Artigo Original
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Ano 2019 -
Volume 9 -
Número
3
Pneumonias comunitárias não complicadas em crianças imunocompetentes
Uncomplicated community-acquired pneumonia in immunocompetent children
Stephanie Schafer1; Valentina Chakr2; Gabriela Petitot2
RESUMO
A pneumonia é uma das principais causas de mortalidade em crianças fora do período neonatal. Sua prevalência tem diminuído nos últimos anos principalmente devido à implementação de vacinas contra S. pneumoniae e H. influenzae tipo b. Os principais patógenos causadores variam conforme a faixa etária, sendo o pneumococo um agente prevalente em crianças a partir dos 2 meses de idade. Não há sintomas específicos e sinais radiológicos patognomônicos de pneumonia. Quadros iniciais podem apresentar radiografia de tórax normal e a presença de alterações não diferencia causas bacterianas de virais. Exames de imagem devem ser realizados em pacientes hospitalizados, sendo dispensáveis para pacientes atendidos ambulatorialmente. Outros exames de imagem têm surgido como opção para auxílio diagnóstico, como ecografia torácica e ressonância magnética pulmonar. Assim como os exames de imagem, os exames laboratoriais devem se restringir ao ambiente hospitalar e seu resultado deve ser interpretado dentro do contexto clínico e de demais exames complementares. O isolamento do agente etiológico é útil no manejo terapêutico, para garantir o uso correto de antibioticoterapia, reduzindo as taxas de resistência bacteriana. Entretanto, a sensibilidade destes exames continua baixa, sendo necessário iniciar tratamento conforme o germe mais prevalente para a faixa etária e conforme o estado vacinal do paciente. Os principais antimicrobianos utilizados em ambiente hospitalar e ambulatorial são penicilina e amoxicilina, respectivamente. Em caso de suspeita de pneumonia atípica, deve-se fazer uso de macrolídeos.
Palavras-chave:
pneumonia, criança, diagnóstico, tratamento.
ABSTRACT
Pneumonia is one of the leading causes of mortality in children outside the neonatal period. Its prevalence has been reduced in recent years mainly due to the implementation of vaccines against S.pneumoniae and H. influenzae type b. The main causative pathogens vary according to the age group, with pneumococcus being a prevalent agent in children from 2 months of age. There are no specific symptoms and radiological pathognomonic signs of pneumonia. Initial chest radiographs may appear normal and the presence of changes does not differentiate between bacterial and viral causes. Images should be performed in hospitalized patients and is not necessary for outpatients. Other imaging studies have emerged as an option for diagnostic assistance, such as thoracic ultrasonography and pulmonary magnetic resonance imaging. Laboratory tests should be restricted to inpatients and the result should be interpreted within the clinical context and other complementary tests. Isolation of the etiologic agent is useful for correct therapeutic management and to reduce bacterial resistance rates. However, the sensitivity of these tests remains low and it is necessary to start treatment according to the most prevalent bacteria, according to the age group and the vaccination state. The most frequent antimicrobial agents used in inpatient and outpatient settings are penicillin and amoxicillin. In case of suspicion of atypical pneumonia, macrolides should be used.
Keywords:
pneumonia, child, diagnosis, management.
INTRODUÇÃO
A pneumonia (PNM) é considerada uma importante causa de morbimortalidade em crianças fora do período neonatal1-4.
A incidência e a gravidade da pneumonia na infância têm diminuído nas últimas décadas (Figura 1) devido ao melhor acesso aos serviços de saúde, das condições socioeconômicas da população e do desenvolvimento e aplicação de vacinas, particularmente as vacinas contra Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenza tipo b1,5. Apesar da redução das taxas de internação após a introdução das vacinas, estudos têm demonstrado um aumento de casos de pneumonia complicada causada por S. pneumoniae, principalmente os sorotipos 1, 3, 5 e 19A, nos últimos anos4.
Figura 1. Redução na mortalidade por pneumonia em crianças menores de 5 anos no Brasil e regiões demográficas.
Os principais fatores de risco para mortalidade por pneumonia na infância são desnutrição, crianças não amamentadas ao peito, habitação com aglomeração, exposição à poluição intradomiciliar e baixo peso ao nascer1,6.
Fisiopatologia
A pneumonia é caracterizada pela inflamação do tecido pulmonar, causada por agente infeccioso7. Sabe-se, atualmente, que o trato respiratório inferior não é um ambiente estéril e que a pneumonia pode ser decorrente de um desequilíbrio (disbiose) na microbiota do trato respiratório resultante de fatores relacionados ao hospedeiro, ambiente e patógeno(s)1.
Etiologia
A identificação da causa da PNM é importante para guiar o tratamento, para desenvolver recomendações clínicas para tratamento empírico e para avaliar o impacto de intervenções preventivas (vacinas). Entretanto, não é simples definir a etiologia da PNM porque a doença pode ter múltiplos patógenos, pois bactérias raramente invadem sítios estéreis (sangue) e porque é difícil distinguir flora colonizante de organismos patogênicos (testes moleculares). É difícil conseguir amostra representativa da via aérea inferior e é provável que haja contaminação com S. pneumoniae e H. influenzae, que são bactérias patogênicas, mas, ao mesmo tempo, colonizantes da via aérea superior1.
Assume-se que o S. pneumoniae seja o agente mais frequentemente associado à PNM bacteriana, responsável por 1/3 dos casos4. Outros patógenos são: H. influenzae,M. catarrhalis,S. aureus e estreptococo do grupo A. Estes dois últimos evoluem mais frequentemente para quadros graves e/ou empiema7-11.
Os germes atípicos (Micoplasma pneumoniae e Chlamydophilapneumoniae) são mais comumente relacionados a crianças maiores (> 4 anos). Eles costumam causar PNM de início mais gradual, acompanhada de cefaleia, indisposição, tosse seca, dor de garganta, otite média e febre baixa (ou ausência de febre). Sintomas extrapulmonares podem ocorrer (encefalite, meningite asséptica, neuropatia, urticária, púrpura etc.)7-9,11,12.
Os vírus são uma causa importante de pneumonia em crianças menores (< 2-5 anos), sendo o vírus sincicial respiratório o principal agente. Outros patógenos são: rinovírus, influenza, parainfluenza, adenovírus, varicela vírus, citomegalovírus, enterovírus, herpes, metapneumovírus, bocavírus e coronavírus. Cerca de 1/3 a 45% dos casos podem cursar com coinfecção bacteriana, sendo o S. pneumoniae a bactéria mais frequentemente envolvida4,7-9. Na Tabela 1, encontram-se os principais patógenos associados à pneumonia de acordo com a faixa etária13.
Diagnóstico
Diagnóstico clínico
Não há sinais ou sintomas específicos da doença. Os sinais mais associados à PNM são febre (>37,5ºC), taquipneia e sinais de esforço respiratório. Tosse e febre estão presentes em mais de 80% das crianças analisadas em diversos estudos2. Hipoxemia (<97%) também é um dado clínico que deve ser valorizado, principalmente se associado a esforço respiratório. Dor torácica ajuda no diagnóstico em adolescentes. A ausência de taquipneia tem maior valor na exclusão de PNM do que a presença desse sinal para a confirmação do diagnóstico. Alterações na ausculta não têm importante valor diagnóstico e a sua baixa reprodutibilidade contribui para explicar sua performance insuficiente2,7. A PNM também pode se manifestar como dor abdominal7.
Diagnóstico por imagemRadiografia de tórax (RxTx)
Diversos guidelines não recomendam a realização rotineira da radiografia de tórax para o diagnóstico de pneumonia em pacientes que estejam bem o suficiente para serem tratados ambulatorialmente. Contudo, este é um exame frequentemente solicitado, já que a definição clínica de PNM é inespecífica e os achados semiológicos são subjetivos14,15.
A concordância na interpretação da RxTx é fraca. Não há evidências de que o exame tenha impacto em desfechos clínicos. Achados radiológicos tampouco são úteis para diferenciar causas bacterianas de virais14. Em sua fase inicial, a PNM bacteriana pode ter RxTx normal7. Indicações de RxTx incluem: hospitalização, falha do tratamento antibiótico inicial, suspeita de diagnósticos alternativos (tuberculose, aspiração de corpo estranho) ou complicações (como empiema, abscesso e necrose)15.
Ecografia torácica
Com a redução dos custos e a maior disponibilidade de equipamentos portáteis, estudos têm apontado a ecografia como possível nova ferramenta diagnóstica de pneumonia em crianças3.
Evidências sugerem que, se realizada adequadamente por médicos treinados, a ecografia pode detectar consolidação e outras características sugestivas de PNM em crianças com acurácia semelhante à radiografia de tórax. Apesar de ser um exame que não expõe a criança à radiação, ainda há limitações na validação desse exame para confirmação de pneumonia, visto a falta de padronização na interpretação dos achados ultrassonográficos. Atualmente, as limitações técnicas da ecografia ainda não permitem que ela substitua completamente a radiografia de tórax1,3.
Ressonância nuclear magnética (RNM) pulmonar
Exames de imagem com cortes transversais, como ressonância nuclear magnética e tomografia computadorizada, são importantes quando há necessidade de melhor avaliação pulmonar no caso de pneumonia grave ou presença de complicações. Por se tratar de um exame sem radiação, a RNM tem se mostrado uma alternativa no auxílio diagnóstico. Apesar da limitação da intensidade de sinal causada por baixa densidade de prótons no tecido pulmonar e artefatos secundários aos movimentos respiratórios e pulsação cardíaca, novas técnicas de aquisição de imagem têm sido empregadas com o intuito de reduzir estas interferências. Os diferentes achados da pneumonia, como nódulos mal definidos, opacidades em vidro fosco e consolidações, podem ser facilmente detectados e diferenciados pela ressonância. Além disso, complicações como derrame pleural, empiema e abscesso pulmonar também são demonstradas. Atualmente, a RMN deve ser considerada como alternativa à tomografia computadorizada para avaliação de pneumonia e suas complicações1,16.
Exames laboratoriais
Não existe indicação de exames complementares para pacientes atendidos ambulatorialmente8.
Em pacientes hospitalizados, é fraca a recomendação para coleta de hemograma. Se solicitado, deve ser interpretado dentro do contexto clínico e de outros exames complementares9.
Alguns biomarcadores têm sido estudados para predizer a gravidade da doença e para diferenciar agentes bacterianos de virais. A proteína C reativa e a procalcitonina estão mais elevadas na PNM bacteriana. Contudo, existe grande sobreposição de valores, o que reduz o impacto diagnóstico1,12.
A investigação microbiológica deve ser considerada em pacientes internados em unidade de tratamento intensivo e naqueles com complicações da PNM. Os exames que podem ser solicitados são: hemocultura (baixa positividade), imunofluorescência ou PCR virais, sorologia para micoplasma, análise de líquido pleural e cultura de escarro9,10.
Exames invasivos (como lavado broncoalveolar, biópsia pulmonar ou punção alveolar) devem ser reservados para casos graves que não respondem satisfatoriamente aos antimicrobianos, apesar do tratamento adequado4.
Tratamento
Nos pacientes ambulatoriais, a decisão se inicia por prescrever ou não antibióticos. A Sociedade Americana de Infectologia afirma que a maioria dos pré-escolares têm PNM viral e, por isso, não devem receber antibióticos. Já a Sociedade Torácica Britânica afirma que toda criança com diagnóstico de PNM deve receber antibiótico, já que não é possível distinguir com segurança quadros virais de bacterianos8,9.
Se a suspeita é de PNM bacteriana típica, lactentes, pré-escolares, escolares e adolescentes sadios com vacinação em dia devem receber amoxicilina como primeira escolha. Na falha de tratamento, pode-se associar azitromicina (Tabela 2).
Se quadro clínico compatível com PNM atípica, prescrever macrolídeo.
Na possibilidade de influenza, iniciar oseltamivir, mesmo sem haver confirmação diagnóstica (maior benefício se iniciado com menos de 48h de sintomatologia).
Antibióticos endovenosos devem ser prescritos se a criança não tolera a via oral ou se a absorção está prejudicada (vômitos), se há sinais de sepse ou pneumonia complicada.
Pode-se trocar o tratamento para via oral quando o paciente está melhorando, há 24-48h sem febre e se não apresenta diarreia ou vômito.
O tempo de tratamento geralmente é de 7 a 14 dias, dependendo da gravidade. Pneumonias complicadas podem requerer 3-6 semanas de tratamento.
Pacientes com saturação < 92% devem receber oxigênio suplementar.
Em pacientes com dispneia ou sinais de fadiga, dieta por sonda dever ser indicada. Se paciente está grave ou com vômitos, é preferível que fluidos sejam administrados por via endovenosa.
Fisioterapia respiratória não está indicada.
Se o paciente não evoluir bem, revisar a dose dos antibióticos, considerar comorbidades (imunodeficiência, fibrose cística), pensar em complicações da pneumonia (derrame pleural, pneumonia necrosante, abscesso) e investigar germe adicional ou resistente8-10,12,17.
Indicação de internação hospitalar4,8,9,18
Fatores a serem considerados na tomada de decisão quanto à hospitalização:
• Sinais clínicos de gravidade;
о SatO2 < 92%; cianose
о FR > 50 mpm (lactentes > 70)
о Taquicardia desproporcional à febre
о Sinais de esforço respiratório
о Tempo de enchimento capilar > 2s
о Dificuldade para se alimentar
о Gemência/apneia
о Aparência toxêmica
о Desidratação
• Fatores de risco de gravidade;
о Cardiopatia congênita
о Displasia broncopulmonar
о Fibrose cística
о Bronquiectasias
о Imunodeficiência
• Presença de derrame pleural;
• Idade < 3-6 meses;
• Dificuldade alimentar / vômitos impedindo tratamento via oral
• Capacidade dos responsáveis de cuidar da criança
Prevenção
A introdução da vacina 10-valente reduziu a incidência, a hospitalização e a mortalidade por pneumonia pneumocócica no Brasil. Este efeito é visto não só nas crianças vacinadas, mas também na comunidade em geral, o que pode ser explicado pela redução na colonização da via aérea da população19,20.
As vacinas contra H. influenzae,B. pertussis, influenza e sarampo igualmente causam impacto na prevenção de pneumonia na infância. A pneumonia bacteriana é uma complicação comum do sarampo (S. pneumoniae é o agente mais comumente isolado), sendo importante causa de morte pela doença15,21.
CONCLUSÃO
A pneumonia é uma doença comum na infância. Embora sua prevalência tenha diminuído nos últimos anos em decorrência da introdução de vacinas contra S. pneumoniae,H. influenzae e B. pertussis, esta afecção ainda continua sendo grande causa de morbimortalidade em crianças maiores de 1 mês de vida. Para a maioria dos casos, o diagnóstico é feito por anamnese e exame físico. Os exames complementares ficam reservados para casos graves, associados a complicações ou que não tenham uma boa resposta clínica inicial.
O tratamento é iniciado empiricamente com amoxicilina para pacientes atendidos ambulatorialmente e penicilina ou ampicilina em caso de pacientes internados, usualmente com boa resposta ao tratamento proposto, já que o pneumococo é o principal agente etiológico bacteriano. Pacientes que apresentam evolução desfavorável necessitam de internação hospitalar e investigação complementar, assim como reavaliação do esquema terapêutico. Nestes casos, é importante solicitar exames laboratoriais (como hemograma e culturais) e de imagem, para melhor avaliação do quadro clínico e sua extensão. As culturas podem auxiliar no isolamento do agente etiológico E guiar o tratamento antimicrobiano para garantir adequada cobertura do germe isolado.
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1.Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Serviço de Pediatria - Porto Alegre - Rio Grande do Sul - Brasil
2. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Departamento de Pediatria - Porto Alegre - Rio Grande do Sul - Brasil
Endereço para correspondência:
Stephanie Schafer
Hospital de Clínicas de Porto Alegre - Porto Alegre - Rio Grande do Sul - Brasil
Rua Ramiro Barcelos, nº 2350, Santa Cecilia, Cidade
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E-mail: tephi.schafer@gmail.com
Data de Submissão: 08/08/2018
Data de Aprovação: 07/03/2019