ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2020 - Volume 10 - Número 2

Rabdomioma: relato de caso neonatal do HC-UFTM

A case of neonatal rhabdomyoma seen at HC-UFTM

RESUMO

Os tumores cardíacos constituem condição rara, com incidência aproximada 0,01% na população geral. Os rabdomiomas são os tumores mais frequentes no recém-nascido e na criança. Este trabalho tem como objetivo relatar um caso de um RN de 38 semanas e 6 dias, que apresentava tumoração intracardíaca, sem repercussão hemodinâmica, afim de discutir a importância do rastreamento ultrassonográfico morfológico fetal e do ecocardiograma no diagnóstico e acompanhamento de tumores cardíacos.

Palavras-chave: Diagnóstico Precoce, Doenças Fetais, Rabdomioma.

ABSTRACT

Heart tumors are a rare condition, with an incidence of approximately 0.01% in the general population. Rhabdomyomas are the most frequent tumors in the newborn and children. This paper aims to report a case of a 38-week and 6-day-old newborn with an intracardiac tumor without hemodynamic repercussion, in order to discuss the importance of fetal morphological ultrasound screening and echocardiography in the diagnosis and follow-up of cardiac tumors.

Keywords: Early Diagnosis, Fetal Diseases, Rhabdomyoma.


INTRODUÇÃO

Os rabdomiomas (hamartomas) são os tumores cardíacos primários mais comuns no feto e na criança, representando mais de 60% dos casos, seguidos, pelos teratomas, fibromas, hemangiomas e mixomas1.

Aproximadamente 90% das ocorrências têm apresentação múltipla e envolvem mais frequentemente os ventrículos que as aurículas (30%). Ambos os ventrículos são afetados na mesma frequência2,3.

Os rabdomiomas apresentam uma evolução geralmente benigna, havendo relatos de casos com regressão ainda no período pré-natal, particularmente no terceiro trimestre e progressiva diminuição do tumor com completa resolução em mais de 80% durante a infância1,3,4.

Apesar do baixo risco de complicações no período pré-natal, há frequente associação dos mesmos com a esclerose tuberosa (50% a 80%) que pode alterar o prognóstico dos pacientes afetados após o nascimento1,3.

O diagnóstico pode ser realizado, inclusive no feto, utilizando-se métodos de diagnóstico por imagem, principalmente através da ultrassonografia, ecocardiografia e ressonância magnética1,3,4.

O tratamento na maioria das vezes é expectante, sem necessidade de interrupção da gestação ou abordagem cirúrgica. Sendo esta última, reservada para os casos complicados e com repercussão hemodinâmica3,5.


OBJETIVOS

Discutir a importância dorastreamentoultrassonográfico morfológico fetal e do ecocardiograma, no diagnóstico e acompanhamento de tumores cardíacos.


RELATO DE CASO

RNT, 38 semanas e 6 dias, nascido de parto cesáreo, Apgar 9 e 9. Peso de nascimento 3310 gramas. Mãe 22 anos, com diagnóstico de artrogripose múltipla congênita e AVC há 8 meses. G1P0A0, pré-natal irregular. Sorologias negativas. Pai com esclerose tuberosa de Bourneville.

Ecocardiograma fetal (último trimestre): coração anatomicamente normal. Presença de duas imagens nodulares hiperreflingentes no ventrículo esquerdo, uma delas abaixo da valva aórtica, sugestiva de rabdomioma. Tendo em vista o limite de resolução do exame, é prudente a complementação com estudo transtorácico do recém-nascido.

Após o nascimento, o neonato mostrava-se bem do ponto de vista clínico. Com 2 horas de vida, foi realizado ecocardiograma transtorácico, cujo resultado foi: presença de forame oval pérvio com 2,3mm de diâmetro; átrios de diâmetros normais; concordância átrio ventricular normal, sendo as valvas mitral e tricúspide de aspecto anatômico e funcionais normais, não se observando alteração da dinâmica do fluxo sanguíneo. Presença de quatro nódulos, ecodensos e homogêneos, localizados nas seguintes regiões: 1 - via de saída do ventrículo direito com, aproximadamente, 6,3mm x 8,1mm de tamanho; 2 - parede anterolateral do ventrículo esquerdo (7,8mm x 6,2mm); 3 - parede inferior do ventrículo esquerdo (4,4mm x 4,3mm) (Figuras 1, 2, 3 e 4).


Figura 1. Tumor localizado na via de saída do ventrículo direito.


Figura 2. Tumor localizado na via de saída do ventrículo direito.


Figura 3. Tumores localizados na parede anterolateral e inferior do ventrículo esquerdo.


Figura 4. Tumores localizados na parede anterolateral e inferior do ventrículo esquerdo.




O caso clínico foi apresentado ao responsável da disciplina de cardiologia, que orientou para uma conduta expectante, tendo em vista que a criança se encontrava cardiologicamente estável, uma vez que os nódulos visualizados não causavam obstruções nas vias de entrada ou saída dos ventrículos, não alteravam a dinâmica das valvas cardíacas e nem induziam arritmias.


DISCUSSÃO

Os tumores cardíacos primários na criança são raros. Marci (apud Barbato et al 2012)6. descreveram incidência entre 0,01% e 0,33% em achados de necropsias e Martinez (apud Barbato et al 2012)6. referiram incidência de 0,027 por 100 nascidos, sendo mais de 90% benignos6.

Os rabdomiomas são os tumores cardíacos primários benignos mais comuns em recém-nascidos e crianças, constituindo 60 a 75% dos casos, seguidos pelos teratomas, fibromas, hemangiomas e mixomas1,5.

Apresentam-se como massas únicas, porém usualmente são múltiplos, hiperecogênicas, textura homogênea, diâmetros variáveis e bordos regulares. A localização mais comum é o miocárdio ventricular (esquerdo e/ou direito), mas podem se originar nos átrios, em até 50% dos casos se estendem adentro das cavidades cardíacas e, mais raramente, pode localizar-se no septo interventricular ou na parede atrial1,3.

No presente caso, os rabdomiomas estavam presentes na via de saída do ventrículo direito, parede anterolateral e inferior do ventrículo esquerdo.

O diagnóstico diferencial definitivo dos tumores é realizado através de biópsia, considerada padrão-ouro, porém, trata-se de procedimento invasivo, de alto risco, devendo ser reservada para os casos de maior gravidade1. No caso em discussão, o diagnóstico de rabdomioma foi baseado nos achados ecocardiográficos.

A ultrassonografia obstétrica morfológica tem papel fundamental na detecção precoce dos tumores cardíacos no feto, são detectados geralmente no segundo ou terceiro trimestre da gestação, permitindo a observação e caracterização morfológica das massas intracardíacas de forma não-invasiva, possibilitando também fazer o diagnóstico diferencial com outros tumores cardíacos primários1,5.

O tratamento é comumente expectante, devido à possibilidade de regressão espontânea do tumor até mesmo antes do nascimento, sendo baixo o risco de complicações. O crescimento do tumor frequentemente é lento e pode ocorrer regressão espontânea possivelmente à apoptose e perda da atividade mitótica das células tumorais1.

Naqueles em que não ocorrer a regressão do(s) tumor(es), o quadro clínico dependerá do número de nódulos, do tamanho e da localização, encontrando-se mais os distúrbios do ritmo cardíaco, obstrução das cavidades ventriculares, das valvas atrioventriculares e/ou semilunares e, por serem intramurais, raramente provocam embolias1,6.

As arritmias são as complicações comuns, podendo ocorrer no período pré e pós-natal, causadas frequentemente por compressão ou deformação das vias de condução elétrica do coração ou ainda devido à presença de células tumorais, atuando como uma via anômala de condução1.

Pode ocorrer uma cardiomiopatia denominada rabdomiosite, secundária à infiltração do tumor nas fibras miocárdicas e no tecido de condução. Trata-se de quadro clínico grave, podendo evoluir para arritmias atriais, taquicardias ventriculares e morte súbita6.

No caso em questão, apesar de terem sido detectados 4 nódulos, os mesmos não causavam obstruções hemodinamicamente significativas nas cavidades ventriculares, não geravam disfunções valvares e nem distúrbios do ritmo cardíaco. Por conseguinte, a conduta adotada foi expectante.

A associação com outras malformações cardíacas é rara, sendo descritos alguns casos com doença de Ebstein, tetralogia de Fallot e síndrome da hipoplasia do ventrículo esquerdo1,6.

Os rabdomiomas,no feto, podemser os primeiros sinais da existência deesclerose tuberosa,tendo como outras características o retardo mental, a epilepsia e os angiofibromas faciais6.

A esclerose tuberosa é uma doença genética, autossômica dominante, que predispõe à formação de hamartomas em diversos órgãos e sistemas, principalmente no coração, no sistema nervoso central e nos rins1,4.

Finalmente, a cirurgia é reservada apenas a pacientes com comprometimento hemodinâmico, por obstruções mecânicas e arritmias intratáveis, causadas pelo tumor3,5.


CONCLUSÃO

O relato de caso é interessante para o pediatra e neonatologista, especialmente para demonstrar a associação do rabdomioma com a esclerose tuberosa, além do bom prognóstico dos tumores cardíacos que involuem na maior parte dos casos. O aconselhamentogenético é obrigatório quando há casos familiares – caso em questão, com rastreio obrigatório.


REFERÊNCIAS

1. Carvalho SRM, Marcolin AC, Cavalli RC, Crott GC, Mendes MC, Duarte G, et al. Rabdomiomas cardíacos fetais: análise de cinco casos. Rev Bras Ginecol Obstet. 2010;32(4):156-62.

2. Wage R, Kafka H, Prasad S. Cardiac rhabdomyoma in an adult with a previous presumptive diagnosis of septal hypertrophy. Circulation. 2008 Jun;117:469-70.

3. Karigyo CJT, Silva FBF. Tumores cardíacos: uma breve revisão da literatura. Rev Med Res. 2014 Jan/Mar;16(1):1-72.

4. Guimarães Filho HA, Araújo Junior E, Pires CR, Costa LLD, Nardozza LMM, Matar R. Diagnóstico pré-natal de rabdomioma cardíaco fetal pela ultrassonografia: relato de caso. Radiol Bras. 2009 Jun;42(3):203- 5.

5. Rivera IR, Silva MAM, Gama HC, Cavalcanti RC. Tumores primários benignos do coração: mixoma e rabdomioma. Similaridades e diferenças: relatos de caso de duas malformações raras. Rev Bras Ecocardiogr Imagem Cardiovasc. 2010 Jul/Set;23(3):109-11.

6. Barbato A, Pinheiro EO, Cerri G, Cascudo MM, Machado MVL, Furtado M. Envolvimento tumoral do coração da criança e do feto. In: Croti UA, Mattos SS, Pinto Junior VC, Aiello VD, Moreira VM, eds. Cardiologia e cirurgia cardiovascular pediátrica. 2ª ed. São Paulo: Roca; 2012. p. 907-20.










1. Hospital de Clínicas da UFTM, Residencia de Unidade Intensiva Pediatrica - Uberaba - Minas Gerais - Brasil
2. UFT - Universidade Federal de Tocantins, Medicicina - Palmas - Tocantins - Brasil
3. UNIMAR - Universidade de Marília ABC, Medicina - Marilia - Sao Paulo - Brasil
4. Hospital de Clinicas UFTM, UTI Pediatrica - Uberaba - Minas Gerais - Brasil
5. Hospital de Clínicas da UFTM, Cardiologia - Uberaba - Minas Gerais - Brasil

Endereço para correspondência:

Thaís Verginio Geraldelli Morais
UFTM - Universidade Federal do Triângulo Mineiro
Rua Frei Paulino, nº 30, Nossa Senhora da Abadia
Uberaba - MG. Brasil. CEP: 38025-180
E-mail: thaisvgeraldelli@hotmail.com

Data de Submissão: 28/11/2018
Data de Aprovação: 26/02/2019