Ética Médica - Ano 2020 - Volume 10 - Número 2
A relação entre os médicos e os demais profissionais de saúde
The relationship between physicians and other healthcare providers
Embora todas as profissões que atuam na saúde sejam igualmente importantes, cada um dos cursos que formam os profissionais que atuam na saúde tem suas próprias e diferentes matizes, especificidades e saberes, fazendo com o que tais profissionais sejam diferentes entre si. Todas as profissões que atuam na área da saúde são importantes para a obtenção do melhor resultado possível para o paciente. Mas, as diferenças na formação de cada uma delas devem ser reconhecidas e respeitadas para que não ocorram atuações indevidas e invasões de espaços de atuação, com prejuízos para a população.
O Decreto n° 20931, de 11 de janeiro de 1932, já dizia: “Regula e fiscaliza o exercício da Medicina, da Odontologia, da Medicina Veterinária e das profissões de Farmacêutico, Parteira e Enfermeira, no Brasil, e estabelece penas (...)”; “Artigo 16° - É vedado ao médico: i) assumir a responsabilidade de tratamento médico dirigido por quem não for legalmente habilitado; (...)”; “Artigo 28° - Nenhum estabelecimento de hospitalização ou de assistência médica pública ou privada, poderá funcionar, em qualquer ponto do território nacional, sem ter um diretor técnico e principal responsável, habilitado para o exercício da medicina nos termos do regulamento sanitário federal”.
A Lei Federal n° 3.999, de 15 de dezembro de 1961, em seu artigo 15° prevê: “Os cargos ou funções de chefias de serviços médicos, somente poderão ser exercidos por médicos, devidamente habilitados na forma da lei”.
Tal preocupação persiste nos dias atuais e vemos no Código de Ética Médica em seu Capítulo III - Responsabilidade Profissional que: “É vedado ao médico (...) Artigo 2° - Delegar a outros profissionais atos ou atribuições exclusivas da profissão médica”; e, “Artigo 10° - Acumpliciar-se com os que exercem ilegalmente a Medicina ou com profissionais ou instituições médicas nas quais se pratiquem atos ilícitos”.
E em cada empresa onde se pratique a Medicina, há de haver um Médico como Responsável Técnico.
A Resolução CFM 1718/04, que trata de ensino de atos privativos e diz, em seu artigo 1°: “É vedado ao médico, sob qualquer forma de transmissão de conhecimento, ensinar procedimentos privativos de médicos a profissionais não médicos”. No entanto, nos dias atuais, é comum profissionais não médicos participarem de congressos médicos e assistirem a palestras onde aprendem sobre diagnóstico nosológico, prescrição terapêutica e procedimentos invasivos. De ressaltar que a formulação do diagnóstico nosológico, a prescrição terapêutica medicamentosa, a intervenção cirúrgica, a indicação e a execução de procedimentos diagnósticos e terapêuticos invasivos e a determinação do prognóstico são privativos do profissional médico.
Quando vemos a defesa da humanização do parto virar uma demonização do médico, não podemos deixar de repudiar esta posição. A defesa de um parto seguro para a mãe e para o concepto deveria ser uma luta de todos. Mas, parto seguro passa pela participação do médico, desde o pré-natal. E como se falar em parto seguro e humanizado sem a presença do pediatra?
Vimos agora, me deixou estupefato, o alcaide da cidade do Rio de Janeiro propor um atendimento de atenção básica com a presença de um enfermeiro/técnico de enfermagem junto ao paciente e com um médico atendendo à distância, pela tela de um computador, sem o exame direto do paciente. A desculpa é que tal estratégia seria adotada nas clínicas da família que, por estarem em áreas de altos índices de violência, encontram dificuldade em alocar médicos, como se o risco só existisse para os médicos ou se não houvesse preocupação com os demais profissionais.
O Código de Ética Médica em seu Capítulo III - Responsabilidade Profissional diz que: “É vedado ao médico (...) Artigo 37° - Prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento”.
Recordei-me da 114ª reunião do Conselho Executivo da OMS, realizada em 29 de abril de 2004, com o tema “Recursos humanos para a saúde”: “Os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento utilizam ou estão estudando a possibilidade de usar ‘novos tipos de trabalhadores sanitários’ (...) os estudos de substituição de médicos por outros profissionais da saúde demonstram amplas possibilidades de modificar a combinação de competências (...) 25 a 75% das tarefas de médicos generalista podem ser executadas por outros agentes (...)”.
Não devemos abrir mão das vivências e saberes de todos os profissionais que atuam na Saúde e, ademais, seria um retrocesso que nossos pacientes deixassem de contar com eles. Mas, é impensável uma “Medicina sem médico”. Não somos melhores ou piores que os demais, mas, somos diferentes e essas peculiaridades da nossa formação nos torna fundamentais e indispensáveis.
“Vale a pena lembrar que, embora haja uma vasta diferença entre nós no que diz respeito aos fragmentos que conhecemos, somos todos iguais no infinito de nossa ignorância”. - Karl Popper
Professor Adjunto da Disciplina de Saúde da Criança e do Adolescente e Responsável pela Disciplina de Bioética e Ética Médica. Universidade Iguaçu. Nova Iguaçu/RJ, Brasil
Endereço para correspondência:
Carlindo Machado Filho
Universidade Iguaçu
Av. Abílio Augusto Távora, nº 2134, Nova Iguaçu
Rio de Janeiro - RJ. Brasil. CEP: 26275-580
E-mail: carlindo@cremerj.org.br
Data de Submissão: 29/10/2019
Data de Aprovação: 31/10/2019