ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2019 - Volume 9 - Número 3

Indicação de cuidados paliativos neonatais: necessidade de uma diretriz?

Indication of neonatal palliative care: need for a guideline?

RESUMO

OBJETIVO: Descrever o perfil dos recém-nascidos internados em unidade de terapia intensiva neonatal de uma maternidade universitária terciária no período de 01/08/2016 a 31/03/2018 e avaliar quantos pacientes teriam indicação de cuidados paliativos, analisando a terapêutica implantada.
MÉTODOS: Realizou-se um estudo retrospectivo, analisando prontuários dos pacientes para coleta de dados e análise estatística descritiva.
RESULTADOS: No período de estudo foram avaliados 262 prontuários de pacientes que internaram na unidade de terapia intensiva neonatal. Destes, 196 evoluíram bem, sem agravos e sequelas, sem nenhuma afecção limitante, sendo excluídos da indicação de paliativos. 42 pacientes foram a óbito e 24 tinham hipótese diagnóstica de alguma doença limitante de vida, mas que evoluíram estáveis e receberam alta da unidade. Os que foram a óbito, mesmo em processo de morte, já com bomba de infusão contínua de drogas de reanimação, sofreram manobras de ressuscitação. Nenhum dos recém-nascidos estudado foi acompanhado pela equipe de cuidados paliativos, pois não houve solicitação dos neonatologistas para a especialidade.
CONCLUSÕES: Observou-se neste estudo uma população com indicação de cuidados paliativos que não recebeu este cuidado, pela falta de solicitação da equipe, tanto no grupo de finitude para qualificar o processo de morte e luto quanto para os que receberam alta da unidade com limitações de vida. Após a análise dos dados, foi realizado um fluxograma norteador com critérios de elegibilidade para cuidados paliativos, visando auxiliar na decisão e acionamento da equipe.

Palavras-chave: recém-nascido, cuidados paliativos, unidade de terapia intensiva neonatal.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To describe the profile of newborns hospitalized in a neonatal intensive care unit of a tertiary university maternity unit from August 01, 2016 to March 31, 2018 and to evaluate how many would be included in palliative care, analyzing the implanted therapy.
METHODS: A retrospective study was performed, analyzing patients’ charts for data collection and descriptive statistical analysis.
RESULTS: In the study period, 262 medical records of patients admitted to the neonatal intensive care unit were studied. Of these, 196 had a good evolution, without complications and sequelae, without limiting pathologies, being excluded from the indication of palliative care. Forty-two died and 24 had diagnostic hypothesis of some life-limiting disease, but which evolved steadily and were discharged from the unit. For those who died even in the process of death, with a continuous infusion pump of resuscitation drugs, they underwent resuscitation maneuvers. None of the newborns studied was accompanied by the palliative care team because of the non-solicitation of neonatologists for the specialty.
CONCLUSIONS: In this study, we observed a population with indication of palliative care that did not receive this care, due to lack of request of the team, either in the finitude group to qualify the death and grieving process, or those who were discharged from the unit with limitations of life. After analyzing these data, a guideline flowchart with criteria for eligibility for palliative care was done, aiming to assist in the decision and activation of the team.

Keywords: infant, newborn, palliative care, intensive care units, neonatal.


INTRODUÇÃO

O cuidado paliativo pediátrico (CPP) é uma área de atuação nova em nosso país, sendo necessário que se desfaçam os diversos mitos relacionados a esta prática.

O CPP é uma assistência médica holística, interdisciplinar e centrada na família, para crianças desde o nascimento até a adolescência, que tem como principal objetivo a melhoria da qualidade de vida. O CPP enfatiza a comunicação, compartilhamento, tomada de decisão, apoio psicossocial, gestão dos diversos sintomas, ajudando a coordenação do atendimento à criança com necessidades médicas complexas. Um aspecto único do CPP é a ênfase na atenção centrada na família1.

A Academia Americana de Pediatria na sua abordagem sobre Medicina Paliativa apoia um modelo integrado, que se inicia no diagnóstico e continua ao longo da trajetória da doença. Os cuidados paliativos são apropriados desde a faixa etária neonatal até o fim da adolescência em indivíduos que apresentam uma doença potencialmente limitante da vida. Esse cuidado não se limita ao fim de vida e ao luto, podendo ser frequentemente fornecido concomitantemente com terapia curativa1.

O rápido progresso tecnológico em neonatologia permitiu que muitos recém-nascidos (RNs) que no passado morreriam, sobrevivessem. Com isso, elevou-se de forma proporcional a probabilidade de sobrevivência de crianças com incapacidade severa, com a diminuição da mortalidade infantil, porém com aumento da morbidade2-4.

Ao se tratar de morte na faixa etária pediátrica, mais de 50% dos óbitos ocorrem no período neonatal e no primeiro ano de vida. Muitos desses pacientes não conseguem ter alta e morrem no hospital.

A necessidade de cuidados paliativos pediátricos na unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN) é significativa. A Academia Americana de Pediatria sugere o envolvimento precoce e integrado do CPP para famílias de crianças que enfrentam risco de condições de vida.

A introdução precoce e a longo prazo pode otimizar um cuidado centrado na família. Com isso, torna-se possível a abordagem para garantir que o plano e objetivos terapêuticos se alinhem com a família. O envolvimento de CPP em cuidados de fim de vida neonatal permanece subtilizado4.

Muitos são os riscos e danos de uma longa hospitalização para os recém-nascidos e uma vida futura com danos neurológicos permanentes pode ser, em alguns momentos, uma realidade4.

Como consequência, procedimentos de ressuscitação e o tratamento ativo de recém-nascidos muito doentes, com risco potencial de graves sequelas neurológicas, tornaram-se um ponto de tensão e controvérsia, o que gera, em muitos casos, dúvidas quanto às decisões complexas sobre a manutenção, retirada ou a não introdução de novas intervenções4.

As taxas de mortalidade não elucidam a forma como os RNs morrem ou as ações que ocorrem à beira do leito. Consequentemente, as discussões sobre o que deve ser feito são dificultadas, pois o que é de fato realizado realmente não é efetivamente conhecido4.

Apesar da redução da mortalidade, a morte ainda é presente nas unidades de terapia intensiva neonatal. A partir deste ponto, se iniciam os grandes dilemas éticos em relação às medidas terapêuticas, com consequente prolongamento de vida de crianças com prognósticos reservados e doenças crônicas limitantes. Este período acaba por ser mais sofrido e doloroso, pois não há modificação do desfecho final, sendo que as intervenções já não são mais curativas4.

A literatura científica atual indica uma lista de diagnósticos graves que devem ser ponto de disparo da entrada dos Cuidados Paliativos na UTI Neonatal para acompanhamento dos pacientes e seus familiares5 (Quadro 1).




Do ponto de vista bioético, a não introdução ou a retirada de intervenções em pacientes que estão morrendo são reconhecidas, de uma maneira geral, como se fossem equivalentes do ponto de vista moral, embora isso não implique que ambas as ações sejam equivalentes do ponto de vista legal4.

O HMU (Hospital Municipal Universitário) é um hospital localizado em São Bernardo do Campo, SP, sendo este a maternidade pública referência do município, possuindo 20 leitos de UTIN.

Percebemos, em nosso serviço, dificuldades para a inclusão e aceitação dos cuidados paliativos no cuidado intensivo neonatal. Portanto, se faz necessária a divulgação da especialidade, iniciando o processo de educação continuada com a equipe de saúde envolvida nos cuidados destes pacientes, assim como análise das principais falhas assistenciais. Há falta de protocolos norteadores sobre o tema e critérios de elegibilidade bem definidos, pois, apesar da importância dada ao assunto por órgãos internacionais e da crescente preocupação mundial, existem poucas descrições na literatura6,7. No Brasil é grande a deficiência de informações e de estudos voltados para os recém-nascidos com condições limitantes de vida, justificando a presente pesquisa.


MÉTODOS

Foi realizado um estudo descritivo retrospectivo por meio da análise de prontuários de recém-nascidos internados na unidade de terapia intensiva neonatal do Hospital Municipal Universitário de São Bernardo do Campo no período de agosto de 2016 a março de 2018, com objetivo de descrever o perfil dos pacientes, diagnósticos pós-natais, necessidade de cuidados paliativos, verificando quantos tinham indicação de tratamento paliativo, analisando a evolução e a terapêutica implantada.

As mortes foram categorizadas de acordo com um modelo que levou em consideração as dimensões das características fisiológicas e as intervenções recebidas pelos RNs.

Os RNs foram classificados em estáveis ou instáveis. A classificação de instabilidade implicava que os RN apresentassem dois dos seguintes critérios: dessaturação persistente, apesar da oferta de FiO2 de 100% em ventilação mecânica invasiva; hipotensão, apesar da infusão de volume e drogas vasoativas; bradicardia prolongada ou anúria maior que 24 horas.

Todos os RN que não se encontravam instáveis segundo esses critérios foram considerados como fisiologicamente estáveis.

Após esta estratificação, os pacientes foram classificados em uma das seguintes categorias baseada na intervenção oferecida ou na sua retirada: 1) pacientes que morreram enquanto recebiam uma ativa ressuscitação cardiopulmonar (RCP); 2) pacientes que morreram sem uma RCP ativa, ou seja, sem retirada de intervenções mas a RCP não foi realizada; 3) pacientes moribundos para quem a morte era inevitável e que morreram apesar da introdução de novos investimentos terapêuticos como o ajuste de drogas vasoativas, troca ou introdução de antibióticos.

A não introdução de intervenções foi definida como a não introdução de tratamentos que potencialmente prolonguem a vida, que inclui não somente a não realização de RCP como a não introdução de nenhuma intervenção intensiva adicional como, por exemplo, não alterar a ventilação, apesar de uma hipoxemia, não oferecer drogas vasoativas adicionais, apesar de hipotensão, não introduzir nutrição artificial. A retirada de intervenções se refere aos itens listados.

Considerou-se, também, a classificação decorrente do órgão acometido (cérebro, rins, intestino, pulmões, coração). Os RNs que receberam pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP), pressão positiva bifásica nas vias aéreas (BIPAP) e ventilação mandatória intermitente (IMV) foram considerados como tendo recebido suporte ventilatório para o propósito desta análise.

Todos os dados necessários para a classificação das mortes neonatais foram coletados no prontuário eletrônico e distribuídos de forma aleatória para análise entre os investigadores.

Para caracterização da amostra, foram utilizados os seguintes parâmetros: data de nascimento, data de morte, idade gestacional, índice de Apgar no quinto minuto, peso de nascimento, ressuscitação cardiopulmonar em sala de parto e durante internação, tempo de internação, diagnósticos diferenciais, presença de anomalias congênitas, infecção, hemorragias intraperiventriculares, cardiopatias, tempo de ventilação mecânica invasiva, uso de diálise e drogas vasoativas, dependência de oxigênio domiciliar, necessidade de traqueostomia e gastrostomia.

Análise estatística foi descritiva simples. A pesquisa iniciou-se após a aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa do departamento envolvido, da Comissão de Ética e Pesquisa da instituição (CAAE -9284241810000082 parecer - 2853294).


RESULTADOS

No período estudado ocorreram 7519 partos. Um total de 262 pacientes com idade gestacional >22 semanas que foram internados na UTIN e avaliados. Desse total, 42 pacientes morreram. Vinte e quatro pacientes apresentavam afecções limitantes de vida, entretanto evoluíram bem, com estabilidade clínica, tendo alta da unidade neonatal (Gráfico 1). Os 196 pacientes restantes tiveram alta sem sequelas. Ocorreram 6 óbitos no centro obstétrico.


Gráfico 1. Perfil de desfechos dos recém-nascidos da unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN).



No grupo dos 42 pacientes que morreram prevaleceu recém-nascidos prematuros extremos abaixo de 25 semanas, com peso entre 501 a 750 gramas. Nesta população 54,8% tiveram índice de Apgar abaixo de 7 no quinto minuto. Durante a internação 57% desta população apresentaram sepse, sendo esta inclusive a principal causa de morte. 23,8% apresentaram algum tipo de hemorragia intraperiventricular; destes, 70% dos casos classificados como grau II, 20% grau III e 10% grau IV.

Foram identificados no ecocardiograma problemas cardíacos em 45,2% dos casos, 9,5% foram submetidos à diálise durante a internação e 4,8% foram diagnosticados com encefalopatia crônica não evolutiva (ECNE). Dois pacientes nasceram com hérnia diafragmática, diagnosticada no pré-natal e 1 com Síndrome de Edwards confirmado pelo cariótipo (Tabela 1).




Neste grupo, o tempo médio de internação foi de 8,8 dias, com média de tempo de ventilação mecânica de 8,2 dias (Tabela 2). Todos utilizaram algum tipo de droga vasoativa durante a internação, foram consideradas para o estudo dobutamina, noradrenalina, adrenalina, dopamina, milrinone e prostaglandina E2.




Dessa amostra, todos pacientes foram submetidos a manobras de ressuscitação cardiopulmonar quando apresentaram parada cardiorrespiratória. No total, foram 86 episódios de parada cardiorrespiratória, sendo uma média de 2 episódios por paciente. Em 7 dos casos, mesmo com uso de adrenalina contínua em bomba de infusão, pacientes foram submetidos a manobras de reanimação (16,6%).

Em nenhum caso foi acionada a equipe de cuidados paliativos para acompanhamento.

Nos 24 casos de sobrevivência com diagnóstico de alguma afecção que levaria à limitação de vida, os principais diagnósticos foram cardiopatias congênitas, broncodisplasia grave, anóxia neonatal, dois casos de mielomeningocele e um de síndrome de Pierre Robin.

Neste grupo houve prevalência dos recém-nascidos com idade gestacional maior ou igual a 37 semanas (33,3%), seguidos de 29,2% de recém-nascidos entre 25 1/7 a 28 semanas. Em relação ao peso, a faixa predominante foi de recém-nascidos maiores que 2500gr (33,3%). O índice de Apgar menor que 7 no quinto minuto ocorreu em 33,3% dos recém-nascidos. Durante a internação, 62,5% desta população evoluiu com sepse. 62,5% apresentaram algum tipo de hemorragia intraperiventricular; destes, 66,7% dos casos classificados como grau I, 26,7% grau II e 6,6% grau III; neste grupo não houve hemorragia grau IV. Foram identificados em ecocardiogramas problemas cardíacos em 70,8% dos casos, 20,8% foram submetidos à diálise durante a internação e 16,7% foram diagnosticados com ECNE (encefalopatia crônica não evolutiva) (Tabela 3).




Neste grupo, o tempo de internação em unidade de terapia intensiva neonatal foi maior em relação ao grupo de óbitos, sendo de 105 dias, com média de tempo de ventilação mecânica invasiva correspondentemente maior de 43 dias (Tabela 2). Os recém-nascidos se mantiveram mais estáveis hemodinamicamente. Dos 24 pacientes, apenas 12 utilizaram drogas vasoativas em algum momento durante a internação na UTIN, sendo consideradas para o estudo o uso de dobutamina, noradrenalina, adrenalina, dopamina, milrinone e prostaglandina E2. Desta população, apenas uma criança apresentou parada cardiorrespiratória, sendo revertida com sucesso após manobras de ressuscitação cardiopulmonar.

Considerando ambos os grupos, encontramos em 38% (25/66) dos pacientes algum tipo de HIPV. No grupo das crianças que receberam alta da unidade predominou o grau I, que geralmente se reabsorve; no grupo dos óbitos predominou-se o grau II.

Em relação às tentativas de reanimação, 100% dos RNs que apresentaram parada cardiorrespiratória receberam RCP, sendo que em 16 casos o óbito ocorreu após a primeira reanimação, ou seja, houve insucesso na reanimação (Tabela 4).




Nos casos nos quais ocorreu a desospitalização, apenas um paciente necessitou de traqueostomia, dois se tornaram dependentes de oxigênio e três necessitaram de gastrostomia para alimentação. Todos apresentaram importante atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, sendo estimulados diariamente pela equipe de fisioterapia durante a internação.

Também não houve solicitação para a equipe de cuidados paliativos acompanhar esses pacientes; por muitas vezes, nem sequer houve discussão para tal cuidado, mesmo com doenças e condições graves limitantes presentes.


DISCUSSÃO

Para a situação analisada no presente estudo, corroborou o fato de haver um grande número de recém-nascidos prematuros extremos mantidos com o uso de terapias com tecnologias invasivas e com terapêuticas por muitas vezes não eficazes, pois apresentavam afecções limitantes de vida sem possibilidade de controle ou de melhora, sendo que vários destes recém-nascidos encontravam-se no processo de uma morte próxima.

Em alguns casos, a futilidade terapêutica se colocou como uma possibilidade real. Essas posturas ocorreram por dilemas éticos, medos e receios, gerando obstinação terapêutica em manter vivo “a qualquer custo”. Em sete recém-nascidos observou-se esta situação com pacientes em uso de adrenalina contínua que morreram e que foram submetidos ao protocolo de reanimação neonatal podendo, neste caso, ser considerado processo de morte e não mais parada cardiorrespiratória. Esta é uma questão de conceitos que por muitas vezes são ignorados, pois parada é a interrupção súbita e brusca da circulação e da respiração8,9.

As causas de morte e complicações apresentadas na presente pesquisa se assemelham com as encontradas no Brasil. De acordo com dados do DATASUS, a principal causa de morte está relacionada a período neonatal (74%) incluindo sepse10, diagnóstico que predominou no grupo dos recém-nascidos deste estudo que foram a óbito.

A HIPV ocorreu em 38% dos casos, sendo esta uma complicação esperada principalmente nos recém-nascidos pré-termo abaixo de 1500g, o que pode levar a um aumento de mortalidade e morbidade. No grupo das crianças que receberam alta da unidade, a HIPV grau I predominou, sendo que estas foram reabsorvidas; no grupo dos óbitos predominou o grau II.

Em relação às cardiopatias, 54,5% dos 66 pacientes apresentaram algum tipo de problema cardíaco. As alterações neurológicas também ocorreram, com 47% de casos de ANN e 9% de ECNE, 13,6% evoluíram com insuficiência renal dialítica.

O resultado ocorreu com a presença de crianças altamente doentes com sequelas de atraso do desenvolvimento neuropsicomotor detectados durante a internação, alguns com dependência de oxigênio e vias artificiais para respirar e se alimentar que não receberam atenção especial para amenização de sintomas e ganho de qualidade de vida. Para aqueles que foram a óbito, notou-se que não houve qualidade de morte dessas crianças.

Como se observou nos resultados desse estudo, dos 262 pacientes, 66 (25%) apresentavam indicação de cuidados paliativos, 42 pacientes morreram e, dos 24 que sobreviveram e que tiveram alta da unidade de terapia intensiva, todos apresentavam doença limitante de vida. Nenhum desses pacientes recebeu cuidados paliativos, pois não houve a solicitação médica.

A falta de solicitação médica para avaliação e acompanhamento dos pacientes pela equipe de cuidados paliativos pode ter ocorrido por diversos fatores como resistência em aceitar a situação limitante, a falta de informação decorrente da precária formação médica atual neste assunto, entre outros11,12.

Cabe aos neonatologistas e pediatras a responsabilidade técnica sobre a assistência médica adequada, tendo em mente os princípios bioéticos de beneficência e não maleficência, associados à responsabilidade ética de preservar a qualidade de vida de seus pacientes com condições clínicas complexas, alguns com doenças limitantes de vida em fase terminal.

Os embates éticos fazem parte dessa condição e, nesses casos, uma grande dificuldade clínica é identificar a futilidade terapêutica, mantendo claro o limite entre o que é uma abordagem cientificamente adequada e ética frente ao que se considera como procedimentos diagnósticos e terapêuticos inúteis, obstinados e desproporcionais13. Nesse sentido, a decisão sobre o que é um tratamento fútil e a indicação de cuidados paliativos exige uma discussão ampliada com a participação ativa de equipe multidisciplinar e dos familiares envolvidos no cuidado à criança.

Os cuidados paliativos devem ser oferecidos no momento do diagnóstico e durante todo o curso de doença com pouca expectativa de cura, qualquer que seja seu desfecho. Os cuidados paliativos têm como objetivo melhorar a qualidade de vida e atender às necessidades físicas, psíquicas, sociais e espirituais da criança enferma e de sua família, tendo como foco o cuidar, preconizando a prevenção e alívio de sofrimento visando qualidade de vida, podendo iniciar-se com a combinação dos cuidados curativos e prolongar-se no processo de morte e após a mesma no processo de luto14,15.

Portanto, faz-se necessário que os pediatras tenham intenção paliativa no acompanhamento aliado, na dependência do caso, de profissionais especializados na área de cuidados paliativos. Ainda hoje ocorre dentro da neonatologia uma resistência a esse tipo de cuidado. Há uma deficiência curricular do profissional de saúde, especialmente na formação médica, para lidar com as situações limitantes, principalmente as que correspondem ao fim de vida16.

A qualificação de recursos humanos em cuidados paliativos deveria ser realizada em todo território nacional, acompanhada de uma mudança na grade curricular dos cursos de saúde e implantação de disciplina de cuidados paliativos na formação destes profissionais, principalmente dos estudantes de medicina, para construção de mudança de paradigmas, evitando assim distorções de processos decisórios diante de doenças avançadas e terminais, assim como terapêuticas fúteis17.

O objetivo dos cuidados paliativos neonatais é assegurar a melhora da qualidade de vida aos pacientes e suas famílias por meio de medidas fundamentais como alívio dos sintomas físicos e apoio psicológico, social, espiritual do paciente e da família18. Atualmente, vem se discutindo com maior frequência esse tema. Devido ao crescimento tecnológico, com novas possibilidades terapêuticas, o que antes era inviável, nos dias atuais tornou-se viável, sendo possível manter a vida de crianças prematuras extremas e/ou severamente doentes durante longos períodos19-22. Como resultado disso, há um aumento de crianças com diversas sequelas neurológicas e pulmonares.

A linha de cuidados paliativos, que antes era muito discutida em adultos, passou a ser debatida em Neonatologia e Pediatria, porém ainda há um caminho árduo a ser percorrido, principalmente pelos desafios éticos.

Como na maioria dos estudos retrospectivos, houve algumas limitações na presente pesquisa, relacionadas à falta de informações relatadas nos prontuários e, por isso, a falta de avaliação e acompanhamento dos pais, principalmente para aqueles cujos filhos foram a óbito a fim de analisar a qualidade do processo de morte no quesito de acompanhamento da família no processo de luto.

Conclui-se que a qualidade de morte se mostrou ruim, pelo investimento terapêutico sem possibilidade de reversão do resultado final. Para aqueles que sobreviveram, o acompanhamento paliativo poderia colaborar na estruturação de um programa com a intenção de reabilitação desses pacientes. Lembrando que a importância maior é dar vida aos dias, qualidade, diminuição de sintomas e não dias à vida, sem se preocupar com o resultado final. Este pode ser custoso, penoso e dolorido não apenas para o paciente, mas também para seus familiares por não ter um plano antecipado de cuidado. O processo de luto dos familiares é favorecido quando há envolvimento dos mesmos nos processos de decisão compartilhada de limite terapêutico, pois permite uma vivência maior da doença23.

Observa-se a grande dificuldade de descrições na literatura de protocolos com indicações precisas e claras de cuidados paliativos neonatais. Baseado nos dados levantados, podemos observar a limitação e a dificuldade da equipe em acionar e perceber os candidatos para este tipo de cuidado. Portanto, foi construído como instrumento inicial e um norteador, um fluxograma de elegibilidade para tratamento paliativo neonatal, orientando os profissionais médicos sobre a necessidade de avaliação e acompanhamento dessas crianças pela equipe de cuidados paliativos, identificando os casos de fim de vida ou não do recém-nascido, direcionando as condutas terapêuticas para a melhor assistência destes bebês e de suas famílias (Figura 1).


Figura 1. Fluxograma de elegibilidade para tratamento paliativo neonatal.



Este fluxograma será instituído no Hospital Municipal Universitário de São Bernardo do Campo em conjunto com uma série de ações de educação continuada para envolvimento e entendimento de toda equipe, a fim de promover a reflexão sobre o tema, na tentativa de integrar qualidade, ética e humanização nos cuidados de saúde.


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1. Hospital Municipal Universitário São Bernardo do Campo, São Bernardo do Campo, SP, Brasil
2. Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP, Brasil
3. Hospital Municipal Universitário São Bernardo do Campo

Endereço para correspondência:
Vivian Taciana Simioni Santana
Hospital Municipal Universitário São Bernardo do Campo
Av. Bpo. César Dacorso Filho, 161 - Rudge Ramos
São Bernardo do Campo - SP, Brasil. CEP: 09624-000
E-mail: vivi12fisio@gmail.com

Data de Submissão: 04/09/2019
Data de Aprovação: 27/09/2019