Caso Clínico Interativo - Ano 2012 - Volume 2 - Número 1
Caso clínico interativo
Caso clínico interativo
Paciente de 7 anos, sexo feminino, natural do Rio de Janeiro. Na história patológica constavam sete episódios de pneumonia desde 1 ano de idade e sinusite, permanecendo assintomática entre os episódios. Teve coqueluche com 1 ano de idade. Nascida a termo após gestação sem intercorrência. História do período neonatal normal. Exame físico inexpressivo.
Os exames complementares evidenciaram testes alérgicos positivos para ácaros e mofo, PPD não reator, dosagem de imunoglobulinas IgG 1970mg/dl, IgA 190mg/dl, IgM 261mg/ dl. As várias radiografias de tórax evidenciavam imagem persistente em lobo inferior direito.
Diante de um paciente com história de pneumonia recorrente de mesma localização, que exame deve ser solicitado?
a) ressonância magnética do tórax
b) cintilografia ventilatória e perfusional
c) dosagem de imunoglobulinas
d) pesquisa de linfócitos B e T e subpopulações
e) broncoscopia
A broncoscopia foi normal.
Qual das hipóteses abaixo corresponde ao diagnóstico da paciente?
a) discinesia ciliar;
b) aspergilose invasiva;
c) imunodeficiência comum variável;
d) malformação pulmonar;
e) tuberculose pulmonar.
Baseando-se na história clínica de pneumonia recorrente e imagem persistente em lobo inferior foi solicitado um exame, que comprovou a hipótese diagnóstica.
Nessa ocasião não se dispunha no hospital de tomografia. Foi realizada, então, uma arteriografia digital que diagnosticou um sequestro pulmonar. A artéria nutridora emergia do tronco celíaco e a drenagem venosa era realizada pelas veias pulmonares.
Diante desse resultado, qual o diagnóstico mais provável?
a) atresia brônquica;
b) malformação adenomatoide cística;
c) sequestro pulmonar intralobar;
d) sequestro pulmonar extralobar;
e) malformação arteriovenosa.
A paciente foi submetida à lobectomia inferior direita.
CASO 2
Paciente de 5 anos, cor parda, sexo masculino, natural do Rio de Janeiro.
Nascido de parto normal, a termo, após gestação sem intercorrências. Apresentava história de pneumonia recorrente e asma.
O exame físico evidenciava paciente com desenvolvimento pondero-estaturalnormal, afebril, eupneico, com estertoração localizada na base do hemitórax direito. Trazia radiografia de tórax, que evidenciava imagem heterogênea em lobo inferior direito.
Foi solicitada tomografia computadorizada com contraste, que comprovou o sequestro pulmonar.
O paciente foi submetido à lobectomia inferior direita.
COMENTÁRIOS
As malformações pulmonares congênitas representam um grupo heterogêneo de doenças do desenvolvimento que afetam o parênquima pulmonar, o suprimento arterial e a drenagem venosa dos pulmões. Podem ser detectadas pelo ultrassom e pela ressonância magnética fetal ou ser diagnosticadas acidentalmente na criança maior ou na vida adulta1. A incidência varia de 30 a 42 casos por 100.000 habitantes. Pode ter um curso grave, como angústia respiratória ou mesmo óbito no período neonatal, se apresentar como infecções pulmonares recorrentes, ou permanecer assintomática até a vida adulta1,2.
Deve-se pensar na hipótese de malformação pulmonar quando na radiografia de tórax encontramos as seguintes características: 1) hiperlucência focal, 2) massa mediastinal ou pulmonar sólida ou cística, 3) anormalidade vascular, 4) assimetria torácica1.
O espectro das malformações pulmonares inclui a malformação adenomatoide cística, sequestro pulmonar, enfisema lobar congênito, cistos broncogênicos e malformações arteriovenosas3.
O sequestro pulmonar é uma doença rara, caracterizada por uma massa de tecido pulmonar não funcionante, sem comunicação com a árvore traqueobrônquica normal e que é vascularizada por artéria sistêmica aberrante2. Foi descrito pela primeira vez como lobo pulmonar acessório por Huber, em 1777. Em 1964, Pryce introduziu o termo sequestro4. É classificado em dois tipos: intralobar e extralobar1,2. A grande maioria dos casos está localizada nos lobos inferiores e só excepcionalmente se localiza nos lobos superiores5.
A etiopatogenia ainda é discutida. Alguns autores consideram que os sequestros são lesões adquiridas e outros advogam uma origem congênita, o que é apoiado pelo número cada vez maior de diagnósticos feitos no período pré-natal5.
O sequestro extralobar se caracteriza por possuir um envoltório pleural distinto, mantendo a separação anatômica do tecido pulmonar adjacente. A grande maioria dos casos se manifesta no 1º semestre de vida e é mais frequente no sexo masculino. Em cerca de 25% dos lactentes, o quadro se inicia logo após o nascimento, com angústia respiratória ou dificuldades na alimentação. Os lactentesmais velhos podem apresentar insuficiência cardíaca. Mais de 60% dos casos têm outras anomalias congênitas associadas, como hérnia diafragmática, cardiopatias, cisto de duplicação entérico e outras malformações pulmonares, como cistos broncogênicos, malformação adenomatóidecística, hipoplasia pulmonar e enfisema lobar congênito. Em geral, localiza-se entre o lobo inferior e o diafragma, mais comumente à esquerda1,4. Pode, ainda, ter localização mediastinal, pericárdica, intradiafragmática ou abdominal1,6.
O suprimento arterial do sequestro extralobar se origina da aorta torácica ou abdominal ou de seus ramos, como o tronco celíaco, subclávia, tronco braquiocefálico, esplênica, gástrica e intercostais e, mais raramente, as coronárias1,4,7. A drenagem venosa geralmente se faz através de veias sistêmicas, como a ázigos, porta, subclávia ou mamária interna1.
A sequestração intralobar é circundada por tecido pulmonar normal e não apresenta envoltório pleural distinto1,4,8. Raramente, causa sintomas antes dos 2 anos de idade4. Em geral, permanece assintomática até que ocorra infecção1,8. Associa-se frequentemente a um brônquio atrésico, mas a presença concomitante de outras malformações é incomum1. Pneumonia recorrente e hemoptise podem se manifestar em qualquer idade, desde o período de lactente até a vida adulta. A possibilidade de malignização é rara. O calibre das artérias nutridoras e das veias de drenagem e, consequentemente,o fluxo através da malformação pode ser considerável. Assim, do ponto de vista hemodinâmico, essas lesões funcionam como malformações arteriovenosas e podem causar sintomas cardiovasculares e insuficiência cardíaca esquerda8. A maioria dos sequestros intralobares se localiza no segmentomedial e posterior basal de um dos lobos inferiores1,4. Em geral, o suprimento arterial é oriundo da aorta descendente e a drenagem venosa é dirigida ao átrio esquerdo através das veias pulmonares1,4.
Um alto grau de suspeição é necessário em qualquer criança que apresente infeções pulmonares recorrentes, angústia respiratória ou insuficiência cardíaca congestiva sem causa cardíaca óbvia4.
O diagnóstico pré-natal pode ser feito por meio da ultrassonografia com Doppler e da ressonância magnética fetal8. Após o nascimento, a melhor técnica de diagnóstico é a tomografia computadorizada com multidetectores e reconstrução bi ou tridimensional, pois permite identificar acuradamente os vasos normais ou anômalos associados à malformação. Essa informação tem importância para classificação dos tipos de sequestro e para a cirurgia1. A ressonância magnética também demonstra as lesões parenquimatosas e a localização dos vasos4. Os achados de imagem são heterogêneos e variam de acordo com o tipo de sequestro e com a presença de infecção superposta ou de malformações associadas. Pode-se encontrar o aspecto de massa sólida, massa cística com ou sem nível hidroaéreo e/ou cavitação interna1. Pode haver espessamento pleural e aderência ao mediastino e ao diafragma4.
Todos os pacientes com diagnóstico pré-natal requerem avaliação após o nascimento8, mesmo quando há relato de involução total pela ultrassonografia ainda durante a gestação.
As malformações pulmonares são conhecidas há mais de três séculos, entretanto, não existe consenso em como e quando tratar esses pacientes2,3.
A cirurgia fetal é exceção, mas pode ser realizada em casos selecionados com sequestros que causam hidrotórax volumoso, compressão e hipoplasia pulmonar, desvio do mediastino e comprometimento da veia cava, resultando em hidropsia fetal e alto risco de morte perinatal.
A maioria dos casos é submetida a tratamento cirúrgico (sequestrectomia, segmentectomia ou lobectomia convencional ou vídeoassistida1-4,9,10. Atualmente, uma alternativa é a técnica de embolização com coils11,12.
REFERÊNCIAS
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2. Costa Junior AS, Perfeito JAJ, Forte V. Tratamento operatório de 60 pacientes com malformações pulmonares: O que aprendemos? J Bras Pneumol. 2008;34(9):661-6.
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7. Lee DI, Shim KJ, Kim JH, Lee HY, Yun YK, Chun KJ. Pulmonary sequestration with right coronary artery supply. Yonsei Med J. 2008;49(3):507-8.
8. Eber E. Antenatal diagnosis of congenital thoracic malformations: early surgery, late surgery or no surgery? Semin Respir Crit Care Med. 2007;28(3):355-6.
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10. Kestenholz PB, Schneiter D, Hillinger S, Lardinois D, Weder W. Thoracoscopic treatment of pulmonary sequestration. Eur J Cardiothorac Surg. 2006;29(5):815-8.
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12. Chien KJ, Huang TC, Lin CC, Lee CL, Hsieh KS, Weng KP. Early and late outcomes of coil embolization of pulmonary sequestration in children. Circ J. 2009;73(5):938-42.
1. Pediatra. Pneumologista. Hospital Federal dos Servidores do Estado. Rio de Janeiro, RJ.
2. Pneumologista pediátrica do Hospital Federal dos Servidores do Estado, Membro do Comitê de Doenças respiratórias da SOPERJ.
3. Chefe do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital Federal dos Servidores do Estado.
4. Cirurgião pediátrico do Hospital Federal dos Servidores do Estado.
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