.7 demonstraram em estudo a expressão elevada de IL-8, uma quimiocina com atividade principal no recrutamento de neutrófilos produzida pelos ceratinócitos e células mononucleares do infiltrado inflamatório cutâneo, nestes pacientes. Os autores concluíram que a PEGA parece ser a expressão de uma reação em que a célula ligada à droga desencadeia uma resposta imune CD4 e CD8 positiva com uma hiperexpressão de IL-8.
A apresentação clínica clássica consiste no início abrupto de um rash generalizado com centenas de pústulas não foliculares estéreis, precedido ou acompanhado de febre e prurido, em regiões de flexuras ou na face, com disseminação craniocaudal e, posteriormente, com descamação das lesões. Em alguns casos pode haver confluência das pústulas mimetizando o sinal de Nikolsky, acarretando confusão diagnóstica com necrólise epidérmica tóxica (NET). Tipicamente, não há envolvimento sistêmico ou de mucosas, porém há relatos de apresentações clínicas atípicas na literatura, com acometimento mucoso usualmente leve e autolimitado em 20% dos casos8.
A avaliação complementar revela leucocitose com predomínio de neutrófilos ou eosinófilos, podendo ocorrer perda transitória de função renal e aumento de aminotransferases9. A histologia revela pústulas intracorneais, subcorneais ou intraepidérmicas, com edema de intensidade variável em papila dérmica, contendo infiltrado perivascular de neutrófilos ou eosinófilos. Pode haver também vasculite leucocitoclástica ou necrose focal de queratinócitos. O diagnóstico é clínico e histológico e o grupo EuroSCAR desenvolveu um escore de validação, que auxilia principalmente quando não é possível correlacionar o episódio a um gatilho10.
No caso descrito nesse relato, não foi encontrada história recente de uso de medicações ou vacinação, excluídas como possíveis fatores desencadeantes. Entretanto, ao exame físico da admissão, a paciente apresentava hiperemia de orofaringe e petéquias em palato. Sendo o acometimento mucoso incomum na PEGA e as alterações descritas na oroscopia atípicas nessa doença, os autores suspeitam que o desencadeante pode ter sido uma infecção viral leve de vias aéreas superiores que passou despercebida pela paciente e seus familiares.
O principal objetivo do tratamento é a descontinuação do agente causador. Devido ao curso benigno e autolimitado da PEGA, o tratamento de suporte baseado no uso de corticosteroides tópicos e soluções desinfetantes na fase pustular e loções reidratantes na fase descamativa, além de antipiréticos, comumente mostra-se satisfatório. Em casos muito extensos, o uso empírico de corticosteroides sistêmicos pode ser indicado, apesar de não haver evidências de que reduza a duração da doença e já terem sido reportados casos de PEGA induzida por corticoide11.
CONCLUSÃO
O caso relatado demonstra a importância de conhecer a etiologia da PEGA e sua associação com diferentes drogas, assim como suas manifestações e evidencia o manejo em ambiente hospitalar, principalmente na faixa etária pediátrica. Sendo o diagnóstico diferencial de episódio súbito de febre e exantema muito amplo, reconhecer a PEGA se faz imprescindível para a instituição da conduta terapêutica adequada.
REFERÊNCIAS
1. Lee YY, Chung WH. Acute generalized exanthematous pustulosis: a retrospective study of 51 cases in Taiwan. Dermatol Sinica. 2014;32(3):137-40.
2. Thienvibul C, Vachiramon V, Chanprapaph K. Five-Year Retrospective Review of Acute Generalized Exanthematous Pustulosis. Dermatol Res Pract. 2015;2015:260928.
3. Fernando SL. Acute generalised exanthematous pustulosis. Australas J Dermatol. 2012;53(2):87-92.
4. Gordon J. Acute Generalized Exanthematous Pustulosis: An Uncommon Cause of Fever and Rash. Am J Emerg Med. 2016;34(3):681.e1-2.
5. Speeckaert MM, Speeckaert R, Lambert J, Brochez L. Acute generalized exanthematous pustulosis: an overview of the clinical, immunological and diagnostic concepts. Eur J Dermatol. 2010;20(4):425-33.
6. Alniemi DT, Wetter DA, Bridges AG, El-Azhary RA, Davis MD, Camilleri MJ, et al. Acute generalized exanthematous pustulosis: clinical characteristics, etiologic associations, treatments, and outcomes in a series of 28 patients at Mayo Clinic, 1996-2013. Int J Dermatol. 2017;56(4):405-14.
7. Britschgi M, Steiner UC, Schmid S, Depta JP, Senti G, Bircher A, et al. T-cell involvement in drug-induced acute generalized exanthematous pustulosis. J Clin Invest. 2001;107(11):1433-41.
8. Kostopoulos TC, Krishna SM, Brinster NK, Ortega-Loayza AG. Acute generalized exanthematous pustulosis: atypical presentations and outcomes. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2015;29(2):209-14.
9. Milman Lde M, Müller GP, Souza PR, Grill AB, Rhoden DL, Mello-da-Silva CA, et al. Acute generalized exanthematous pustulosis associated with spider bite. An Bras Dermatol. 2016;91(4):524-7.
10. Szatkowski J, Schwartz RA. Acute generalized exanthematous pustulosis (AGEP): A review and update. J Am Acad Dermatol. 2015;73(5):843-8.
11. Feldmeyer L, Heidemeyer K, Yawalkar N. Acute Generalized Exanthematous Pustulosis: Pathogenesis, Genetic Background, Clinical Variants and Therapy. Int J Mol Sci. 2016;17(8).pii:E1214.
1. Bacharel em Medicina - Médico Residente
2. Graduanda em Medicina - Interna de Medicina
Endereço para correspondência:
Henrique Guarino Colli Peluso
Departamento de Medicina, Universidade Federal de Viçosa
Avenida PH Rolfs, SN
Viçosa - MG. Brasil. CEP: 36570-000
E-mail: hpeluso@outlook.com
Data de Submissão: 25/02/2018
Data de Aprovação: 15/05/2018