Ponto de Vista
-
Ano 2020 -
Volume 10 -
Número
2
A pandemia do COVID-19, desvios do estado nutricional e pediatria
The Covid-19 pandemic, deviations in nutritional status and pediatrics
Ieda Regina Lopes Del-Ciampo1; Luiz Antonio Del-Ciampo2
RESUMO
A maior probabilidade de morrer em decorrência da infecção pelo coronavírus está entre os idosos com comorbidades. O artigo descreve a elevada frequência dos desvios nutricionais ainda na infância e suas associações com alterações imunológicas, diabetes, hipertensão arterial e demais alterações, as quais comprometem a saúde e a resposta a este e a outros agentes agressores, de forma aguda ou crônica, em qualquer fase da vida. Conclui-se que o investimento em cuidados ainda na infância pode contribuir para um melhor cenário da saúde pública, também em momentos de pandemia.
Palavras-chave:
Pandemias, Pediatria, Estado Nutricional, Infecções por Coronavírus.
ABSTRACT
The highest probability of dying from coronavirus infection is among the elderly with comorbidities. This paper describes the high frequency of nutritional deviations in children and their associations with immunological changes, diabetes, high blood pressure and other changes, which compromise health and the response to this and other disease-causing agents, in an acute or chronic way, at any stage of life. We conclude that investment in pediatric care can contribute to a better public health scenario, also in times of pandemic.
Keywords:
Pandemics, Pediatrics, Nutritional Status, Coronavirus Infections.
INTRODUÇÃO
A pandemia do COVID-19 que atualmente mobiliza o mundo, surgiu em dezembro de 2019, na cidade de Wuhan (China), e é causada por um betacoronavírus relacionado ao vírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). Estudos epidemiológicos evidenciam o elevado poder de contágio do COVID-19 em todas as faixas etárias nos diversos países atingidos1. Dados da Organização Mundial da Saúde revelam uma taxa de mortalidade cada vez maior, com 1.133.758 casos e 62.784 mortes confirmadas2. Há maior probabilidade de morte entre os indivíduos acima dos 60 anos de idade, com aumento diretamente proporcional para as faixas etárias superiores. As mortes estão frequentemente associadas a comorbidades pré-existentes, tais como: cardiopatias, diabetes, doenças respiratórias crônicas, hipertensão arterial, câncer e demais3.
Estado nutricional e infecções virais
Carência proteico-energética é frequentemente observada, em diferentes proporções, conforme a região estudada, causando mortes na infância e contribuindo para deficiências crônicas em adultos, além do elevado custo socioeconômico por eles provocados4. Indivíduos com desnutrição proteico-energética apresentam alterações imunológicas de graus variados, incluindo efeitos adversos, como asma na vida adulta, decorrente de subnutrição na vida precoce5.
Ainda não há estudos científicos associando a morbimortalidade pela infecção por COVID-19 aos desvios do estado nutricional, entretanto, os obesos frequentemente apresentam comorbidades que estão entre os fatores de risco para a infecção grave por COVID-19, situação em que as prevalências de hipertensão arterial e diabetes são iguais a 20% e 30%, respectivamente6,7. Além disso, alterações do estado nutricional já foram detectadas como fatores de risco independente para outras doenças causadas por vírus8.
Estimativas apontam que o sobrepeso e a obesidade contribuem, anualmente, para cerca de 4 milhões de mortes no mundo (7,1% do total de mortes)9. Além das reconhecidas comorbidades relacionadas, como diabetes, hipertensão arterial e outras doenças cardiovasculares; a obesidade também acarreta redução da capacidade pulmonar total (diminuição da capacidade residual funcional, do volume residual expiratório), aumento da responsividade brônquica (devido à perda do efeito broncoprotetor da inspiração profunda)10, diminuição da incursão do diafragma e elevação das citocinas inflamatórias11, tornando o aparelho respiratório altamente vulnerável ao ataque dos vírus. Obesidade também tem sido associada à diminuição da resposta imune a certos patógenos12.
Sem intervenções adequadas, as alterações do estado nutricional podem permanecer durante a vida adulta, o que reforça a importância do acompanhamento pediátrico regular com orientações adequadas e precoces, principalmente durante os primeiros 1.000 dias de vida (período de programação nutricional e metabólica) e até o final da infância, momento em que serão estabelecidos hábitos e práticas de saúde que irão perdurar por toda a vida13. Durante o acompanhamento, para que haja êxito nas projeções de sobrevida humana em torno de um século, a vigilância e também as orientações para a manutenção de um adequado estado nutricional são fundamentais.
Pandemia do coronavírus e atenção à saúde da criança projetada na saúde do idoso
O período de pandemia do COVID-19 reforça a importância dos cuidados pelos profissionais que atuam na área de atenção à saúde da criança, sobretudo valorizando os aspectos biopsicossociais e a prática da puericultura com vigilância do estado nutricional, visando à manutenção da saúde e às intervenções quando necessárias, contribuindo para que a criança se torne um adulto e posteriormente idoso longevo, mas além disso, vivendo em sua melhor plenitude, sendo inclusive capaz de desenvolver respostas imunológicas favoráveis durante os estímulos adversos agudos e inesperados, além dos crônicos que se apresentem.
Sendo a infecção por COVID-19 de maior gravidade em idosos e associada a fatores de risco específicos, muitos deles associados à obesidade, tais fatores estão colaborando para o estabelecimento do caos em diferentes formas na saúde pública13,14 e, talvez, pudessem ter sido previamente controlados. Os dados epidemiológicos referentes a essa pandemia reiteram a inerente necessidade de assumir os cuidados dos indivíduos ainda na infância, considerando seus aspectos biopsicossociais, incluindo aqui fatores epigenéticos, com a percepção e a sensibilidade de que as atitudes tomadas ainda nesse período podem refletir sobre a saúde e longevidade individual e coletiva. É muito importante que cada profissional de saúde, incluindo o pediatra, cumpra seu papel social, fazendo assim a diferença e contribuindo para a melhoria dos indicadores de saúde.
REFERÊNCIAS
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1. Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Medicina, Área de Saúde da Criança e do Adolescente - São Carlos - São Paulo - Brasil
2. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Departamento de Puericultura e Pediatria - Ribeirão Preto - São Paulo - Brasil
Endereço para correspondência:
Ieda Regina Lopes Del-Ciampo
Universidade Federal de São Carlos
Rod. Washington Luís km 235 - SP-310 - São Carlos
SP. Brasil. CEP: 13565-905
E-mail: ieda@ufscar.br
Data de Submissão: 17/04/2020
Data de Aprovação: 08/05/2020