ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



TOP: Tópicos Obrigatórios em Pediatria - Ano 2012 - Volume 2 - Número 3

Faringite Estreptocóccica

Faringite Estreptocóccica


Organização: Gil Simões Batista1
Apresentação: Marcia Galdino2

Clinical practice guideline for the diagnosis and management of group A streptococcal pharyngitis: 2012 update by the Infectious Diseases Society of America

http://www.idsociety.org/uploadedFiles/IDSA/Guidelines-Patient_Care/PDF_Library/2012%20Strep%20Guideline.pdf

As recomendações a seguir foram elaboradas por meio do consenso de especialistas da Sociedade Americana de Doenças Infecciosas para o diagnóstico e tratamento da faringoamigdalite causada pelo Streptococcus B- hemolítico do grupo A com base em evidências disponíveis, sendo abordadas cinco grandes questões:

1. Diagnóstico laboratorial da faringite estreptocócica

2. Indicações para realizar o diagnóstico pelo método de detecção rápida de antígenos estreptocócicos ou cultura de swab faríngeo

3. Recomendações para o tratamento adequado da faringite estreptocócica em pacientes não alérgicos e alérgicos à penicilina

4. Uso de terapia medicamentosa adjuvante tais como: anti-inflamatórios não hormonais, acetaminofen, aspirina, corticoides.

5. Condução dos casos de faringite recorrente, portadores crônicos do estreptococo na orofaringe, contactantes de pacientes com faringite estreptocócica e grupo de risco para complicações não supurativas.



INTRODUÇÃO

A faringite aguda é mais frequentemente causada por vírus em todas as faixas etárias. A etiologia estreptocócica ocorre em 5% a 15% dos adultos e em 20% a 30% das crianças. Ambas apresentam muitos sinais e sintomas semelhantes, sendo difícil diferenciar as duas etiologias apenas por aspectos clínicos. A faringite estreptocócica é mais comum em crianças e adolescentes com idade variando entre 5 e 15 anos; é rara em menores de 3 anos.

A maioria dos casos de faringite estreptocócica em nosso meio é diagnosticada apenas por sinais e sintomas clínicos, sem a confirmação por testes rápidos de detecção de antígeno estreptocócico ou por cultura de material da orofaringe, levando ao uso excessivo e desnecessário de antimicrobianos e contribuindo para a seleção de microorganismos resistentes.


ASPECTOS CLÍNICOS

A presença de tosse, rouquidão, conjuntivite, rinite, coriza, estomatite ulcerativa anterior, diarreia, exantema viral e contato com pessoas com resfriado comum sugerem etiologia viral. Dentre os vírus mais comuns, destacamse: Adenovírus, Influenza, Parainfluenza, Vírus Sincicial Respiratório, Rinovírus, Coronavírus, Coxsacckie, Echovírus, Epstein-Barr, Herpes.

A faringoamigdalite estreptocócica geralmente apresenta dor de garganta de início súbito, febre, exsudato faríngeo ou hiperemia, enantema petequial no palato, adenite cervical anterior, exantema escarlatiniforme, cefaleia, náuseas, vômitos, dor abdominal, acometendo indivíduos entre 5 e 15 anos. Os agentes bacterianos mais comuns são: Estreptococo B-hemolítico do grupo A, Estreptococo C e G, Arcanobacterium hamolyticum, Neisseria meningitidis, Corynebacterim diphtheriae, entre outros.

O uso de scores clínicos elaborados para predizer a probabilidade da infecção estreptocócica apresenta baixo valor preditivo positivo (70%-80%).

Diagnóstico - Indicações de realizar o diagnóstico pelo método de detecção rápida de antígenos estreptocócicos e/ou cultura de swab faríngeo

Dada a dificuldade de realizar o diagnóstico da infecção estreptocócica com bases clínicas, o diagnóstico deverá ser estabelecido por meio de métodos de detecção rápida de antígenos estreptocócicos e/ou por cultura de swab faríngeo. Não se recomenda realizar esses exames em pacientes que apresentam sinais e sintomas claros de faringite viral.

A cultura de orofaringe, se realizada adequadamente (coleta do material e processamento no laboratório), apresenta sensibilidade entre 90% a 95%. O teste rápido do swab da faringe apresenta especificidade de quase 95% quando comparado à cultura, sendo raros os casos falso positivos. Como a sensibilidade dos testes varia entre 70% e 90%, é importante a confirmação por cultura (considerado padrão ouro) dos resultados de testes rápidos negativos em crianças (> 3 anos) e adolescentes. Essa recomendação não se aplica rotineiramente para adultos e menores de 3 anos devido à baixa incidência de faringite estreptocócica e de febre reumática nessas faixas etárias. Assim, se aceita a exclusão do diagnóstico com resultado de teste rápido negativo, sem realização de cultura nessas faixas etárias.

Deve-se considerar a realização de teste rápido em menores de três anos com sintomas de faringoamigdalite e que sejam contactantes de crianças na idade escolar com faringite estreptocócica documentada. Tratando-se de crianças que frequentam creches com casos de faringite estreptocócica, há de se considerar também a realização de teste rápido e/ ou cultura de faringe nas sintomáticas.

Tratamento - Recomendações para o tratamento adequado da faringite estreptocócica em pacientes não alérgicos e alérgicos à penicilina

A faringite estreptocócica é considerada uma doença autolimitada, porém, o tratamento adequado com antimicrobiano é importante para prevenir a febre reumática e as complicações supurativas (abscesso peritonsilar, linfadenite cervical, mastoidite, sinusites, otites médias, entre outras), diminuir o período de contagiosidade e a transmissão do estreptococo a outras pessoas, bem como para reduzir a duração da doença. O tratamento iniciado dentro de nove dias do início dos sintomas previne as sequelas da febre reumática.

É importante considerar para a escolha do antimicrobiano: eficácia, menor espectro de ação, menor número de doses, menor custo, além de maior segurança e aderência do paciente ao tratamento. A maioria dos antimicrobianos deve ser mantida por 10 dias, a fim de erradicar o estreptococo da orofaringe.

A resistência do estreptococo à penicilina ainda não foi documentada e ensaios clínicos comparativos demonstraram efetividade da amoxicilina (50 mg/kg/dia - máximo de 1 g), uma vez ao dia durante 10 dias ou amoxilina 25 mg/kg/dose de 12/12 horas por 10 dias. A penicilina G benzatina (50.000 UI/Kg/dia ou <27 Kg, 600.000 UI/IM e > 27 Kg, 1.200.000 UI/IM, dose única) é preferível para pacientes com alta probabilidade de não completarem os 10 dias. A penicilina V (crianças -250 mg 2-3 vezes/dia; adolescentes e adultos -250 mg 4vezes/dia ou 500 mg 2 vezes/dia) oral também pode ser utilizada por 10 dias.

Com o início do tratamento adequado, observa-se melhora clínica em 24 a 48 horas. Persistência dos sinais e sintomas sugere complicações supurativas, infecção viral em pacientes que são carreadores crônicos do estreptococo na orofaringe, baixa aderência ao tratamento, duração inadequada do tratamento, reinfecção a partir de contactantes próximos, resistência a alguns antimicrobianos, microbiota da orofaringe produtora de B-lactamase que inativa penicilina ou outro agente etiológico, como vírus ou outras bactérias.

Alguns estudos recomendam o uso de cefalosporinas por período de apenas 5 dias, porém apresentam limitações metodológicas.

As tetraciclinas devem ser evitadas pela alta prevalência de cepas de estreptococos resistentes. Sulfonamidas e sulfametoxazol-trimetoprim não devem ser usadas, pois não erradicam o estreptococo da orofaringe de pacientes com faringite aguda. Ciprofloxacina tem ação limitada contra o estreptococo. Novas fluoroquinolonas, como levofloxacina e moxifloxacina, são ativas contra o estreptococo, porém apresentam amplo espectro de ação e custo mais elevado, não sendo indicadas rotineiramente.

Para pacientes alérgicos à penicilina, cefalosporinas com menor espectro de ação, como a cefalexina (20mg/kg/ dose 2 vezes/dia, máx = 500 mg/dose) e o cefadroxil (30 mg/Kg 1 vez/dia, máx = 1 g) por 10 dias, são preferidas em relação às de maior espectro como cefuroxime, cefpodoxime e cefixime. Cerca de 10% dos pacientes alérgicos à penicilina também são alérgicos às cefalosporinas (estas não devem ser usadas em pacientes com hipersensibilidade imediata à penicilina - tipo anafilaxia). A clindamicina (7 mg/kg/dose 3 vezes/dia, máx = 300 mg/dose) ou claritromicina (7,5 mg/kg/dose 2 vezes/dia máx = 250 mg/dose) por 10 dias e a azitromicina (12 mg/kg/ dia - 1 vez/dia, máx = 500 mg) por 5 dias são boas opções para os pacientes alérgicos. Estudos mostram maior efetividade da claritromicina, por 10 dias, em erradicar o estreptococo da orofaringe em relação à Azitromicina por 5 dias.

Terapia medicamentosa adjuvante

Pacientes que apresentam dor de garganta intensa e febre alta podem utilizar o acetaminofeno, ibuprofeno ou anti-inflamatórios não hormonais juntamente com o antimicrobiano. Aspirina deve ser evitada pela possibilidade de síndrome de Reye. Corticosteroides não são recomendados.

Condução dos casos de faringite recorrente, portadores crônicos do estreptococos na orofaringe, contactantes domiciliares de pacientes com faringite estreptocócica e grupo de risco para complicações não supurativas

Não é recomendado realizar teste diagnóstico ou tratamento empírico com antimicrobiano para contactantes assintomáticos de pacientes com faringite estreptocócica aguda. Também não se recomenda a rotina de realizar teste rápido ou cultura de swab de faringe após o tratamento da faringite estreptocócica. Entretanto, pacientes que apresentam sinais e sintomas de faringite aguda recorrente (dentro de algumas semanas ou meses após tratamento adequado) devem ser reavaliados. Para esses pacientes, com sintomas recorrentes e teste rápido e/ou cultura positiva, são sugeridas as seguintes possibilidades: baixa aderência ao tratamento prescrito (por exemplo: uso de antimicrobiano por período curto), reinfecção a partir de contactantes próximos (domicílio, escola, comunidade) infecção viral em pacientes que são carreadores crônicos do estreptococo na orofaringe, resistência a alguns antimicrobianos, microbiota da orofaringe produtora de B- -lactamase que inativa penicilina, ou outro agente etiológico como vírus ou outras bactérias.

Portadores crônicos assintomáticos do estreptococo na faringe não precisam ser tratados, pois é pouco provável a disseminação do estreptococo para contactantes próximos e o risco do portador desenvolver complicações supurativas ou não supurativas é mínimo. Ressalta-se que a amoxicilina e a penicilina apresentam altas taxas de falha em erradicar o estreptococo da faringe de pacientes portadores crônicos.

As indicações de antimicrobiano para erradicar o estreptococo em portadores crônicos assintomáticos são: surto de febre reumática ou de glomerulonefrite pós-estreptocócica na comunidade ou de infecção invasiva pelo estreptococo; surto de faringite estreptocócica em comunidades fechadas; contato com pessoas com história de febre reumática e quando considera-se a tonsilectomia apenas pelo paciente ser portador crônico do estreptococo. Os antimicrobianos mais recomendados são: clindamicina por 10 dias, penicilina V (50 mg/kg/dose em 4 doses) por 10 dias e rifampicina (20 mg/kg/dia 1 vez/dia nos últimos 4 dias do tratamento), amoxicilina+ ácido clavulânico (40 mg/kg/dia da amoxicilina 3 vezes/dia) por 10 dias, penicilina G benzatina IM mais rifampicina (20 mg/kg/dia em 2 doses - máx = 600 mg/dose).

Crianças podem ficar colonizadas pelo estreptococo na faringe por mais de 6 meses, podendo apresentar infecções virais recorrentes nesse período, dificultando a diferenciação de faringites subsequentes.

Embora não seja uma entidade abordada por esse guideline, vale citar a síndrome PFAPA (febre periódica, estomatite aftosa, faringite, adenite cervical) ainda pouco conhecida em nosso meio, caracterizada por episódios recorrentes de febre alta, associados à adenite cervical e/ou faringite e/ou aftas orais. É um diagnóstico diferencial de febre recorrente e de faringoamigdalite de repetição. A síndrome consiste em episódios de febre alta com duração de 3-5 dias a cada três a quatro semanas (média 28 dias), acompanhada de adenite cervical e/ou faringoamigdalite e/ou aftas orais. Os sintomas se iniciam antes dos 5 anos (idade média 2,8 anos) e sua causa e fisiopatologia ainda não são bem conhecidas. A síndrome tem caráter benigno e cursa com resolução espontânea no início da adolescência. O diagnóstico é clínico e de exclusão e os exames complementares na crise demonstram: leucocitose com neutrofilia, velocidade de hemossedimentação, proteína C elevada e imunoglobulina D elevados. As culturas do exsudato faríngeo são negativas para o Streptococcus do grupo A. Caracteristicamente, há resolução rápida da febre e dos outros sintomas com o uso de prednisolona oral (uma a duas doses, 1 a 2 mg/kg) no primeiro dia do episódio. Boa resposta ao corticoide apóia o diagnóstico e sugere a influência de citocinas inflamatórias.


CONCLUSÃO

Como a maioria das faringites agudas tem etiologia viral, os testes de detecção de antígenos e/ou cultura deveriam ser implantados na prática clínica, sobretudo em crianças (> 3 anos) e adolescentes. Os testes de detecção de antígenos são de fácil execução, altamente específicos e fornecem resultados rápidos, podendo definir mais corretamente a prescrição de antimicrobianos para que um grande número de pessoas com faringite não estreptocócica não receba esses medicamentos desnecessariamente. Tal medida contribuirá para minimizar a seleção de microorganismos resistentes. Destaca-se, também, a necessidade do tratamento adequado das faringites estreptocócicas, pois a febre reumática ainda é uma importante causa de lesões cardíacas, principalmente em países em desenvolvimento.