ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Ética Médica - Ano 2020 - Volume 10 - Número 2

A relação entre os médicos e os demais profissionais de saúde

The relationship between physicians and other healthcare providers


A relação entre o médico e os demais profissionais que atuam na Saúde deve ser pautada na solidariedade e no respeito. A relação deve respeitar a liberdade individual de cada indivíduo, ressalvados os limites das respectivas autonomias. Isto fica claro no Código de Ética Médica quando diz no Capítulo I - Princípios Fundamentais “XVII - As relações do médico com os demais profissionais devem basear-se no respeito mútuo, na liberdade e na independência de cada um, buscando sempre o interesse e o bem-estar do paciente”.

Embora todas as profissões que atuam na saúde sejam igualmente importantes, cada um dos cursos que formam os profissionais que atuam na saúde tem suas próprias e diferentes matizes, especificidades e saberes, fazendo com o que tais profissionais sejam diferentes entre si. Todas as profissões que atuam na área da saúde são importantes para a obtenção do melhor resultado possível para o paciente. Mas, as diferenças na formação de cada uma delas devem ser reconhecidas e respeitadas para que não ocorram atuações indevidas e invasões de espaços de atuação, com prejuízos para a população.

O Decreto n° 20931, de 11 de janeiro de 1932, já dizia: “Regula e fiscaliza o exercício da Medicina, da Odontologia, da Medicina Veterinária e das profissões de Farmacêutico, Parteira e Enfermeira, no Brasil, e estabelece penas (...)”; “Artigo 16° - É vedado ao médico: i) assumir a responsabilidade de tratamento médico dirigido por quem não for legalmente habilitado; (...)”; “Artigo 28° - Nenhum estabelecimento de hospitalização ou de assistência médica pública ou privada, poderá funcionar, em qualquer ponto do território nacional, sem ter um diretor técnico e principal responsável, habilitado para o exercício da medicina nos termos do regulamento sanitário federal”.

A Lei Federal n° 3.999, de 15 de dezembro de 1961, em seu artigo 15° prevê: “Os cargos ou funções de chefias de serviços médicos, somente poderão ser exercidos por médicos, devidamente habilitados na forma da lei”.

Tal preocupação persiste nos dias atuais e vemos no Código de Ética Médica em seu Capítulo III - Responsabilidade Profissional que: “É vedado ao médico (...) Artigo 2° - Delegar a outros profissionais atos ou atribuições exclusivas da profissão médica”; e, “Artigo 10° - Acumpliciar-se com os que exercem ilegalmente a Medicina ou com profissionais ou instituições médicas nas quais se pratiquem atos ilícitos”.

E em cada empresa onde se pratique a Medicina, há de haver um Médico como Responsável Técnico.

A Resolução CFM 1718/04, que trata de ensino de atos privativos e diz, em seu artigo 1°: “É vedado ao médico, sob qualquer forma de transmissão de conhecimento, ensinar procedimentos privativos de médicos a profissionais não médicos”. No entanto, nos dias atuais, é comum profissionais não médicos participarem de congressos médicos e assistirem a palestras onde aprendem sobre diagnóstico nosológico, prescrição terapêutica e procedimentos invasivos. De ressaltar que a formulação do diagnóstico nosológico, a prescrição terapêutica medicamentosa, a intervenção cirúrgica, a indicação e a execução de procedimentos diagnósticos e terapêuticos invasivos e a determinação do prognóstico são privativos do profissional médico.

Quando vemos a defesa da humanização do parto virar uma demonização do médico, não podemos deixar de repudiar esta posição. A defesa de um parto seguro para a mãe e para o concepto deveria ser uma luta de todos. Mas, parto seguro passa pela participação do médico, desde o pré-natal. E como se falar em parto seguro e humanizado sem a presença do pediatra?

Vimos agora, me deixou estupefato, o alcaide da cidade do Rio de Janeiro propor um atendimento de atenção básica com a presença de um enfermeiro/técnico de enfermagem junto ao paciente e com um médico atendendo à distância, pela tela de um computador, sem o exame direto do paciente. A desculpa é que tal estratégia seria adotada nas clínicas da família que, por estarem em áreas de altos índices de violência, encontram dificuldade em alocar médicos, como se o risco só existisse para os médicos ou se não houvesse preocupação com os demais profissionais.

O Código de Ética Médica em seu Capítulo III - Responsabilidade Profissional diz que: “É vedado ao médico (...) Artigo 37° - Prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento”.

Recordei-me da 114ª reunião do Conselho Executivo da OMS, realizada em 29 de abril de 2004, com o tema “Recursos humanos para a saúde”: “Os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento utilizam ou estão estudando a possibilidade de usar ‘novos tipos de trabalhadores sanitários’ (...) os estudos de substituição de médicos por outros profissionais da saúde demonstram amplas possibilidades de modificar a combinação de competências (...) 25 a 75% das tarefas de médicos generalista podem ser executadas por outros agentes (...)”.

Não devemos abrir mão das vivências e saberes de todos os profissionais que atuam na Saúde e, ademais, seria um retrocesso que nossos pacientes deixassem de contar com eles. Mas, é impensável uma “Medicina sem médico”. Não somos melhores ou piores que os demais, mas, somos diferentes e essas peculiaridades da nossa formação nos torna fundamentais e indispensáveis.

“Vale a pena lembrar que, embora haja uma vasta diferença entre nós no que diz respeito aos fragmentos que conhecemos, somos todos iguais no infinito de nossa ignorância”. - Karl Popper










Professor Adjunto da Disciplina de Saúde da Criança e do Adolescente e Responsável pela Disciplina de Bioética e Ética Médica. Universidade Iguaçu. Nova Iguaçu/RJ, Brasil

Endereço para correspondência:

Carlindo Machado Filho
Universidade Iguaçu
Av. Abílio Augusto Távora, nº 2134, Nova Iguaçu
Rio de Janeiro - RJ. Brasil. CEP: 26275-580
E-mail: carlindo@cremerj.org.br

Data de Submissão: 29/10/2019
Data de Aprovação: 31/10/2019