Relato de Caso
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Ano 2021 -
Volume 11 -
Número
1
A Tuberculose pulmonar, em lactente jovem, diagnosticada pela avaliação de contato - Relato de caso
Pulmonary tuberculosis in young infant diagnosed by contact evaluation - case report
Carolina Zosia Garest1; Igor Augusto Campos1; Sergio Rodrigues Mello1; Ana Paula Barbosa2; Priscilla Aguiar Araújo3; Selma Azevedo Sias4; Claudete Araújo Cardoso4; Christiane Mello Schmidt4
RESUMO
O objetivo deste relato é enfatizar a importância da avaliação de contatos de tuberculose (TB) a fim de detectar-se casos de infecção latente pela TB (ILTB) e de TB ativa. Esse relato de caso aborda uma lactente com dois meses de idade diagnosticada com TB pulmonar, com mãe bacilífera, cujo diagnóstico de TB ocorreu na segunda semana do puerpério. A avaliação da criança permitiu o diagnóstico e o tratamento precoce de TB pulmonar, evitando a evolução para as formas mais graves da doença (TB miliar e a meningoencefalite) e suas sequelas ou desfecho clínico em óbito.
Palavras-chave:
Tuberculose Latente, Tuberculose Pulmonar, Criança.
ABSTRACT
The purpose of this report is to emphasize the importance of tuberculosis (TB) contacts evaluation in order to detect cases of latent tuberculosis infection (LTBI) and active TB. This case reports a two-month-old infant diagnosed with pulmonary TB with a bacilliferous mother whose diagnosis of TB occurred in the second week of puerperium. The correct evaluation of the child allowed the early diagnosis and treatment of pulmonary TB, avoiding its evolution to severe forms of the disease (miliary TB and meningoencephalitis) and its sequelae or deadly outcome.
Keywords:
Tuberculosis, Pulmonary, Latent Tuberculosis, Child.
INTRODUÇÃO
A tuberculose (TB), causada principalmente pelo Mycobacterium tuberculosis (M.tb), é uma doença infecciosa que mundialmente ainda representa um desafio para a saúde pública. As crianças representam 10% dos casos totais de TB1. O Brasil está entre os 30 países com maior carga de TB no mundo, com taxa de incidência de 80.000 casos/ano2.
Após o contato com um paciente bacilífero, o indivíduo pode não se infectar, infectar-se e não adoecer ou adoecer3. Em geral, as crianças menores de cinco anos de idade apresentam maior risco de adoecimento após a infecção primária, se comparadas aos adultos e adolescentes. Após o adoecimento, a forma pulmonar é a mais frequente, destacando-se o maior potencial de evolução para formas graves de TB, como a miliar e a meningoencefalite4. A vacina BCG, com aplicação recomendada ao nascimento, protege contra essas formas graves5.
Dentre as metas do programa The end TB strategy da Organização Mundial da Saúde, estão a identificação e o tratamento da infecção latente da TB (ILTB) e a detecção precoce de casos de TB doença6. Na ILTB, o indivíduo está assintomático e tem prova tuberculínica (PT) e/ou dosagem de interferon-gama (IGRA) positivos. A PT e o IGRA não diferenciam ILTB de TB ativa, sendo apenas um marcador de infecção e não de doença. Vale ressaltar que, em menores de dois anos, o IGRA não é recomendado para o diagnóstico de ILTB7. O Ministério da Saúde no Brasil, atualmente adota como resultado o ponto de corte de cinco milímetros para o resultado da PT, independentemente do tempo decorrido da vacina BCG2.
O tratamento da ILTB apresenta eficácia que atinge 60-90% dos casos8. A distinção entre ILTB e TB ativa é relevante, pois o tratamento é diferente e o paciente pode ter evolução desfavorável se equivocadamente for diagnosticado ILTB ao invés de TB ativa9. Na ILTB indica-se monoterapia com isoniazida ou rifampicina e para a TB ativa, rifampicina (R), isoniazida (I) e pirazinamida (P), em menores de 10 anos e R, I, P e etambutol (E) em maiores de 10 anos. Para os recém-nascidos (RN) expostos à TB pulmonar bacilífera recomenda-se não aplicar a vacina BCG e iniciar-se I por três meses e então realizar-se a PT. Se esta for negativa, suspende-se a I e aplica-se a BCG. Caso a PT seja maior ou igual a cinco mm mantém-se I por seis meses. Esta conduta se baseia no risco aumentado de desenvolvimento de formas graves de TB. Nessa situação, não é necessário vacinar com a BCG ao final do uso da I2.
A confirmação bacteriológica na TB pulmonar em crianças é difícil, pois predominam as formas paucibacilares da doença, além da dificuldade em obter-se escarro pela falta de expectoração nas crianças menores4,10. Desta forma, utiliza-se o sistema de pontuação para elucidação diagnóstica em crianças e adolescentes com bacterioscopia e/ou teste rápido molecular TB (TRM-TB) negativo, que inclui, dados clínicos, radiológicos, resultado da PT, história epidemiológica e estado nutricional. A pontuação superior ou igual a 40 informa que o diagnóstico de TB pulmonar é muito provável; entre 30 e 35, possível; e, menor que 25, pouco provável2. O objetivo deste artigo é relatar o caso de uma lactente de dois meses de idade, que recebeu o diagnóstico de TB pulmonar ao ser avaliada como contato de mãe bacilífera.
RELATO DE CASO
EEFP, 2 meses e 21 dias, sexo feminino, referida ao serviço de emergência pediátrica com a suspeita de TB pulmonar. A mãe relatou que a lactente apresentava obstrução nasal desde o nascimento, sem febre e/ou outros sintomas. A amamentação foi suspensa temporariamente logo após o diagnóstico de TB pulmonar da mãe. Ao exame físico apresentava-se afebril, ativa, reativa, normocorada, hidratada, acianótica, anictérica, boa perfusão capilar periférica, fontanela anterior normotensa e presença de cicatriz vacinal (BCG) acima de 3mm. FC: 152 batimentos por minuto e FR: 72 incursões por minuto. Aparelho cardiovascular: ritmo cardíaco regular, em dois tempos, bulhas normofonéticas, sem sopros audíveis. Aparelho respiratório: murmúrio vesicular universalmente audível, sem ruídos adventícios. Abdome: globoso, peristalse presente, depressível e indolor à palpação, sem visceromegalias. Sorologia anti-HIV negativa. As radiografias de tórax em incidência anteroposterior (AP) realizadas na unidade de saúde durante a avaliação de contato e as de seguimento são apresentadas na Figura 1. A PT foi igual a 11 milímetros e a broncoscopia evidenciou compressão extrínseca do brônquio fonte esquerdo, sugerindo linfoadenomegalia. A baciloscopia foi negativa e a cultura e o TRM-TB foram positivos no lavado broncoalveolar. Iniciado o tratamento com RIP e reencaminhada à unidade de saúde. A criança apresentou boa evolução clínica e radiológica (Figura 1).
Figura 1. Achados radiológicos encontrados: A. Na primeira consulta; B. Após sete dias; C. E no quarto mês de tratamento.
DISCUSSÃO
O presente relato descreve a evolução da infecção primária para TB gangliopulmonar. A quimioprofilaxia primária não foi realizada visto que o diagnóstico de TB materno foi aos 15 dias de vida de vida do RN, portanto já vacinado com a BCG. Na avaliação de contato, o lactente encontrava-se com sintomas inespecíficos (obstrução nasal e taquipneia). A radiografia inicial gerou questionamentos quanto à linfadenomegalia hilar, apresentação frequente de TB primária em crianças11. Como a lactente estava clinicamente bem, optou-se por reavaliação do caso. Assim, a nova radiografia de tórax evidenciou piora da imagem de hipotransparência (dissociação clínico-radiológica). A aplicação do sistema de pontuação preconizado pelo Ministério da Saúde do Brasil, totalizou 40 pontos (alteração radiológica=15, PT reatora=15 e história de contato=10), ou seja, TB muito provável. Optou-se por coleta de material para isolamento do bacilo através da broncoscopia que levou à confirmação do diagnóstico. Mais recentemente, o espectro da infecção pelo M.tb inclui a ILTB, a TB incipiente, a TB subclínica e a TB ativa.
O presente caso parece tratar-se de TB subclínica (exposição ao M.tb, presença de bacilos viáveis com atividade metabólica, alterações radiológicas e ausências de sintomas sugestivos de TB)3. É provável que a vacina BCG e os fatores imunes inerentes ao hospedeiro tenham contribuído para minimizar o desfecho clínico em termos de gravidade4. No Brasil, a taxa de coinfecção TB-HIV foi de 9,5%, em 20172. Recomenda-se o oferecimento de teste anti-HIV para todos os casos de TB, independentemente da idade12. A amamentação não deveria ter sido suspensa, uma vez que os medicamentos antiTB são seguros durante a amamentação. É recomendável, entretanto, que se faça uso de máscara cirúrgica ao amamentar e ao cuidar da criança, até a negativação da baciloscopia de escarro2.
CONCLUSÕES
Ressalta-se, neste relato, a importância da avaliação adequada dos contatos de indivíduos com TB pulmonar bacilíferos, destacando a oportunidade para o diagnóstico precoce de ILTB, TB subclínica ou de TB ativa, o que proporciona a redução da morbimortalidade da população afetada.
REFERÊNCIAS
1. World Health Organization (WHO). WHO guidelines on tuberculosis infection prevention and control, 2019 update. Geneva: WHO; 2019.
2. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2019.
3. Drain PK, Bajema KL, Dowdy D, Dheda K, Naidoo K, Schumacher SG, et al. Incipient and subclinical tuberculosis: a clinical review of early stages and progression of infection. Clin Microbiol Rev. 2018 Jul;31(4):e00021-18.
4. Marais BJ, Gie RP, Schaaf HS, Hesseling AC, Obihara CC, Starke JJ, et al. The natural history of childhood intra-thoracic tuberculosis: a critical review of literature from the pre-chemotherapy era. Int J Tuberc Lung Dis. 2004 Apr;8(4):392-402.
5. Bricks, LF. Vacina BCG: via percutânea ou intradérmica?. J Pediatr (Rio J). 2004;80(2):93-8.
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7. Starke JR, Committee on lnfectious Diseases. Interferon-γ release assays for diagnosis of tuberculosis infection and disease in children. Pediatrics. 2014 Dez;134(6):e1763-73.
8. Getahun H, Matteelli A, Abubakar I, Aziz MA, Baddeley A, Barreira D, et al. Management of latent Mycobacterium tuberculosis infection: WHO guidelines for low tuberculosis burden countries. Eur Respir J. 2015 Dez;46(6):1563-76.
9. Carvalho ACC, Cardoso CAA, Martire TM, Migliori GB, Sant’Anna CC. Epidemiological aspects, clinical manifestations, and prevention of pediatric tuberculosis from the perspective of the end TB strategy. J Bras Pneumol. 2018 Abr;44(2):134-44.
10. Sant’Anna CC. Diagnóstico da tuberculose na infância e na adolescência. Pulmão RJ. 2012;21(1):60-4.
11. Zar HJ, Andronikou, S. Chest X-rays for screening of paediatric PTB: child selection and standardised radiological criteria are key. Int J Tuberc Lung Dis. 2015 Dez;19(12):1411.
12. Ministério da Saúde (BR). Recomendações para o manejo da coinfecção TB-HIV em serviços de atenção especializada a pessoas vivendo com HIV/AIDS. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013.
1. Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense, Graduação em Medicina - Niterói - Rio de Janeiro - Brasil
2. Secretaria Municipal de Saúde, Programa de Controle de Tuberculose - São Gonçalo e Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - Brasil
3. Fundação Municipal de Saúde, Programa de Controle de Tuberculose - Niterói - Rio de Janeiro - Brasil
4. Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense, Departamento Materno-Infantil - Niterói - Rio de Janeiro - Brasil
Endereço para correspondência:
Carolina Zosia Garest
Universidade Federal Fluminense
Rua Marquês de Paraná, nº 303, Centro
Niterói - RJ. Brasil. CEP: 24220-000
E-mail: carolgarest@gmail.com
Data de Submissão: 18/03/2019
Data de Aprovação: 22/03/2019