ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2019 - Volume 9 - Número 3

Perfil epidemiológico e assistência à saúde de crianças e adolescentes com paralisia cerebral em um municipio do ES

Epidemiological and healthcare access profiles of children and adolescents with cerebral palsy in a municipality in the brazilian state of Espírito Santo

RESUMO

OBJETIVOS: Verificar o perfil epidemiológico e a disponibilidade da assistência multidisciplinar à saúde de crianças e adolescentes com Paralisia Cerebral (PC) atendidos em um hospital do Espírito Santo.
MÉTODO: Trata-se de um estudo descritivo, quantitativo, observacional e transversal, com 30 crianças e adolescentes com PC, até 19 anos de idade completos, internados em um hospital pediátrico do Espírito Santo, utilizando-se entrevista estruturada para obtenção de variáveis, do período pré, peri e pós-natal, do acesso à assistência à saúde e da equipe multidisciplinar no momento do diagnóstico de PC e no momento da entrevista.
RESULTADOS: Houve predomínio do sexo masculino 22 (73,3%) e 21 (70,0%) do estrato socioeconômico D/E. 28 (93,3%) tendo a mãe a responsabilidade pelos cuidados. Prematuridade 8 (26,7%), baixo peso ao nascer 12 (40,0%) e asfixia neonatal 6 (20,0%) foram frequentes. Observou-se que muitos pacientes não tiveram acesso aos serviços por diversos motivos, dentre eles, longas filas de espera, ausência ou insuficiência do profissional na rede, falta de encaminhamentos e dificuldades de transporte dos pacientes.
CONCLUSÃO: Evidenciou-se que é importante haver uma equipe articulada, com visão na integralidade do cuidado para a melhoria da qualidade da assistência à saúde ofertada a população do estudo.

Palavras-chave: paralisia cerebral, serviços de saúde comunitária, adolescente, criança

ABSTRACT

OBJECTIVE: To analyze the epidemiological profile and the access to multidisciplinary healthcare of children and adolescents with cerebral palsy (CP) seen at a hospital in the Brazilian State of Espírito Santo.
METHOD: This descriptive quantitative observational cross-sectional study included 30 children and adolescents with CP aged 19 years and younger seen at a pediatric hospital. The subjects were interviewed for data on pre-, peri-, and post-natal life, access to healthcare, and availability of a multidisciplinary team at the time of diagnosis of CP and during the interview.
RESULTS: Most of the included patients were males (n=22; 73.3%) coming from low-income households (n=21; 70.0%). Twenty-eight (93.3%) had their mothers as primary caretakers. Eight (26.7%) were born prematurely, 12 (40.0%) had low birth weight, and six (20.0%) had neonatal asphyxia. Many patients did not have access to healthcare for a number of reasons, including long waiting lines, lack of or insufficient healthcare staff, lack of referrals, and trouble transporting patients.
CONCLUSION: It is important to have organized teams and take all aspects of care into account to ultimately improve the quality of healthcare provided to the studied population.

Keywords: cerebral palsy, health services accessibility, adolescent, child care


INTRODUÇÃO

A sociedade brasileira conta com o Sistema Único de saúde (SUS) que foi criado com o objetivo principal de promover justiça social e transpor as dificuldades na assistência à saúde de toda a população. Porém, no Brasil, existem muitas desigualdades no campo da moradia, trabalho, educação, saúde e renda. Todos estes fatores influenciam diretamente a vida das pessoas, principalmente as que possuem deficiências, exercendo um efeito importante sobre a saúde e também sobre a doença.1,2

A paralisia cerebral é a principal causa de incapacidade na infância, persistindo até a idade adulta. Vários fatores estão envolvidos na gênese dessa condição, tais como: fatores pré-natais, perinatais, pós-natais, extensão da lesão cerebral e área afetada, cujas sequelas podem trazer grandes limitações para estes pacientes.3,4

Estima-se a incidência mundial de crianças com PC de 1,5 a 5,9 casos para cada 1000 nascidos vivos nos países desenvolvidos e de 7 para cada 1000 nos países em desenvolvimento. No Brasil, existe insuficiência de estudos que investiguem a prevalência da PC, entretanto, com base nos países em desenvolvimento, estima-se prevalência semelhante e ocorrência de 30 a 40 mil novos casos de PC por ano.5,6,7

Em 1893, Sigmund Freud identificou três principais fatores associados a PC: os pré- natais (ocorrem antes do nascimento), perinatais (compreende o período que vai do começo do trabalho de parto até 6 horas após o nascimento) e pós-natais (após o nascimento, durante a infância). Dentre esses fatores, cita-se a ocorrência da asfixia durante o parto, prematuridade, baixo peso ao nascimento, acidente vascular encefálico, infecções pré-natais, meningite, encefalite, anomalias do sistema nervoso, convulsões, kernicterus, traumas, infecções, ingestão de drogas durante a gravidez (álcool, tabaco, outras drogas).4,8,9,10,11,12

Estes fatores, que podem estar associados à PC, são diretamente influenciados pelas condições de vida intrauterina fetal, condições do pré-natal, além dos efeitos das desigualdades em saúde, geradas pela inferior qualidade da assistência prestada à saúde ou por dificuldades na marcação de consultas e exames.1,7,12,13,14,15

Nos pacientes com PC, as sequelas podem variar desde quadros leves até alterações graves, com um amplo espectro de déficits motor, comportamental, de aprendizagem, intelectual, visual, auditivo ou sobrepostos, o que dificulta, em maior ou menor grau, atividades do cotidiano, como se alimentar, tomar banho, pegar objetos, se locomover, mudar a roupa, estudar, além de precisar de acompanhamentos contínuos com uma equipe multidisciplinar, na tentativa de minimizar as sequelas e as limitações impostas a esses pacientes16,17

A disponibilidade e o conhecimento da assistência à saúde nos períodos pré-natal, Peri e pós-natal, bem como na reabilitação desse grupo do estudo é fundamental, pois a partir desses dois preceitos, torna-se possível identificar lacunas que precisam ser preenchidas e fazer as intervenções necessárias.

Dessa forma, o presente estudo pretende demonstrar o perfil epidemiológico e a disponibilidade da assistência multidisciplinar à saúde de crianças e adolescentes com (PC) atendidos em um hospital filantrópico do Sul do Espírito Santo e contribuir na redução dessa condição e suas consequências, as quais acarretam muitos prejuízos para os pacientes, para a sua família e consomem grande parte dos recursos financeiros nas esferas municipais, estaduais e federais.


METODOLOGIA

Para a realização do presente trabalho, os responsáveis pelas crianças e adolescentes foram convidados a participar do estudo, que foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória com Parecer do CEP sob o número 1.865.032 e seguiu as orientações contidas nas Normas para Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, conforme Resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde/MS.

Para a aplicação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foram explicados os objetivos da pesquisa e realizada a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Trata-se de um estudo descritivo, observacional, pois a informação foi sistematicamente colhida, e transversal, porque fornece uma informação em um dado momento, pontualmente e quantitativo, incluindo crianças e adolescentes com idade até 19 anos completos, com paralisia cerebral (PC), internadas em um hospital pediátrico filantrópico do sul do Espírito Santo, Brasil. Avaliadas 30 crianças e adolescentes com PC, com idade até 19 anos completos, de ambos os sexos, internados, no período de maio de 2016 a agosto de 2017, residente no município de Cachoeiro de Itapemirim. Foi considerada criança a pessoa até 10 anos e adolescentes de 10 a 19 anos completos, segundo a classificação da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Dentre os critérios de exclusão estavam os pacientes que participaram do estudo e foram, posteriormente, reinternados no referido Hospital ou que estavam abrigadas. As variáveis de interesse do estudo encontram-se listadas no instrumento de coleta de dados (APÊNDICE A) e foram separadas em grupos:

I - Crianças e adolescentes com PC: nome, número do prontuário, data de nascimento, sexo (masculino ou feminino), idade, raça (categorizada em branca, parda e preta).

II - Pais das crianças e adolescentes com PC: nome, idade, sexo (masculino ou feminino), raça (categorizada em branca, parda e preta), escolaridade (educação infantil, ensino fundamental, médio, superior ou técnico), ocupação (tipo, remuneração), município de residência, religião (católica, evangélica e outras), condições de moradia, transporte até as consultas e participação nos programas sociais do governo, quem é o cuidador e quem é o provedor do lar, número de coabitantes. A classificação das categorias raça, sexo, situação conjugal, escolaridade e religião seguiu as orientações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para avaliação do estrato socioeconômico, utilizou-se o Critério Brasil de Estratificação Econômica (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE PESQUISA, 2015). Ao final, foram inseridas as respostas em um sistema de pontuação que definiu as classes: Classe A (42-100 pontos), Classe B1 (38 - 44 pontos), Classe B2 (29 - 37 pontos), Classe C1 (23 - 28 pontos), Classe C2 (17-22 pontos), Classe D-E (0-16 pontos). A pontuação obtida foi inserida no instrumento de avaliação.

III- Avaliação do risco gestacional: condições clínicas preexistentes, número de consultas de pré-natal, doenças e intercorrências clínicas na gestação atual, avaliados através de pergunta direcionada à mãe e/ou recorrendo ao cartão da gestante.

IV-Características gerais do parto e do RN: tipo de gestação (única ou múltipla), tipo de parto (vaginal, cesária, fórceps), idade gestacional, sexo do RN, peso ao nascer, classificação quanto ao peso e a idade gestacional (seguindo os critérios do Ministério da Saúde), Índice de Apgar no primeiro e quinto minutos, necessidade de reanimação na sala de parto e de encaminhamentos para unidades de cuidados intermediários ou intensivos.

A Idade gestacional foi anotada segundo informações através de pergunta direcionada à mãe e/ou recorrendo ao cartão do pré-natal. Após a coleta desse dado as crianças foram classificadas em Recém-Nascido pré-termo (RNPT) - crianças nascidas até 36 semanas e 6 dias (258 dias) de gestação. Recém-Nascido a termo (RNAT) - nascidas entre 37 e 41 semanas e 6 dias (ou seja, 259 e 293 dias) de gestação. RN pós-termo– nascidas com 42 semanas ou mais de gestação (294 dias) (BRASIL, 2012a). Quanto ao peso ao nascimento, adotou-se o peso anotado na caderneta da Criança ou na Declaração de Nascido Vivo (DNV) e a criança foi classificada em Baixo peso: todo RN com peso nascimento inferior a 2500g. Muito baixo peso: RN com menos de 1500g. Macrossômicos: peso acima de 4000 g (BRASIL, 2012a).

V - Características do acompanhamento multiprofissional: interrogado se a criança recebe visita da UBS e em caso negativo, porque não é visitado; tempo de espera para iniciar a primeira consulta; intervalo entre as consultas e se atualmente a criança ou adolescente continua acompanhando com estes profissionais. Questionada sobre a periodicidade e principais dificuldades para consultar com pediatra, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, psicólogo, nutricionista, nutrólogo, terapeuta ocupacional e neurologista, ortopedista, oftalmologista, otorrinolaringologista e assistente social.

Após os dados coletados, cada paciente recebeu uma numeração, que foi utilizada em todo o banco de dados para a preservação da identidade dos pacientes. Essa numeração, juntamente com os dados, foi duplamente digitada pela pesquisadora em uma planilha do Excel 2013, abrangendo 100% da amostra. Os dados foram organizados e analisados no software SPSS versão 23 para Windows, em associação com a versão 2007 do Microsoft Office Excel. Para a estatística descritiva, os dados foram apresentados em mediana e em percentuais (frequência simples).


RESULTADOS

Foram incluídos na análise 30 pacientes, 22 (73,3%) do sexo masculino, mediana de idade de 77,1 meses (5-216) meses. Os avaliados se declararam brancos 21 (70,0%), pardos 8 (26,7%) e pretos 1 (3,3%).

A média do número de pessoas que integra o grupo familiar foi de 3,7 pessoas (2-5 pessoas). O provedor da família foi, principalmente, o pai 25 (83,3%), seguido pela mãe 3 (10,0%) e pelo pai e mãe 2 (6,7%). Os cuidados ao paciente foram responsabilidade da mãe 28 (93,3%) ou avó 2 (6,7%).

A religião predominante foi a católica para o pai 42 (70,0%) e mãe 49 (81,7%), evangélicos para o pai 6 (10,0%) e mãe 8 (13,3%), o restante corresponde a sem religião, ou sem informação por falta de localização dos pais.

Em relação à renda familiar, 25 (83,3%) recebem o BPCe5 (16,7%) não recebem. Ainda, 20 (66,7%) famílias entrevistadas recebiam renda média entre 1 e 2 salários mínimos, incluindo o BPC,7 (23,3%) recebiam entre 2 e 3 salários mínimos e 3 (10,0%) recebiam renda acima de 3 salários e quanto à classificação econômica, as famílias participantes foram classificadas como classe D-E (22/73,4%), classe C2 (4/13,3%), classe C1 (3/10,0%), classe B1 (1/3,3%).

Quanto ao número de consultas do pré-natal, 20 (66,7%) mães realizaram entre duas e cinco consultas, 10 (33,3%) entre seis e dez consultas. Dentre os problemas na gravidez, os mais relatados foram infecção urinária (8/26,7%), hipertensão arterial (4/13,3%), TORCHS (2/6,7%) e dengue hemorrágica 1 (3,3%). 15 (50,0%) não relataram problemas na gravidez.

Relativamente ao tipo de parto, identificou-se parto normal (6/20,0%), parto cesariana (24/80,0%). No município do estudo, na rede particular, em torno de 95% dos partos são cesárias, enquanto em uma maternidade de um hospital filantrópico, em torno de 60% (informações obtidas em entrevistas com os coordenadores dos serviços particular e filantrópico).

Quanto ao número de conceptos, foi observada gestação única (29/96,7%) e múltipla (1/3,3%). Em relação à idade gestacional, 22 (73,3%) idade gestacional > 37 semanas e em 8 (26,7%) idade gestacional menor que 37 semanas. Em nosso estudo, o Apgar entre 4-7 correspondeu a 10 (33,3%) e acima de 7 a 20 (66,7%) no quinto minuto, ou seja, 33,3% dos bebes tiveram algum grau de sofrimento neonatal. Em relação ao grupo estudado 6 (20,0%) destes evoluíram com PC.

Nesta pesquisa, 12 neonatos apresentaram baixo peso, ou seja, 40,0% dos pacientes não tinham peso adequado ao nascimento e tiveram complicações.

Na Tabela 1 estão descritas as condições relacionadas à PC, coletadas no momento da internação, onde destaca-se a encefalopatia hipóxico-isquêmica, a prematuridade, as doenças infecciosas do sistema nervoso pós-natais (meningites e encefalites), as infecções congênitas (TORCHS - Toxoplasmose, Rubéola, Citomegalovírus, Herpes, Sífilis), as malformações do sistema nervoso, dentre outras.




Dentre os possíveis fatores relacionados à PC, o maior percentual de injúrias ocorreu até os 6 meses de vida 20 (66,6%), conforme Tabela 2. É importante frisar que apenas o período neonatal (asfixia, prematuridade, kernicterus) correspondeu a cerca de 18 (60,0%) dos casos do estudo.




A avaliação do acesso aos profissionais da equipe multidisciplinar no momento do diagnóstico de PC e no momento do estudo, está descrita na Tabela 3.




DISCUSSÃO

O Estudo mostrou que a maioria das crianças e adolescentes apresentam mães que assumem a responsabilidade pelos cuidados à criança com PC, a mesma, muitas vezes, deixa de trabalhar e passa a acumular as tarefas da casa e os cuidados ao filho, ficando sobrecarregada, podendo chegar a quadros de Burnout (exaustão física e emocional). Diante deste contexto, torna-se fundamental enfatizar a importância do apoio psicológico, de amigos, da família e sociedade na tentativa de reduzir o estresse e ajudar a melhorar a satisfação da vida de mães de crianças com PC.25

A medida que essa criança cresce, ficando mais pesada, a locomoção é dificultada, pois as vias de acesso e o transporte público não estão adaptados para receber esse grupo de pessoas, o que ajuda no isolamento social dessa mãe e o maior estresse que é causado com sua nova realidade. Tanto as mães, principais cuidadoras, quanto toda a família sofrem com as dificuldades encontradas nas informações recebidas, nas diversas consultas para serem agendadas, nas internações de repetição desses pacientes, nos gastos com medicamentos, ou seja, todo o grupo familiar adoece, necessitando de uma rede integrada de assistência a toda família, focada nas necessidades individuais e não apenas na doença.26

Observou-se que a baixa renda, a baixa escolaridade dos pais, a possível inadequação do pré-natal e a assistência no momento do parto podem colaborar para elevar os casos de PC. Torna-se imprescindível que as ações para melhorar a saúde também possam ser focadas na educação de qualidade e acessível a todos.26 Esses resultados validam os estudos que mostram que pacientes com baixa renda e menor classe social têm menor acesso aos serviços de saúde e, quando conseguem acessá-los, a qualidade, na maior parte das vezes, é baixa.27

Quando se analisam os cuidados de assistência à saúde de crianças e adolescentes com PC no município estudado, no quesito acessibilidade, percebe-se que 20 (66,7%) das mães não realizaram o número mínimo de seis consultas, podendo refletir as dificuldades de acesso ao pré-natal adequado, e, em consequência, a elevação da casuística de prematuridade, infecções neonatais, asfixia neonatal e outras.27 Kolola et al. (2016) enfatizam, ainda, que crianças nascidas de gestantes sem os devidos cuidados durante o pré-natal apresentam maior risco de mortalidade até os 28 dias de vida.28

Importante esclarecer que o instrumento utilizado não possibilitou obter informações sobre o momento da gestação em que essas consultas ocorreram, se os exames solicitados chegaram em tempo oportuno e se as informações obtidas se correlacionaram com a qualidade do pré-natal oferecido.

As situações citadas em relação à prematuridade, o baixo peso e, principalmente, a asfixia neonatal, que neste estudo está com incidência muito acima da média da literatura mundial, pode refletir na qualidade do pré-natal e no atendimento na sala de parto ofertado às mães e aos neonatos.27,29,30,31

Entre os neonatos de alto risco, a idade gestacional, peso ao nascer, asfixia, meningite e/ou dificuldade respiratória estão significativamente associados ao risco de dano neurológico, incluindo PC. Isto implica em aumentar os esforços para fortalecer a qualidade dos cuidados e os modelos de acompanhamento para estes RNs.32

Os resultados corroboram com os dados da literatura, os quais evidenciam que o período neonatal é o mais crítico quanto ao risco de mortalidade infantil, sendo a qualidade da assistência à saúde da gestante, como a realização de consultas adequadas, análise dos exames maternos e a assistência dada no momento do início do trabalho de parto, identificando-se a melhor via para a realização desse parto até o pós-parto, são de importância inquestionáveis33

Isso evidencia a importância de a gestante ter atendimento adequado na rede de atenção básica, no período da gestação e do parto, com assistência de qualidade na tentativa de reduzir as iniquidades em saúde e, consequentemente, intervir nas causas evitáveis de PC.

As redes básicas de atenção à saúde, com seus mecanismos de referência e contra referência, são fundamentais para os pacientes com PC, que necessitam de cuidados multidisciplinares articulados para que os mesmos se beneficiem de uma assistência integral à sua saúde. No entanto, os dados aqui apresentados mostram que 81,2 % dos pacientes não têm acesso a UBS ou ESF devido, segundo as famílias, à falta de visitação, a qual deveria ser realizada pelas unidades de saúde. Desta forma, ao serem descritas as políticas públicas voltadas ao paciente com deficiência, com enfoque na pessoa com PC, evidencia-se que elas existem, contudo, na prática, não são efetivadas nem articuladas às ações em saúde.34,35,36

O atendimento multidisciplinar, envolvendo o médico assistente, trabalhando com uma equipe multiprofissional, com a presença de fisioterapeutas, fonoaudiólogos, odontologistas, neurologistas, pediatras, médicos de família, nutricionistas, nutrólogos, ortopedistas, otorrinolaringologistas, oftalmologistas, terapeuta ocupacional, psicólogos e serviço social auxiliam na assistência aos pacientes com PC37 e esse benefício está comprometido no grupo aqui avaliado, tendo em vista que, muitos não têm acesso à unidade básica de saúde e à equipe multidisciplinar38

Dentre as principais dificuldades citadas referente ao acesso aos diversos profissionais, encontram-se falta (por exemplo: nutrólogos) ou insuficiência do profissional na rede de atendimento; longas filas de espera; ausência de encaminhamentos pelos médicos da unidade básica; dificuldades de locomoção com a criança pelas barreiras ao transporte da prefeitura. Importante ainda ressaltar que dos 30 pacientes do estudo, 6 (20,0%) possuíam plano de saúde, porém não estavam sendo acompanhados por uma equipe multiprofissional e/ou tinham dificuldades de acesso a alguns profissionais, aparelhos de locomoção e alguns procedimentos, necessitando, por vezes, recorrer a Vitória para consegui-los.

Todo esforço deve ser direcionado para que as disparidades na assistência sejam reduzidas e para que serviços como pré-natal, parto, pós-parto e reabilitação possuam efetiva qualidade, permitindo redução dos casos de PC ou minimizando suas sequelas. Para que isso seja possível, deve haver uma cobertura universal que seja efetiva, com serviços de saúde acessíveis, adequados, disponíveis, equitativos e de boa qualidade, os quais poderão auxiliar no controle das variáveis que influenciam o binômio mãe - filho, reduzindo os riscos de PC e suas consequências para a criança, a família e para a sociedade.12,36

Além disso, é necessário promover e assegurar sistematicamente a transferência e o uso de conhecimento interdisciplinar, com o objetivo de capacitar famílias e profissionais de saúde envolvidos no atendimento às crianças com PC.39


CONCLUSÃO

No presente estudo, a baixa escolaridade, o baixo nível socioeconômico, a prematuridade, baixo peso ao nascer e asfixia neonatal foram variáveis frequentes entre crianças e adolescentes com PC.

A identificação dessas condições pode facilitar a estratificação dos grupos de risco e auxiliar no planejamento de ações para estruturação da rede básica de atenção à saúde, com ênfase nas políticas que facilitem o acesso ao pré-natal e ao atendimento perinatal, visando à redução das causas evitáveis de PC.

Os resultados aqui apresentados evidenciam que pacientes com PC possuem mais dificuldades no acesso aos diversos profissionais de saúde e aos serviços necessários.

Evidenciou-se a importância de se ter uma equipe articulada, com visão na integralidade do cuidado para a melhoria da qualidade da assistência à saúde ofertada a população do estudo, bem como colocar em prática políticas públicas que auxiliem na redução das iniquidades em saúde.


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1. Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericordia de Vitoria, Programa de Pós-graduação em Políticas Publicas e Desenvolvimento - Vitória - ESEspirito Santo - Brasil
2. Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericordia de Vitoria, Programa de Pós-graduação em Politicas Publicas e Desenvolvimento Local e Coordenador do Doutorado - DINTER PUCRS da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória - Vila Velha - ES-Espirito Santo - Brasil
3. Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericordia de Vitoria, Programa de Residência médica da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitoria - Vitoria - ES-Espirito Santo - Brasil

Endereço para correspondência:
Amanda Neves Siqueira
Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericordia de Vitoria. Programa de Pós-graduação em Políticas Publicas e Desenvolvimento
Av. Nossa Sra. da Penha, 2190 - Bela Vista
Vitória - ES, Brasil. CEP: 29027-502
E-mail: mandyneves@hotmail.com

Data de Submissão: 07/06/2018
Data de Aprovação: 26/10/2018


APÊNDICE A – Instrumento de coleta de dados da pesquisa