ISSN-Online: 2236-6814

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Relato de Caso - Ano 2019 - Volume 9 - Número 3

Parotidite Aguda Neonatal a Streptococcus agalactiae: uma forma rara de infecção neonatal tardia

Streptococcus agalactiae Acute Neonatal Parotitis: a rare form of late-onset neonatal infection

RESUMO

As tumefações parotídeas em idade pediátrica são situações clínicas atualmente pouco frequentes, sendo a parotidite aguda um dos diagnósticos diferenciais, considerado raro no período neonatal. O diagnóstico desta patologia é clínico e o agente etiológico mais comum é o Staphylococcus aureus. Recém-nascido sexo feminino, com 24 dias de vida, admitido por febre, irritabilidade e posteriormente sinais inflamatórios na região parotídea direita. Sem sinal patognomónico, confirmou-se ecograficamente uma parotidite aguda, isolando-se em hemocultura um Streptococcus agalatiae. Tratado com 14 dias de ampicilina, sem complicações ou recorrências. Devemos suspeitar de parotidite aguda nos recém-nascidos com tumefação na região parotídea, e perante este diagnóstico, é importante administrar empiricamente um antibiótico que cubra, não apenas o agente mais comum, mas também o Streptococcus agalactiae, minimizando o risco de complicações e recorrências.

Palavras-chave: Parotidite, Recém-Nascido, Sepse Neonatal, Doenças do Recém-Nascido, Streptococcus.

ABSTRACT

Parotid masses in pediatrics are rare clinical situations nowadays, being acute parotitis one of its differential diagnosis, rare in neonates. This pathology has a clinical diagnosis, the most common pathogen being Staphylococcus aureus. Female newborn, 24-day-old, admitted to the hospital with fever and irritability, who developed inflammatory signs of the right parotid region. Without pathognomonic sign, an acute parotitis was confirmed by ultrasound and the Streptococcus agalatiae was isolated in blood culture. She was treated with ampicillin during 14 days, with no complications or recurrences. Though rare in the neonatal period, an acute parotitis should be suspected in newborns with parotid region swelling. Towards this diagnosis, an antibiotic that covers not only the main pathogenic agent, but also the Streptococcus agalactiae, should be administered, minimising the risk of complications and recurrences.

Keywords: Parotitis, Infant, Newborn, Diseases, Neonatal Sepsis, Infant, Newborn, Streptococcus agalactiae.


INTRODUÇÃO

As tumefações da glândula parótida na população pediátrica são atualmente situações clínicas pouco frequentes e podem dever-se a diversas afecções1, incluindo a parotidite aguda, que no período neonatal é muito rara e pouco descrita na literatura2-5.

A parotidite aguda neonatal caracteriza-se por edema, eritema e dor facial na região parotídea afetada1,3,4,6,7, associados a sinais e sintomas sistêmicos como irritabilidade, recusa alimentar e febre5,6,8,9. O Staphylococcus aureus é o agente bacteriano mais comum1-3,5,6,8, responsável por aproximadamente 55% dos casos3.

O Streptococcus agalactiae é o agente mais comum de infeção neonatal precoce (que ocorre entre o nascimento e 6º dia de vida), a qual se manifesta principalmente sob a forma de sepse10-12. A infeção neonatal tardia por este agente, que ocorre do 7º dia aos 90 dias de vida, é menos frequente e apresenta-se sobretudo como bacteremia sem foco1,11.


CASO CLÍNICO

Recém-nascido do sexo feminino, com 24 dias de vida, admitido no serviço de urgência por irritabilidade e febre com 12 horas de evolução, sem outra sintomatologia associada. A gestação foi acompanhada sem intercorrências. O rastreio de colonização vaginal e retal materna por Streptococcus agalactiae foi negativo. Nasceu por parto por cesariana às 39 semanas de gestação devido a trabalho de parto estacionário, com ruptura de membranas de 10 horas, líquido amniótico meconial, com necessidade de entubação orotraqueal para aspiração da via aérea, sem necessidade de manobras de reanimação. Índice de Apgar ao 1º e 5º minutos, 5 e 10, respectivamente, e peso ao nascimento 2600g. Sem outras intercorrências no período neonatal imediato. Estava sob aleitamento misto, com boa evolução ponderal e tinha imunizações de acordo com o Programa Nacional de Vacinação.

À admissão, apresentava peso de 3390g, temperatura axilar 37,1ºC, frequência cardíaca 181 bpm, tensão arterial 91/58 mmHg e SpO2 100%. Tinha bom estado geral, choro vigoroso, embora com irritabilidade. Pele e mucosas coradas e hidratadas, pele marmoreada, com tempo de reperfusão capilar inferior a 2 segundos. O tônus era adequado, fontanela anterior normotensa e normopulsátil, e o restante do exame físico não apresentava alterações.

A avaliação analítica mostrou os seguintes resultados: leucócitos 6800/uL, neutrófilos 4800/uL, linfócitos 900/uL, Hb 13,7g/dL, pCr 3,51mg/dL, procalcitonina 12,38ng/dL. O exame sumário de urina era normal e a urocultura negativa. Foi realizada hemocultura, e iniciou ampicilina e cefotaxima endovenosas, tendo sido internada.

Cerca de 12 horas após a admissão, constatou-se a presença de uma tumefação pré-auricular a nível do ângulo da mandíbula à direita, com sinais inflamatórios, com cerca de 5 cm de maior diâmetro, com apagamento do ângulo da mandíbula (Figura 1). O ducto parotídeo (canal de Stenon) não apresentava sinais evidentes de obstrução nem se verificava drenagem de qualquer conteúdo. Não se verificavam sinais inflamatórios na cavidade oral, nem outras alterações no restante do exame físico.


Figura 1. Recém-nascido com edema e eritema da região parotídea e ângulo da mandíbula direita.



Realizou ecografia que mostrou heterogeneidade da glândula parótida direita comparativamente à esquerda, com aumento de vascularização de provável natureza inflamatória compatível com parotidite incipiente, e nódulos de natureza reativa; sem imagens de processo expansivo nem coleções abcedadas (Figura 2). Nesta altura repetiu análises sanguíneas que mostraram agravamento dos parâmetros infeciosos, com leucócitos 19.400/uL, neutrófilos 9800/uL, linfócitos 6600/uL, pCr 11,11mg/dL, procalcitonina 20,28ng/mL. Decidiu-se suspender ampicilina e iniciar vancomicina associada à cefotaxima previamente instituída, bem como administrar analgesia com paracetamol endovenoso.


Figura 2. Imagem ecográfica da região parotídea direita, mostrando heterogeneidade e aumento de vascularização da parótida e nódulos de natureza reativa.



Vinte e quatro horas após o início da antibioterapia, verificou-se melhoria clínica e analítica. Na hemocultura foi isolado um Streptococcus agalactiae multissensível, alterando-se a antibioterapia para ampicilina endovenosa em monoterapia.

A evolução foi favorável, com melhoria clínica progressiva, apirexia às 48 horas de antibioterapia, e resolução dos sinais inflamatórios parotídeos ao 7º dia de tratamento.

Teve alta após completar 14 dias de ampicilina, sem alterações na ecografia de controlo realizada à data da alta.

Reavaliada posteriormente aos 2 meses e aos 4 meses de idade, estava assintomática, sem recorrências e sem alterações ao exame físico.


DISCUSSÃO

A parotidite aguda neonatal é uma patologia muito rara2-4, com prevalência de 3,8/10.000 recém-nascidos6. É mais frequente nos recém-nascidos de sexo masculino (3:1) 5,9, e com baixo peso ao nascer5.

Estão descritos alguns fatores de risco para a afecção, além do sexo masculino e do baixo peso ao nascer, que incluem a desidratação1-3,5-7,13, estase ou obstrução do ducto salivar3,6,7,12, imunossupressão3,12, alimentação por sonda nasogástrica5,12,13, traumatismo da cavidade oral7, anomalias estruturais da parótida5,7, e prematuridade1-3,6,7,12,13, devendo este último ser considerado fator de risco maior3. Foram também descritas relações da afecção com a presença de abcesso mamário materno em recém-nascido sob aleitamento materno4,8, e menos comumente, relações com alguns fármacos maternos e com a infeção por citomegalovírus13.

Além do Staphylococcus aureus, agente mais frequentemente implicado na parotidite aguda neonatal, agentes Gram positivos (Streptococcus pyogenes, Streptococcus agalactiae, Streptococcus vidrians), Gram negativos (Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa) e raramente agentes anaeróbios foram também implicados1-3,5,6,8,13.

A parotidite aguda ocorre majoritariamente por disseminação retrógrada da cavidade oral para a glândula parótida através do canal de Stenon, facilitada por sialoestase. No presente caso, o isolamento na hemocultura do Streptococcus agalactiae e a inexistência de drenagem purulenta pelo canal de Stenon apoiam a hipótese de disseminação hematógena como mecanismo patogênico principal6,13.

O Streptococcus agalactiae é um agente muito raro da parotidite aguda neonatal, sendo que, nos poucos casos descritos na literatura, a infeção parotídea ocorreu no contexto de uma sepse tardia, tal como se verificou no caso apresentado3,6,12,14.

Tal como nos outros casos descritos, a suspeita diagnóstica foi suscitada pela presença de sinais inflamatórios na região da glândula parótida, associados a irritabilidade e febre, sinais e sintomas sistêmicos. Porém, no presente caso não se verificou o sinal patognomônico da doença (drenagem de pus pelo canal de Stenon), o que tornou necessária a confirmação ecográfica.

O diagnóstico da parotidite aguda neonatal é clínico1. Os exames laboratoriais são inespecíficos, podendo mostrar contagem leucocitária superior a 15.000/uL com predomínio de neutrófilos2,7. A amilasemia não é considerada útil no diagnóstico, uma vez que está aumentada em apenas metade dos casos, provavelmente devido à imaturidade desta isoenzima salivar nos recém-nascidos2,4,6,13. Existem casos descritos de meningite associados à parotidite aguda neonatal e como tal a punção lombar para cultura do líquido cefalorraquídeo é recomendada1,6,13. No caso descrito optou-se por não realizar a punção lombar tendo em conta o bom estado geral do recém-nascido e a ausência de sinais sugestivos de infeção do sistema nervoso central.

A hemocultura foi de extrema importância para o diagnóstico etiológico, permitido ajustar a terapêutica antibiótica de acordo com a sensibilidade do agente isolado. Na presença de sinal patognomônico a cultura do exsudado é fundamental para a identificação do agente etiológico4.

Os exames de imagem, em especial a ecografia, são úteis para apoiar o diagnóstico3,6, sobretudo quando o sinal patognomônico não está presente4,5,8,13.

Este exame permite identificar aumento, hipoecogenecidade, heterogeneidade e hipervascularização parotídea4,7, tal como verificado no caso descrito. A ecografia pode ser também útil para o diagnóstico diferencial com outras afecções, nomeadamente a linfadenite cervical ou pré-auricular1,6,13, celulite1,6,13, abcesso de tecidos moles3,6, osteomielite1 e etiologias não infecciosas como tumores1,13 e hemangiomas13, trauma facial1, entre outros. Fatores predisponentes para a infeção parotídea1,3,6 como anomalias anatômicas do canal de Stenon, obstrução do ducto salivar1,3 ou neoplasia da glândula parótida1,3 podem igualmente ser detectados ecograficamente.

O tratamento da parotidite aguda neonatal bacteriana consiste em antibioterapia endovenosa entre 7 a 21 dias, hidratação e analgesia1,8,13. A antibioterapia empírica inicial deve incluir um antibiótico antiestafilocócico, associado a um aminoglicosídeo ou a uma cefalosporina de terceira geração1,5,6,8,9,12,13. No caso descrito a suspeita inicial foi de uma sepse adquirida na comunidade, tendo-se instituído antibioterapia empírica adequada. Quando se colocou a hipótese de parotidite, iniciou-se um antibiótico antiestafilocócico. Contudo, a flucloxacilina teria sido uma opção mais adequada, devendo reservar-se a vancomicina para os casos de suspeita de infecção por Staphylococcus aureus resistente à meticilina1,6,8.

O tratamento cirúrgico raramente é necessário1, sendo reservado para casos de abcessos organizados2,13.

O prognóstico da parotidite aguda neonatal é favorável1,12, embora possam ocorrer complicações como abcesso intraparotídeo1,2, paralisia facial1,2, fístula salivar1,2, mediastinite e extensão da infeção ao ouvido ipsilateral1, sendo estas raras quando da instituição rápida de terapêutica antibiótica1. Na maioria dos casos o correto tratamento promove uma melhoria clínica nas primeiras 24 a 48 horas, com redução visível do edema parotídeo1,2, o que também se verificou neste caso. No caso de fraca resposta clínica ao tratamento deve realizar-se ecografia, que permite identificar a existência de abcessos organizados3,6. Apesar de no caso descrito a evolução ter sido favorável, foi decidida ainda assim a reavaliação ecográfica no final do tratamento.

Ao contrário da infeção neonatal precoce, a infeção neonatal tardia pelo Streptococcus agalactiae não viu diminuída a sua incidência com a introdução da profilaxia materna intraparto. A forma de transmissão deste agente na infeção neonatal tardia não está completamente esclarecida15, aceitando-se como prováveis a transmissão do micro-organismo pelos conviventes colonizados11, a transmissão via leite materno14 e a transmissão vertical mãe-filho por colonização intestinal precoce do recém-nascido e posterior infecção15.

Pretendemos com este caso relembrar a parotidite aguda bacteriana associada à sepse como uma forma rara de infeção neonatal tardia por Streptococcus agalactiae.

São necessários estudos que permitam esclarecer o mecanismo de transmissão do Streptococcus agalactiae nas infeções neonatais tardias de forma a que futuramente se possam implementar estratégias de prevenção eficazes.


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Data de Submissão: 13/07/2018
Data de Aprovação: 26/09/2018