ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2020 - Volume 10 - Número 3

Ceftriaxona: uso racional pelo departamento de Pediatria do Hospital Santa Casa de Belo Horizonte/MG

Ceftriaxone: rational use by the Pediatric’s department of the Santa Casa’s Hospital of Belo Horizonte, MG

RESUMO

OBJETIVO: O presente trabalho teve como objetivo principal avaliar o uso da Ceftriaxona no departamento de Pediatria do Hospital Santa Casa de Belo Horizonte/MG, assim como o perfil de resistência bacteriana das infecções nasocomiais no mesmo período. MÉTODOS: O estudo baseou-se na análise de 160 formulários de antimicrobianos de pacientes que fizeram uso da ceftriaxona e que continham a principal indicação médica, além de outras variáveis: idade, tempo de uso e crescimento microbiano em culturas.
RESULTADOS: Do total de antibióticos prescritos, apenas 0,12% corresponderam ao uso desta cefalosporina, evidenciando a baixa taxa de utilização e a importância de um uso consciente e direcionado desta droga.
CONCLUSÃO: O estudo mostra o uso racional da ceftriaxona pelo departamento de Pediatria do Hospital Santa Casa de Belo Horizonte/MG quando comparado a outros antimicrobianos, evidenciando sua importância na prática clínica pediátrica, principalmente em relação à redução da resistência bacteriana.

Palavras-chave: Ceftriaxona,Resistência a Medicamentos, Pediatria.

ABSTRACT

OBJECTIVE: The present study had as main objective to evaluate the use of ceftriaxone in the Pediatric’s Department of the Santa Casa’s Hospital of Belo Horizonte, MG, as well as the bacterial resistance profile of nosocomial infections in the same period. METHODOS? The study was based on the analysis of 160 antimicrobial forms of patients taking ceftriaxone and containing the main medical indication, as well as other variables: age, time of use and microbial growth in cultures.
RESULTS: Regarding the total antibiotics prescribed, only 0.12% corresponded to the use of the cephalosporin, evidencing the low rate of use and the importance of a conscious and directed use of this drug.
CONCLUSION: The study shows the rational use of ceftriaxone in the Pediatric’s Department of the Santa Casa’s Hospital of Belo Horizonte, MG, when compared to other antimicrobials, evidencing its importance in pediatric clinical practice, mainly in relation to the reduction of bacterial resistance.

Keywords: Ceftriaxone, Drug Resistance, Pediatrics.


INTRODUÇÃO

A ceftriaxona é uma cefalosporina semissintética de terceira geração, que corresponde a um grupo de antimicrobianos de amplo espectro. Isto inclui bactérias aeróbicas gram-positivas e gram-negativas, além de ação anaeróbica mínima1. É conhecida principalmente por sua ação bactericida contra patógenos gram-negativos, especificamente todos os Haemophilus influenzae (incluindo cepas produtoras de beta-lactamases), Moraxella catarrhalis, a maioria das Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Morganella, Neisseria, Proteus, Enterobacter sp., Serratia marcescens e Acinetobacter sp. Também é ativa contra todos os estreptococos do grupo A e B, quase todos os Streptococcus pneumoniae, incluindo o estreptococo não sensível à penicilina fora do líquido cefalorraquidiano (LCR). O Staphylococcus epidermidis, outros estafilococos coagulase-negativos, Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) e todos os enterococos são considerados resistentes1,2.

A meia-vida de eliminação da ceftriaxona (6 a 9 horas) é muito maior do que a maioria das cefalosporinas devido à sua alta afinidade pelas proteínas plasmáticas, permitindo uma ou duas doses diárias. Existe uma peculiaridade, em relação aos neonatos, no qual a meia-vida desta droga é mais prolongada (9 a 16 horas), isto pode estar associado a fatores como a filtração glomerular reduzida e a ligação proteica alterada2. Como a ceftriaxona desloca ativamente a bilirrubina da albumina, a maioria dos profissionais evita seu uso em recém-nascidos. Segundo a Food and Drug Administration (FDA), a ceftriaxona é contraindicada em bebês prematuros até as 41 semanas de vida e em neonatos a termo menores de 28 dias de vida, principalmente se houver hiperbilirrubinemia associada, ou se estiver recebendo reposição de cálcio. Existem relatos de óbitos neonatais associados à precipitação de um sal de ceftriaxona-cálcio nos pulmões e/ou rins2,3.

Na sua administração intravenosa, este antimicrobiano difunde-se rapidamente para o líquido intersticial, onde a concentração bactericida contra organismos sensíveis é mantida por 24 horas. Tem boa penetração nos ossos, articulações, músculos, pele e ouvido médio, com aproximadamente 10% atingindo o LCR através de meninges inflamadas. As principais vias de eliminação da ceftriaxona são a urina (40 a 60%) e a secreção biliar (11 a 65%)2,4.

Os efeitos adversos que ocorrem em menos de 5% dos pacientes incluem trombocitose, elevações transitórias das provas de função hepática, reações alérgicas e leucopenia. Há um risco crescente de neutropenia ou trombocitopenia, a partir da segunda semana de uso, que pode chegar a 15%. A superinfecção por cândida e a diarreia ocorrem em 10% a 15% dos pacientes, acompanhado de eosinofilia em 6% dos casos, além de colite por Clostridium difficile. Lamas biliares e pseudolitíase aparecem mais comumente em pacientes jovens, são dose-dependentes e ocorrem principalmente com restrição hídrica ou estase biliar. Um efeito adverso importante, raro e potencialmente fatal é a hemólise imunomediada, que pode ocorrer apesar do tratamento seguro e prévio com a droga4. Quase todos os registros desse efeito adverso relatados na literatura foram em pacientes imunocomprometidos. Pode levar também a um aumento de infecções devido a organismos produtores de betalactamase de espectro ampliado (ESBL)7.

As doses pediátricas para o tratamento da meningite são de 100mg/kg por dia, uma vez por dia, ou divididas a cada 12 horas. Fora das meninges, a dose é de 50 a 75mg/kg, uma vez por dia. Para uso intramuscular, a diluição em lidocaína a 1% reduz a dor causada pela injeção5.

A ceftriaxona é eficaz em infecções do trato urinário complicadas e não complicadas, infecções do trato respiratório inferior, infecções de pele, dos tecidos moles, dos ossos e das articulações, bacteremia/septicemia e meningite na pediatria. Porém, é importante ressaltar que nenhuma cefalosporina de terceira geração é um agente de primeira linha para Staphylococcus aureus sensível à meticilina (MSSA) e nenhuma é adequada como monoterapia para infecções por Streptococcus pneumoniae resistentes à penicilina5,6. O desenvolvimento de resistência e/ou superinfecção bacteriana com o uso desta droga já é descrito na literatura (por exemplo, devido a Streptococcus faecalis, Pseudomonas aeruginosa, espécies de Enterobacter, Serratia e Bacteroides fragilis)5. Os principais mecanismos pelos quais as bactérias desenvolvem resistência às cefalosporinas incluem mutações do alvo antibiótico como as proteínas de ligação à penicilina (PBPs) ou inativação da droga por betalactamases6. O desenvolvimento da resistência bacteriana pode estar ligado à utilização indiscriminada, empírica e cotidiana dos antimicrobianos, principalmente os de largo espectro, como é o caso da ceftriaxona6. Para que isto possa ser evitado, é necessário que haja uma vigilância na racionalização do uso dos antibióticos de uma maneira geral, assim como uma prescrição médica adequada. Por este motivo, a caracterização da incidência bacteriana e do seu perfil de resistência é base para uma antibioticoterapia dirigida e segura. Sem dúvida, caso isto não ocorra, será propício a seleção das estirpes resistentes, o que é a principal causa observada no ambiente hospitalar, onde o uso dessas drogas é maior7.

Um mecanismo de resistência bastante comum é a produção de betalactamase, uma enzima bacteriana que rompe o núcleo do anel beta-lactâmico, deixando o antibiótico incapaz de se ligar à PBP. Um exemplo é uma betalactamase denominada TEM-1 (presente em um Haemophilus influenzae não tipado), que inativa o cefaclor e o cefprozil, por exemplo, e é estável em relação a ceftriaxona. Porém, ESBLs e betalactamases de Amp-C, observadas principalmente em patógenos gram-negativos nasocomiais, inativam todas as cefalosporinas atualmente disponíveis6,7.

Diante disso, o presente estudo tem por objetivo mostrar o uso da ceftriaxona no departamento de Pediatria do Hospital Santa Casa de Belo Horizonte/MG, assim como a antibioticoterapia dirigida e criteriosa que pode contribuir positivamente para a redução de resistência bacteriana.


MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo de caráter retrospectivo, transversal, não controlado, realizado no período de 01 de janeiro de 2015 a 31 de dezembro de 2017, no Hospital Santa Casa de Belo Horizonte/MG, referência em saúde pública de alta complexidade em todo o Brasil. Foi feito um levantamento de dados de todos os pacientes pediátricos que fizeram uso da ceftriaxona, o tempo médio de utilização, idade, crescimento em culturas e qual foi a principal indicação clínica nas unidades pediátricas do hospital: Clínica Pediátrica (ala A), Cirurgia Pediátrica (ala B), Cardiologia Pediátrica (ala B), Oncologia Pediátrica (ala C) e Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (ala D). Além disso, realizou-se uma análise do perfil de resistência bacteriana do hospital e os patógenos mais frequentemente isolados nas infecções nasocomiais.

Foram incluídos no estudo 160 crianças, sendo estas a totalidade de pacientes internados no 3º andar do Hospital Santa Casa de Belo Horizonte/MG, em todas as alas referenciadas acima. Os critérios de inclusão compreenderam todas as faixas etárias, independente do sexo. Foram excluídos do estudo os pacientes cujo formulário de antimicrobiano não estava devidamente preenchido pelo médico assistente.

A análise dos dados foi computada manualmente através de formulários de antimicrobianos, documentos padronizados utilizados pelo Serviço de Controle de Infecções Hospitalares (SCIH) e processados através de planilha do Excel 2016.

Após a obtenção dos dados, foram analisadas todas as variáveis encontradas e comparado a quantidade de uso da ceftriaxona com todos os antibióticos utilizados neste período. Em relação as bactérias isoladas em culturas, o resultado foi comparado com o perfil de resistência bacteriana nasocomial do serviço.

A pesquisa foi autorizada pela infectologista do Serviço de Controle de Infecções Hospitalares (SCIH), acompanhada pelo chefe/coordenador do departamento de Pediatria e pela farmacêutica clínica responsável pelo setor.

Por se tratar de um estudo retrospectivo, no qual envolveu um grande número de pacientes e que já haviam recebido alta do serviço, o TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) não foi aplicado. Porém, foi mantido criteriosamente o sigilo às informações contidas em prontuários dos pacientes.


RESULTADOS

A amostra foi dividida em quatro grupos etários: faixa etária neonatal (7 a 26 dias de vida), totalizando 6 pacientes (3,7%); lactentes (1 mês a 1 ano), totalizando 63 pacientes (39,4%); escolares e pré-escolares (2 a 10 anos), totalizando 59 pacientes (36,9%); e, por último, os adolescentes (11 a 17 anos), totalizando 32 pacientes (20%). Do total de pacientes avaliados, 87 (54%) eram do sexo masculino e 73 (46%) do sexo feminino (Gráfico 1).




Dos 160 pacientes que fizeram uso da ceftriaxona neste período, 93 eram da ala A (58,3%), 34 da ala B (21,2%), 7 da ala C (4,3%) e 26 da ala D (16,2%). A média de uso prescrita deste antimicrobiano foi de 8,4 dias, sendo o tempo mínimo de 1 dia e o máximo de 21 dias.

Em relação à indicação clínica do uso da ceftriaxona, os mais frequentes foram celulite orbitária, correspondendo a 19 pacientes da amostra (12%), infecção do trato urinário 23 (14%), meningite bacteriana 13 (8%) e pneumonia simples e/ou complicada 24 (15%), como observado no Gráfico 2. Isto inclui os pacientes que já vieram transferidos de outros serviços fazendo uso do antibiótico e este foi mantido e/ou aqueles que possuíam alguma comorbidade associada que justificasse o uso do mesmo. Além disso, foram encontradas outras indicações médicas ao uso do antibiótico em questão, porém em menor proporção como: abscesso pulmonar (1 paciente), abscesso cerebral (1 paciente), abscesso perianal (1 paciente), abscesso amigdaliano (3 pacientes), apendicite (1 paciente), celulite periorbitária (7 pacientes), celulite refratária a antibióticos comuns (1 paciente), choque séptico (2 pacientes), colangite (2 pacientes), colecistite aguda (2 pacientes), conjuntivite gonocócica (3 pacientes), endocardite (3 pacientes), febre hemorrágica (1 paciente), febre sem sinais localizatórios (1 paciente), febre e crise convulsiva (1 paciente), gastroenterite infecciosa (2 pacientes), infecção do sistema nervoso central associado à DVP (3 pacientes), linfadenite inespecífica (1 paciente), otomastoidite (8 pacientes), neutropenia febril na ausência de cefepime (2 pacientes), otite média aguda (2 pacientes), osteomielite (1 paciente), peritonite (2 pacientes), pielonefrite (2 pacientes), pneumonia aspirativa (2 pacientes), profilaxia cirúrgica (9 pacientes), sepse (9 pacientes), síndrome torácica aguda na anemia falciforme (3 pacientes), sinusite de repetição (1 paciente), traqueíte (1 paciente) e ventriculite (1 paciente).




Todos os antibióticos prescritos na ocasião passaram pela aprovação do SCIH, sendo 128 aprovados e para 32 foi orientado mudança do esquema antimicrobiano.

No que se refere ao crescimento de culturas, 20 amostras estavam em análise no momento da prescrição médica, 13 não foram solicitadas e em 115 não houve crescimento microbiano. Em relação ao grupo amostral, 12 apresentaram crescimento microbiano o que corresponde a 7,5% dos casos. Dos germes isolados se enquadram: Streptococcus pneumoniae (8,3%), Streptococcus viridans (16,6%), Klebsiella pneumoniae (16,6%), Klebsiella ESBL (8,3%), Staphylococcus aureus (8,3%), Escherichia coli (25%), bastonetes gram-negativos não identificados (16,6%) e Enterobacter cloacae (8,3%). Este resultado corrobora com os dados fornecidos pela SCIH do hospital, no qual evidenciou neste período, considerando todos os casos de infecções nasocomiais avaliados, como os germes mais frequentes no serviço: Klebsiella pneumoniae em 13 casos (15,29%), Pseudomonas aeruginosa em 11 casos (12,94%), Staphylococcus epidermidis em 7 casos (8,24%), Staphylococcus aureus em 7 casos (8,24%), Escherichia coli em 7 casos (8,24%) e Enterobacter cloacae em 4 casos (4,71%).

Durante o período do estudo, foram prescritos no ano de 2015, 46.745 antibióticos, sendo deste total, o uso da ceftriaxona correspondente a 84 casos (0,18%). Nos anos subsequentes podemos observar uma redução ainda maior (Gráfico 3), como em 2016, no qual a prescrição de antimicrobianos foi de 38.951 e a ceftriaxona correspondeu a 44 casos (0,11%) e em 2017 do total de 45.997 prescrições o uso da ceftriaxona foi de 32 casos (0,07%). Isto mostra o uso consciente e racional desta cefalosporina de terceira geração pelo departamento de Pediatria da Santa Casa de Belo Horizonte/MG e sua importância no que se refere a resistência bacteriana.




DISCUSSÃO

Nos últimos anos, a resistência aos agentes antimicrobianos está aumentando dentro de algumas espécies bacterianas, particularmente, a resistência às cefalosporinas de terceira geração. Um exemplo disso, é o Enterobacter cloacae, que emergiu como um importante patógeno nasocomial e está incluído no perfil de resistência da ceftriaxona, como podemos observar em um estudo realizado na França, no Hospital Besançon, publicado em maio de 20047,8. A proporção de isolados de E. cloacae resistentes a cefalosporinas de terceira geração aumentou entre 1999 e 2002, de 24,3% para 29,6% (p=0,03). Este estudo, demonstrou uma correlação específica entre o uso da ceftriaxona e o desenvolvimento de resistência entre os isolados clínicos do E. cloacae. Ou seja, para cada doente adicional tratado com ceftriaxona, a resistência ao E. cloacae aumentou em 0.34% em relação a outras cefalosporinas. Isto pode ser explicado devido à alta eliminação biliar da droga em comparação a outras, o que pode ser responsável por um maior impacto desse antibiótico na flora digestiva. Outra explicação para esta resistência, seria que a ceftriaxona possa, com mais frequência do que outras cefalosporinas, levar à inativação do gene da cefalosporinase. Essa possibilidade é consistente com o relato de Fung-Tomc et al.X que relataram que, in vitro, o desenvolvimento de resistência era mais rápido, após exposição à ceftriaxona, do que a outros antimicrobianos da mesma classe8. Tudo isso corrobora com o estudo em questão, que mostrou o isolamento do E. cloacae em 8,3% das amostras analisadas, cujos pacientes estavam fazendo uso da ceftriaxona.

A monitoração dessa resistência antimicrobiana é importante, porque tem sido associada ao aumento da morbimortalidade dos pacientes, hospitalização prolongada e aumento do gasto hospitalar, particularmente para bacteremia e pneumonia associada à ventilação mecânica8. Existem duas formas básicas de disseminação da resistência antimicrobiana: disseminação de cepas multirresistentes epidêmicas por transmissão cruzada e aquisição de resistência por cepas suscetíveis8. As causas do surgimento e propagação de patógenos resistentes aos antimicrobianos são multifatoriais, mas o uso excessivo e inadequado de antimicrobianos é claramente o principal determinante8,9.

Há relato na literatura de resistência significativa (> 90%) das P. aeruginosa em relação às cefalosporinas de terceira geração: cefotaxima e ceftriaxona. O estudo de Gräf et al.X, em 2008, enfatiza os resultados atuais, pois encontraram cepas de P. aeruginosa multirresistentes, devido à síntese de um grupo de betalactamases - a metalo-β-lactamase - um dos mecanismos de resistência de maior relevância na atualidade9. Apesar de que, durante o período de análise no hospital Santa Casa, não ter sido isolado nenhuma P. aeruginosa resistente, nos pacientes que fizeram uso da ceftriaxona, sabe-se que esta resistência já é descrita.

Além da importância de uma prescrição médica direcionada e adequada, a não suspensão do uso, quando o tratamento com o antimicrobiano é desnecessário, é de grande relevância, pois contribui para o uso exagerado de antimicrobianos e indução de resistência da mesma maneira. Neste sentido, vale ressaltar o estudo de Cotten et al. X,9,7, o qual relacionou o aumento da ocorrência de enterocolite necrosante e morte entre 4.093 recém-nascidos de extremo baixo peso, que receberam empiricamente um tempo de tratamento com antimicrobiano, por tempo maior ou igual a 5 dias. Devido ao risco de indução de resistência, o uso empírico de cefalosporinas de terceira e quarta geração, deve ser evitado, sendo recomendada no tratamento de meningite, infecção em recém-nascidos com insuficiência renal e nas infecções por bactérias resistentes aos aminoglicosídeos9.

Vale ressaltar ainda que uma das maiores causas do excesso do uso de antimicrobianos é o tratamento de colonização10. Critérios clínicos e laboratoriais podem ajudar na distinção entre infecção e colonização. A melhora da especificidade do critério diagnóstico, para infecção, pode ajudar a reduzir o uso desnecessário de antimicrobianos.

O uso amplo de cefalosporinas de terceira geração tem sido associado ainda à emergência preocupante de enterobactérias produtoras de betalactamases de espectro ampliado (ESBL), capazes de hidrolisar a cefotaxima, ceftriaxona, ceftazidima e o aztreonan. Entre as espécies ESBL-positivas estão a Klebsiella pneumoniae, Escherichia coli, Enterobacter sp., bacilos gram-negativos não fermentadores como Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter baumanii10. Foi descrito também, que a resistência mediada por ESBL às cefalosporinas de terceira geração apareceu entre os patógenos neonatais. Em um relato da Índia, 22% dos bacilos gram-negativos isolados em hemoculturas de neonatos com septicemia, foram produtores de ESBL2,10. Em outro relatório também da Índia, mais de 80% dos isolados de septicemia neonatal eram resistentes à ceftriaxona e provavelmente eram produtores de ESBL2,10. Na Santa Casa foi isolado um caso de - (8,3%) em uma criança de 11 meses, que mesmo não sendo correspondente à faixa etária neonatal, condiz com dados da literatura no que se refere à resistência da ceftriaxona.

A terapia antimicrobiana individualizada e apropriada inclui a escolha correta do antimicrobiano ou combinação deles, no momento adequado, na dosagem, via de administração e duração do tratamento apropriados. Após o resultado de culturas poderá ser necessário adequação do antibiótico utilizado, de acordo com o microrganismo identificado e perfil de resistência10. A indicação precisa do uso de antibióticos é fundamental para minimizar o risco de indução de resistência bacteriana e o surgimento de espécies multirresistentes, bem como para diminuir a ocorrência de eventos adversos associados ao uso de drogas7,10, como é o caso da ceftriaxona.

Estudos como este tornam-se muito importantes para que se possa controlar as taxas de resistência bacteriana com o uso correto do antimicrobiano e nortear a terapêutica médica adequada. O SCIH do hospital deve estar intimamente relacionado com o corpo clínico neste quesito. Nossos resultados enfatizam a necessidade de políticas de antibióticos e vigilância do surgimento de resistência bacteriana, a fim de evitar cenários, conforme o descrito acima.


CONCLUSÃO

O presente estudo demonstrou que durante 3 anos (entre 2015 e 2017) foram prescritos ceftriaxona para 160 pacientes pediátricos. Isto corresponde a 0,12% de uma amostra de internações no Hospital Santa Casa de Belo Horizonte/MG, quando comparado a outras crianças que receberam antibióticos das mais variadas classes no mesmo período. Como podemos observar, esta taxa é relativamente baixa, mostrando que existe um uso racional pelo departamento de Pediatria. Indiretamente, pode-se mostrar o benefício deste estudo na prática clínica pediátrica no que se refere à importância do uso adequado de antibióticos e o que isto reflete na redução da resistência bacteriana.


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Hospital Santa Casa, Pediatria - Belo Horizonte - MG - Brasil

Endereço para correspondência:

Mariana Gomes da Costa Souza
Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte
Av. Francisco Sales, 1111 - Santa Efigênia, Belo Horizonte -MG, Brasil. CEP: 30150221
E-mail: mariana_gcs@yahoo.com.br

Data de Submissão: 20/02/2019
Data de Aprovação: 07/04/2019