ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2020 - Volume 10 - Número 2

Fatores de risco para asfixia perinatal em recém-nascidos atendidos em uma maternidade pública terciária

Risk factors for perinatal asphyxia in newborns attended at a tertiary public maternity hospital

RESUMO

OBJETIVOS: Avaliar o perfil dos recém-nascidos (RNs) atendidos em uma maternidade pública terciária de referência do Distrito Federal (DF) e os fatores de risco para a asfixia perinatal.
MÉTODOS: Estudo descritivo quantitativo, retrospectivo, de corte transversal e com dados secundários. A população do estudo foram os RN nascidos no Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB), no período de janeiro de 2017 a junho de 2018. Os dados foram obtidos por meio do SINASC da Secretaria de Saúde do DF. Definiu-se asfixia como Apgar < 6 no 5° minuto e foram estudadas variáveis relacionadas aos RNs e às mães. A análise estatística foi feita por meio do EpiInfo 2010 e o estudo obteve aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa.
RESULTADOS: No período considerado, nasceram 5.358 RNs. A prevalência de asfixia perinatal foi de 2%. As variáveis idade materna < 20 (OR=2), número de consultas de pré-natal < 7 (OR=7,5), parto vaginal (OR=1,7), idade gestacional < 37 semanas (OR=21,4) e peso ao nascer < 2500g (OR=23,8) tiveram associação significativa com a ocorrência de asfixia perinatal.
CONCLUSÕES: A prevalência da asfixia perinatal no HMIB é alta comparada à literatura. Sugerem-se ações para capacitação dos profissionais de saúde para o atendimento às gestantes e aos RNs, afim de identificar situações de risco e intervir precocemente, contribuindo para a reversão desse quadro.

Palavras-chave: Asfixia Neonatal, Prevalência, Fatores de Risco, Recém-Nascido.

ABSTRACT

OBJECTIVES: To assess the profile of newborn that were assisted in a maternity from a tertiary referral hospital in Distrito Federal (DF) and the risk factors for perinatal asphyxia.
METHODS: Quantitative, retrospective, cross-sectional, descriptive study, using secondary data. The population of the study were RN born in the Children Maternal Hospital of Brasília (HMIB) in the period from January 2017 to June of 2018. The data were obtained through SINASC of the Secretary of Health of DF. Asphyxia was defined as Apgar < 6 in the 5th minute and mother and newborn variables were studied. Statistical analysis were performed by EpiInfo 2010 and ethics approval for the study was obtained from Ethics and Research Committee.
RESULTS: Over the period considered in this study, 5,358 RNs were born. The prevalence of perinatal asphyxia was 2%. The variables maternal age < 20 (OR=2), number of prenatal visits < 7 (OR=7.5), vaginal delivery (OR=1.7), gestational age < 37 weeks (OR=21.4) and birth weight < 2500g (OR=27.38) were significantly associated with the occurrence of perinatal asphyxia.
CONCLUSIONS: A high perinatal asphyxia prevalence in HMIB was found in comparison literature. Actions to create opportunities of qualification of health professionals to assist pregnant women and RN in order to provide early identification and prevention are suggested to the reversal of this situation.

Keywords: Asphyxia Neonatorum, Prevalence, Risk Factors, Infant, Newborn.


INTRODUÇÃO

No mundo, a mortalidade infantil predomina no período neonatal, sendo as principais causas prematuridade e asfixia perinatal1,2. A asfixia perinatal desenvolve-se quando há hipoperfusão tecidual significativa e diminuição da oferta de oxigênio decorrente das mais diversas etiologias durante o período periparto, ao nascimento e nos primeiros minutos de vida3,4. É a causa mais grave de todas as lesões neurológicas adquiridas por um RN de termo. Este poderá sofrer com sequelas graves por muitos anos, tais como paralisia cerebral, retardo mental, déficit de aprendizado em níveis variados e epilepsia3,5.

Anualmente, cerca de 4 milhões de recém-nascidos no mundo apresentam asfixia, e destes, 1 milhão evoluem com sequelas graves e o mesmo número vai a óbito6,7. Devido à importância das taxas de morbimortalidade que se associam a asfixia perinatal, tanto em recém-nascidos a termo (RNT), como em recém-nascidos pré-termo (RNPT), ela representa um problema fundamental em perinatologia5,6. No Brasil, os óbitos neonatais precoces associados à asfixia perinatal representam 40% de todos os óbitos neonatais precoces, em neonatos nascidos com 2500g ou mais, e sem malformações congênitas8. Apesar disso, sabe-se que o óbito por asfixia perinatal pode ser facilmente prevenido por meio de diagnóstico e tratamento precoces. Elevada taxa desse indicador, portanto, reflete má qualidade da assistência prestada no período perinatal, tanto à gestante quanto ao RN2.

Os critérios de diagnóstico de asfixia variam consideravelmente na literatura. A nota identificada pelo Boletim de Apgar, no 1° e 5° minutos após a extração completa do produto conceptual do corpo da mãe, é uma estratégia simples e fácil para identificar RN com risco para complicações relacionadas à asfixia perinatal. No entanto, o uso exclusivo desse indicador é limitado. Exemplo disso é que a nota no Boletim de Apgar não é utilizada para indicar procedimentos na reanimação neonatal, estando sua aplicação restrita para avaliar a resposta do paciente às manobras realizadas3.

No Distrito Federal (DF), em 2017, nasceram 56.426 crianças. No HMIB, neste mesmo ano, nasceram 3.426 crianças, sendo 18% dos RNs com peso inferior a 2500g (SINASC-Giass/Divep/SVS/SES/GDF).

A mortalidade neonatal precoce associada à asfixia perinatal em recém-nascidos de baixo risco, ou seja, com peso ao nascer ≥ 2500g e sem malformações congênitas, é elevada em nosso meio. Estudo feito pelo Programa de Reanimação Neonatal mostrou que no Brasil, entre 2005 e 2010, ocorreram 5-6 mortes precoces por dia de neonatos ≥ 2500g sem anomalias congênitas por causas associadas à asfixia perinatal, sendo duas delas, em cada dia, decorrentes de síndrome de aspiração de mecônio. A maior parte dessas mortes aconteceu no primeiro dia de vida9.

Desse modo, o objetivo da presente pesquisa é avaliar o perfil dos recém-nascidos atendidos no HMIB e os fatores de risco para a asfixia perinatal. O presente estudo poderá contribuir para a implementação de políticas públicas, visando a realização de campanhas informativas sobre as sequelas de asfixia perinatal, bem como estabelecer estratégias para redução de quadros asfixiais no período neonatal.


MÉTODOS

Estudo descritivo, quantitativo, retrospectivo, de corte transversal e com fonte de dados secundários. A população do estudo foram os recém-nascidos (RNs) atendidos na Maternidade do HMIB, no período de janeiro de 2017 a junho 2018.

O Hospital Materno Infantil de Brasília – HMIB, DF é um hospital público terciário ligado à Secretaria de Saúde do Distrito Federal. É responsável pelos casos de alta complexidade relacionados à pediatria, ginecologia e obstetrícia.

Os dados utilizados foram obtidos por meio das informações coletadas do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) da Secretaria do Estado de Saúde do Distrito Federal.

No presente estudo, foi avaliada a presença de asfixia neonatal, utilizando o critério Apgar inferior a 6 no 5° minuto como variável dependente. As variáveis independentes maternas e neonatais foram faixa etária da mãe, número de consultas de pré-natal, tipo de parto, idade gestacional (IG), peso ao nascer (PN) e sexo do RN. Foram excluídos dos cálculos de prevalência e associação com as variáveis independentes aqueles RN com dados “ignorados/não informados”.

Foi utilizado para tabulação, análise dos dados de forma isolada e confecção dos gráficos e tabelas o editor de planilhas Microsoft Office Excel 2013. Para análise estatística descritiva, utilizou-se o pacote estatístico EpiInfo 2010 (CDC, Atlanta, USA). Para cada variável, determinou-se o número de observações. As variáveis categóricas e as numéricas categorizadas foram descritas em frequência absoluta e relativa. A medida de efeito do fator de risco foi calculada pela razão de chances Odds Ratio (OR) com seu respectivo intervalo de confiança de 95% (IC 95%) e grau de significância de 0,05 (p ≤ 0,05). A razão de chances superior a 1 indicou risco e, menor que 1, indicou proteção.

Em conformidade com os critérios estabelecidos pela Declaração de Helsinki, o estudo obteve aprovação do Comitêde Ética e Pesquisa do hospital onde se realizou o estudo e do CEP da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (FEPECS/SES/DF), através do parecer de número 2.359.674. Não houve necessidade de consentimento informado por parte dos familiares, pois se tratou de levantamento de dados secundários fornecidos por um sistema de informações.


RESULTADOS

No período compreendido entre janeiro de 2017 a junho de 2018, houve 5.358 nascimentos no HMIB. Destes, 108 apresentaram Escore de Apgar < 6 no 5° minuto. Desse modo, a prevalência de asfixia perinatal encontrada no presente estudo foi de 2%. Em 17 casos, não constava a informação Apgar no 5° minuto, totalizando uma perda de dados de aproximadamente 0,3%.

A maioria dos nascimentos ocorreu em gestantes com idade entre 20-34 anos (68,5%). As adolescentes (< 20 anos) responderam por 13% dos partos no HMIB nesse período, sendo que, destas, 3,3% tinham menos de 14 anos. As mulheres com 35 anos ou mais, por sua vez, representaram 18,3% dos partos. A gravidez na adolescência mostrou-se fator de risco para a asfixia perinatal (OR=2; IC 95% 1,2-3,2; p=0,005). No outro extremo do período fértil, nas gestantes com 35 anos ou mais, não houve correlação significativa (p=0,17).

A maior parte das gestantes foi a mais de 6 consultas de pré-natal (65,8%). Entretanto, 10,3% foi a 3 ou menos consultas e, destas, 40,2% não compareceu a nenhuma consulta. Em 114 casos, a informação sobre o número de consultas pré-natal não foi preenchida (perda de dados de 2,1%). O baixo número de consultas de pré-natal (inferior a 7) foi fator de risco para a asfixia perinatal (OR=7,5; IC 95% 4,7-11,8).

No presente estudo, houve predominância do parto cesáreo (53%) em relação ao parto vaginal (45,5%), e, em 1,5% dos casos, os dados não foram informados. O parto vaginal foi associado ao fenômeno da asfixia (OR=1,7; IC 95% 1,2-2,6; p=0,004), enquanto o parto cesáreo foi fator protetor (OR=0,56; IC 95% 0,4-0,8; p=0,004).

Quanto às características do RN, 72,5% nasceram a termo, 21% foram prematuros (IG<37 semanas), 3,2% foram pós-termo (IG de 42 semanas ou mais) e 3,3% não tinham informação sobre a IG. A prematuridade correlacionou-se fortemente com a asfixia perinatal (OR=21,4; IC 95% 12,3-37,2).

A maior parte dos RNs nasceram com peso entre 3000g e 4000g (54,6%). Os RNs com peso normal representaram 77,4% da população do estudo. Os RNs com baixo peso (PN<2500g) foram 17,8% e os RNs macrossômicos (PN>4000g) foram 4,7%. O baixo peso ao nascer constitui-se fator de risco para a asfixia perinatal (OR=23,8; IC 95% 14,3-39,7). A macrossomia, por sua vez, não teve correlação com o quadro de asfixia (OR=0,9; IC 95% 0,1-6,7; p=0,9).

O sexo masculino foi predominante neste estudo (51%) em relação ao sexo feminino (49%) e nenhuma correlação estatisticamente significativa foi feita com a asfixia (p=0,9).

As Tabelas 1 e 2 mostram as variáveis maternas e neonatais estudadas em frequência absoluta e relativa.






DISCUSSÃO

No presente estudo, encontramos prevalência de asfixia de 2%, o que equivale a 20 a cada mil recém-nascidos vivos. Na literatura, a incidência de asfixia perinatal varia de 3 a 6 por 1.000 nascidos vivos. À primeira vista, o presente estudo apresenta grande discrepância com relação à literatura, contudo este fato pode ser explicado pela utilização de um critério menos rigoroso, enquanto outros estudos utilizam critérios mais específicos, tais como os do Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia (CAOG) e o da Academia Americana de Pediatria (AAP), os quais levam em conta outros aspectos além do Apgar10.

Em estudo conduzido em Fortaleza (CE), utilizando critério de asfixia semelhante ao nosso, foi encontrada prevalência de asfixia perinatal de 1,3%11, prevalência inferior à nossa. Contudo, cabe observar que o HMIB é uma unidade neonatal terciária que tem por especificidade o atendimento de todos os bebês com malformações cirúrgica e prematuros abaixo de 32 semanas, grupo este com mais risco de necessitar de reanimação. Tais subgrupos não foram excluídos deste estudo, o que contribuiu para o aumento da taxa de prevalência de asfixia encontrada.

Embora, o Apgar isoladamente seja limitado para definir asfixia3,4,6,10, é considerado um importante indicador por sua fácil aplicabilidade. Quando se encontra abaixo de 7 no quinto minuto, demonstra a necessidade de atenção especial ao recém-nascido, em especial em locais onde o acesso a exames laboratoriais é limitado6. Cruz et al.10 verificaram que o Apgar baixo no quinto minuto teve associação com elevada morbidade e mortalidade. Tais considerações legitimam a utilização, neste estudo, do Escore de Apgar muito baixo (<6) e apenas no quinto minuto, identificando apenas os RN mais graves, que não conseguiram melhorar até o quinto minuto de vida apesar da reanimação neonatal. Esses são os que devem ter um importante grau de asfixia e que poderão evoluir com alterações orgânicas decorrentes deste evento tão grave10. Portanto, avaliar o Apgar no 5° minuto é o mais próximo que podemos chegar da investigação da asfixia real em um estudo com base em registros de nascimento.

Dentre os fatores de risco para a asfixia perinatal, a literatura mostra menor idade materna, prematuridade, menor peso ao nascimento (< 2500g), antecedente de natimortalidade, primiparidade, ameaça de parto prematuro, intercorrência clínica e assistência pré-natal de baixa qualidade6. Em nosso estudo, não abordamos algumas dessas variáveis independentes devido à indisponibilidade de dados.

No que concerne à idade materna, verifica-se que o Brasil vem sofrendo profundas modificações na estrutura populacional, bem como na incidência e prevalência de doenças12. Observa-se queda acentuada e generalizada da fecundidade do país, porém mantêm-se taxas elevadas de fecundidade na adolescência (10 a 19 anos) e vêm aumentando as taxas relativas às mulheres no limite superior do período fértil (35 anos ou mais)13. Essas duas situações contribuem para chances aumentadas de uma gestação de alto risco que, por sua vez, eleva os riscos de morbidade e mortalidade materno-fetal14. No estudo presente, a idade materna predominante foi entre 20 e 34 anos, faixa considerada de baixo risco, condizendo com o estudo de Daripa et al.2. Na faixa etária de risco, verificamos que 13% dos casos foram de gravidez na adolescência e 18,3% em gestantes com 35 anos ou mais. Encontramos uma correlação significativa entre gravidez na adolescência e ocorrência de asfixia perinatal, o que vai ao encontro do estudo de Fiorelli e Krebs15. Contudo, é importante ressaltar que tal fato pode ser decorrente de outras variáveis relacionadas à adolescência, não somente a idade em si, tais como alta prevalência do uso de drogas, pré-natal inadequado e condições socioeconômicas desfavoráveis. Por outro lado, é evidente que mulheres grávidas com idades mais avançadas são pertencentes a um segmento populacional com alto poder aquisitivo, uma vez que, muitas delas, podem ter recorrido a tratamentos de alto custo em clínicas especializadas em reprodução humana e esse fator socioeconômico pode ter contribuído para que essa faixa etária não tenha sido associada à asfixia13.

Em nosso estudo, a maioria dos nascimentos ocorreu por parto cesáreo (53%), condizendo com o trabalho de Silva et al.16. Este é um número bastante alto, corroborando para a posição do Brasil como o segundo país com mais cesáreas no mundo. Segundo a OMS, a nível populacional, uma taxa de cesárea maior que 10% não está associada a maior proteção materno-fetal, o que deveria ser a principal razão da cesárea17. Porém, isso não se aplica completamente ao HMIB, pois trata-se de um hospital terciário de referência para gestações de alto risco e, por conseguinte, espera-se maior taxa de cesáreas. Nesse sentido, nossos dados mostraram o parto cesáreo como um fator de proteção contra a asfixia perinatal (p=0,004), o que é condizente com o estudo de Gupta et al.7, que associou o parto vaginal ao perfil dos bebês com asfixia perinatal (p<0,001).

No que tange ao pré-natal, o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN) estabelece que o número mínimo de consultas deverá ser de 618. Considerando a amostra deste estudo, mais de 65,8% das gestantes foram a pelo menos 7 consultas, contudo, uma porcentagem ainda alta (10,3%) compareceram a menos de 4 consultas, incluindo as que não foram a nenhuma consulta (40,2%). Verificamos em nosso estudo que o baixo número de consultas pré-natal foi fator de risco para o desfecho de asfixia perinatal. Conforme Domingues et al.19, a assistência pré-natal pode contribuir para desfechos mais favoráveis, ao controlar fatores de risco que poderiam trazer complicações para a saúde materno-fetal, permitindo a detecção e o tratamento oportuno de afecções.

Ao contrário do que podemos imaginar, no Brasil, há uma boa cobertura da atenção pré-natal, chegando a indicadores universais em quase todas as regiões. Contudo, isso não significa assistência de qualidade, pois aspectos como início do pré-natal, o número de consultas realizadas e a realização de procedimentos básicos preconizados pelo Ministério da Saúde deixam a desejar em várias regiões do país, sobretudo as desfavorecidas socioeconomicamente20.

Quanto as características do RN, observamos associação significativa da prematuridade com a asfixia (OR=21,4), concordando com os estudos de Campos et al. (p<0,001)11. Também verificamos forte associação entre o baixo peso ao nascer e o quadro de asfixia perinatal (OR=23,8), o que condiz com os resultados de Cunha et al.21 (OR=11,2) e de Gudayu22. É praticamente consenso na literatura que esses dois fatores estão relacionados a maiores prevalências de asfixia. A asfixia perinatal é maior em recém-nascidos de baixo peso, afetando 60% deste subgrupo5. Em nosso estudo, encontramos que 83,2% dos RNs asfixiados nasceram com baixo peso. Por fim, não observamos nenhuma correlação da asfixia com o sexo do RN, diferentemente de Cunha et al.21, que avaliaram o sexo feminino como fator protetor (OR=0,1).

Assim, observamos que são muitos os fatores biológicos relacionados à mãe e ao RN que podem predispor ao desfecho asfixia perinatal, porém, tais fatores não podem ser pensados de forma isolada, visto que o ambiente, os fatores socioeconômicos e a assistência à gestante e ao RN (antes, durante e após o parto) têm, muitas vezes, valor mais determinante para o acontecimento dessa intercorrência.

Uma das limitações desse estudo é ter sido conduzido apenas em um hospital terciário da zona urbana, o que não reflete a realidade de todo o país, nem mesmo de todo DF. Daripa et al.2 verificaram uma maior prevalência de mortalidade neonatal precoce e sequelas associada à asfixia no interior quando comparada com a região metropolitana, talvez devido ao maior acesso à assistência pré-natal. Nesse mesmo viés socioeconômico capaz de influenciar a asfixia, Almeida et al.8 verificaram que países de alta renda têm baixa incidência de óbitos associados a asfixia e, no Brasil, as regiões Norte e Nordeste mostraram taxas de óbito duas vezes maior que a média nacional. Assim, a limitação geográfica impede a universalização do presente estudo. Outra limitação importante foram os dados perdidos em todas as variáveis analisadas (itens “não informados” ou “ignorados”). Isso mostra desorganização na coleta de dados na área da saúde brasileira, dificultando a implementação de políticas públicas eficientes. A ausência de preenchimento de algumas variáveis (como número de consultas de pré-natal e índices de Apgar no 1° e 5° minuto) parece revelar o desconhecimento da importância de sua anotação pelo profissional de saúde2. Nesse sentido, Silva et al.16 propõem conscientização da equipe de saúde e maior fiscalização dos registros dos dados.

Além disso, os fetos inviáveis, com IG e/ou PN incompatíveis com a vida, não foram excluídos do estudo, pois não tivemos acesso a dados individualizados para verificar a evolução de cada RN. No entanto, a maior limitação foi o uso único do escore de Apgar para diagnóstico de asfixia, que apresenta sensibilidade, especificidade e poder prognóstico relativamente baixos, podendo subestimar ou superestimar a asfixia perinatal3,6,10.


CONCLUSÕES

A asfixia perinatal apresentou prevalência de 2% no período de janeiro de 2017 a junho de 2018 no HMIB. Essa morbidade é importante causa de óbito e, nos sobreviventes, pode levar a sequelas neurológicas, que acarretam prejuízos para a qualidade de vida da criança e de sua família. Apesar disso, muitos casos de aparecimento de lesões asfíxicas poderiam ser evitados por meio de assistência pré-natal de qualidade e com adequada assistência ao recém-nascido na sala de parto. Assim, o presente estudo mostra a necessidade de se criar estratégias como treinamento da equipe assistencial como um todo (médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem) na técnica de reanimação neonatal, além de garantir equipamentos adequados para tal assistência.


REFERÊNCIAS

1. Almeida MFB, Moreira LMO, Santos RMV, Kawakami MD, Anchieta LM, Guinsburg R. Early neonatal deaths with perinatal asphyxia in very low birth weight Brazilian infants. J Perinatol [Internet]. 2015 Set; [citado 2018 Ago 3]; 35(11):954-7. Disponível em: http://www.nature.com/articles/jp2015114

2. Daripa M, Caldas H, Flores L, Waldvogel BC, Guinsburg R, Almeida MFB. Perinatal asphyxia associated with early neonatal mortality: populational study of avoidable deaths. Rev Paul Pediatr. 2013 Mar;31(1):37-45.

3. Burns D, Júnior D, Silva L, Borges W. Neonatologia. In: Burns DAR, Jú DC. Tratado Brasileiro de Pediatria. 4a ed. Barueri: Manole; 2017.

4. Procianoy RS, Silveira RC. Síndrome hipóxico-isquêmica. J Pediatr (Rio J). 2001;77(Supl 1):S63-S70.

5. Neves CI, Faria C, Nunes A, Reis E. Asfixia Perinatal. Consensos em Neonatologia, Coimbra, 2004; [acesso 3 Ago. 2018] Disponível em: http://www.spp.pt/UserFiles/File/Consensos_Nacionais_Neonatologia_2004/Asfixia_Perinatal.pdf. .

6. Takazono PS, Golin MO. Asfixia perinatal: repercussões neurológicas e detecção precoce. Rev Neurocienc. 2013;21(1):108-17.

7. Gupta SK, Sarmah BK, Tiwari D, Shakya A, Khatiwada D. Clinical profile of neonates with perinatal asphyxia in a tertiary care hospital of central Nepal. JNMA J Nepal Med Assoc [Internet]. 2014 Out/Dez; [citado 2018 Ago 3]; 52(196):1005-9. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28325678/

8. Almeida MFB, Kawakami MD, Moreira LMO, Santos RMV, Anchieta LM, Guinsburg R. Early neonatal deaths associated with perinatal asphyxia in infants ≥2500 g in Brazil. J Pediatr [Internet]. 2017 Nov/Dec;93(6):576- 84. Disponível em: http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S2255553617300320

9. Almeida MFB, Guinsburg R. Programa de reanimação neontal. Reanimação neonatal do recém-nascido diretrizes da Sociedade Brasileira de Pediatria. SBP. 2016 Jan;1-33.

10. Cruz ACS, Ceccon MEJ. Prevalência de asfixia perinatal e encefalopatia hipóxico-isquêmica em recém-nascidos de termo considerando dois critérios diagnósticos. J Hum Growth Dev [Internet]. 2010 Ago; [citado 2018 feb 12]; 20(2):302-16. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12822010000200013&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

11. Campos NG. Prevalência de asfixia perinatal e fatores associados em Fortaleza-Ceará [dissertação]. Fortaleza (CE): Universidade Estadual do Ceará; 2010.

12. Duarte EC, Barreto SM. Transição demográfica e epidemiológica: a epidemiologia e serviços de saúde revisita e atualiza o tema. Epidemiol Serv Saúde [Internet]. 2012 Dez; [citado 2018 Ago 3]; 21(4):529-32. Disponível em: http://scielo.iec.pa.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-49742012000400001&lng=en&nrm=iso&tlng=en

13. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Diretoria de Pesquisas (DPE). Coordenação de População e Indicadores Sociais (COPIS). Perfil socioeconômico da maternidade nos extremos do período reprodutivo (*) ( Primeira Versão ). Rio de Janeiro (RJ): IBGE; 2005. p. 1-20.

14. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Gestação de alto risco manual técnico [Internet]. Gestação de alto risco - Manual técnico. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010; [citado ANO mês dia]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/gestacao_alto_risco.pdf

15. Fiorelli LR, Krebs VLJ. Características clínicas e morbidade de recémnascidos filhos de mães adolescentes em hospital universitário. Rev Med (São Paulo). 2006 Abr/Jun;85(2):44-9.

16. Silva CA, Costa RCC, Gonzaga ICA. Asfixia perinatal: prevalência e fatores de risco em recém-nascidos a termo. Rev Interdiscip. 2014;7(1):134-40.

17. Organização Mundial de Saúde (OMS). Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Declaração da OMS sobre taxas de cesáreas [Internet]. Genebra: OMS; 2015; [citado 2018 Ago 3]. Disponível em: http://www.who.int/about/licensing/copyright_form/en/index.html

18. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Pré-natal e puerpério: atenção qualificada e humanizada - Manual técnico. Série Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos - Caderno no 5. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2005.

19. Domingues RMSM, Hartz ZMA, Dias MAB, Leal MC. Avaliação da adequação da assistência pré-natal na rede SUS do Município do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica [Internet]. 2012; [citado 2018 Ago 3]; 28(3):425-37. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2012000300003&lng=pt&tlng=pt

20. Nunes JT, Gomes KRO, Rodrigues MTP, Mascarenhas MDM. Qualidade da assistência pré-natal no Brasil: revisão de artigos publicados de 2005 a 2015. Cad Saúde Colet [Internet]. 2016 Jun; [citado 2018 Ago 3]; 24(2):252-61. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-462X2016000200252&lng=pt&tlng=pt

21. Cunha AA, Fernandes DS, Melo PF, Guedes MH. Fatores associados à asfixia perinatal. Ver Bras Ginecol Obstet. 2004;26(10):799-805.

22. Gudayu TW. Proportion and factors associated with low fifth minute Apgar score among singleton newborn babies in Gondar University referral hospital; North West Ethiopia. Afr Health Sci. 2017 Mar;17(1):1-6.










Escola Superior de Ciências da Saúde, Medicina - Brasília - DF - Brasil

Endereço para correspondência:

Vitória de Lima Fernandes
Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS) SMHN
Quadra 03, conjunto A, Bloco 1 - Edifício FEPECS
Brasília/DF. Brasil. CEP: 70710-907
E-mail: vitorialimafernandes99@gmail.com

Data de Submissão: 19/10/2018
Data de Aprovação: 27/12/2018