ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2020 - Volume 10 - Número 3

Opções de tratamento para COVID-19

COVID-19 treatment options

RESUMO

Até o momento, não há terapia específica para a COVID-19 e há vacinas em estudo, ainda não disponíveis. Nosso artigo apresenta as opções terapêuticas sugeridas até o presente, em vários estudos com abordagens de tratamento experimental. Incluímos estudos com as drogas antivirais, cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina, tocilizumabe, vitamina D, anticoagulação, inibidores da enzima de conversão da angiotensina (ECA), bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRA), interferon beta, plasma convalescente e corticoesteroides. Concluiu-se que, embora algumas drogas promissoras tenham ação, in vitro, até o presente, nenhuma se mostrou comprovadamente eficaz e segura contra o novo coronavírus em seres humanos.

Palavras-chave: Coronavírus, Infecções por Coronavírus, Pandemias, Terapêutica

ABSTRACT

There is no specific treatment for COVID-19 and vaccines are still being developed. This paper presents experimental treatment options proposed by a number of authors. The studies included in this paper have looked into antiviral drugs, chloroquine, hydroxychloroquine, azithromycin, tocilizumab, vitamin D, anticoagulation, angiotensin-converting-enzyme (ACE) inhibitors, angiotensin II receptor blockers (ARBs), interferon beta, convalescent plasma, and steroids. Although some of these drugs showed promise in in vitro tests, none was effective or safe to treat patients with novel coronavirus infection.

Keywords: Coronavirus, Coronavirus Infections, Pandemics, Treatment Outcome.


INTRODUÇÃO

No final de 2019, um novo coronavírus foi identificado como a causa de um conjunto de casos de pneumonia em Wuhan, cidade na província de Hubei, na China1-4. O vírus se espalhou rapidamente, com número crescente de casos em outros países do mundo. Em fevereiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) designou a doença COVID-19 (coronavirus disease 2019). O vírus que causa a COVID-19 é designado como coronavírus da síndrome respiratória aguda grave tipo 2 (SARS-CoV-2); anteriormente, era referido como 2019-nCoV. A OMS declarou COVID-19 uma pandemia em 11 de março de 20201-4.

Inicialmente, deve-se realizar a avaliação da gravidade do paciente1:

• Doença leve ou moderada: não há necessidade de oxigênio suplementar.

• Doença grave: necessidade atual de oxigênio suplementar ou aumento da necessidade inicial, sem necessidade nova ou crescente de suporte ventilatório (não invasivo ou invasivo).

• Doença crítica: atual ou aumentada necessidade de ventilação mecânica não invasiva ou invasiva, sepse, falência de vários órgãos ou agravamento rápido da trajetória clínica.

O tratamento de crianças com a COVID-19 com doença grave ou crítica geralmente requer internação hospitalar1,5. Crianças com a COVID-19 leve ou moderada podem necessitar de internação se estiverem em risco de evolução para doença grave devido às comorbidades associadas1,2,5.

Até o momento não há tratamentos comprovados ou aprovados para a COVID-19. Vacinas estão sendo desenvolvidas, algumas já em terceira fase de testes, como a vacina ChAdOx1 nCoV-19, desenvolvida pela Universidade de Oxford, da Inglaterra, que começará a ser testada em voluntários no Brasil. A vacina é uma das 141 candidatas cadastradas na OMS, estando entre as 13 que já estão em fase clínica de testes em humanos no mundo6.

O seguinte texto contendo planos de tratamentos é sugerido com base nas informações disponíveis até a data em várias abordagens de tratamento experimental.


TERAPIA ANTIVIRAL

As decisões para usar a terapia antiviral devem ser individualizadas de acordo com a gravidade da doença, trajetória clínica e condições subjacentes que podem aumentar o risco de progressão. Estudos sobre a eficácia e a segurança da terapia antiviral foram predominantemente realizados em adultos com doença grave do trato respiratório inferior5.

Dados retrospectivos da SARS sugerem que o tratamento precoce, no caso da influenza, pode ser mais eficaz do que postergar a terapia até que ocorram falhas graves de órgãos5.

A maioria dos pacientes, porém, evolui bem sem qualquer terapia, portanto, na maioria dos casos não há necessidade de terapia antiviral5.

Opções de medicações antivirais:

Lopinavir/Ritonavir

No cenário atual, a eficácia definitiva do lopinavir/ritonavir ainda não foi comprovada5,7. Estudos mostraram que, in vitro, houve redução da replicação do vírus MERS-CoV (o beta coronavírus que causa doenças respiratórias no Oriente Médio) em 50%. Age como potente inibidor da CYP3A45. Segundo a OMS, trata-se de um agente que pode ser experimentado inclusive em combinação com interferon-alfa ou ribavirina5.

Remdesivir

Vários estudos randomizados estão em andamento para avaliar sua eficácia, porém não há nenhum que se encontre na fase 3 até o momento. Possui atividade relatada, in vitro, contra o SARS-CoV-2 demonstrando poder em reduzir a doença pulmonar. Não pode ser utilizado em combinação com outros agentes antivirais experimentais. Também foi tentado como tratamento no vírus ebola. O mecanismo de ação inclui terminação prematura da transcrição de RNA viral5.

Ribavirina

Não há ainda nenhum resultado de estudo em SARS-CoV-2 e estudos realizados no MERS-CoV detectaram que a concentração necessária para inibir o patógeno, in vitro, excede os níveis no sangue após doses terapêuticas em humanos. A droga tem alto risco de toxicidade, além de ser contraindicada em caso de anemia hemolítica. Age inibindo a polimerização de RNA5.

Oseltamivir

Ainda não há ensaios do oseltamivir com o SARS-CoV-2. Seu mecanismo de ação consiste na inibição da enzima neuraminidase na gripe5. O quadro clínico da COVID-19, na sua fase inicial, pode se assemelhar ao da influenza, sendo indicado iniciar o tratamento com oseltamivir em casos em que não é possível descartar a infecção por influenza5,7.

Outras opções de tratamento:

Cloroquina/Hidroxicloroquina (CQ/HCQ)

A hidroxicloroquina ou a cloroquina, frequentemente em combinação com um macrolídeo de segunda geração, estão sendo amplamente utilizadas no tratamento da COVID-19, apesar de não haver evidências conclusivas de seu benefício8. Acredita-se que a hidroxicloroquina altera o pH endossômico e lisossômico, inibindo a replicação e a propagação viral, embora o mecanismo exato da atividade antiviral permaneça incerto5.

Seu uso é geralmente seguro quando usado para indicações aprovadas, como doença autoimune ou malária7,8. Devem ser evitadas em crianças com anormalidades subjacentes no intervalo QT e naquelas que necessitam de outros medicamentos com potencial para interação medicamentosa grave com este fármaco. Com o uso prolongado desses fármacos pode-se evoluir com retinopatia7.

Um estudo publicado pela revista científica Lancet demonstrou o resultado de uma análise multinacional, onde foi analisado o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina, com ou sem um macrolídeo, em pacientes hospitalizados pela COVID-19, de dezembro de 2019 a abril deste ano, em seis continentes8. O resultado apresentado é que todos os grupos que receberam os medicamentos tiveram um risco maior de mortalidade quando comparados ao grupo controle8. Além disso, o risco de arritmias ventriculares também foi maior nesses pacientes8. Depois de tal estudo, a OMS anunciou em 25 de maio a interrupção do uso da cloroquina e hidroxicloroquina em testes para tratamento contra a COVID-19, que foi posteriormente retomado e novamente suspenso, dia 17 de junho, com base nas evidências encontradas no ensaio Recovery, do Reino Unido, e Solidarity, pesquisa internacional, que não encontraram benefícios em usar a hidroxicloroquina contra a COVID-199.

Azitromicina/Hidroxicloroquina

Embora um estudo tenha sugerido que o uso de azitromicina em combinação com a hidroxicloroquina estivesse associado à resolução mais rápida da detecção de vírus do que a hidroxicloroquina isoladamente, esse resultado deve ser interpretado com cautela, devido ao pequeno tamanho da amostra, preocupações metodológicas substanciais e plausibilidade biológica pouco clara. O uso da combinação foi descrito em estudos observacionais, cuja a maioria não sugeriu benefício clínico associado. Assim como a hidroxicloroquina em uso isolado, a associação também apresenta risco de prolongamento do intervalo QT7.

Tocilizumabe

O tocilizumabe é um inibidor do receptor de IL-6 usado para doenças reumáticas e síndrome de liberação de citocinas e está sendo avaliado em ensaios randomizados para tratamento da COVID-195. O sarilumabe e o siltuximabe são outros agentes que visam a via da IL-6 e também estão sendo avaliados em ensaios clínicos5.

Vitamina D

A ingestão adequada de vitamina D é necessária para a saúde óssea. Sua deficiência não foi comprovada como fator de risco para infecção grave por SARS-CoV-2 em crianças10. O papel da vitamina D no tratamento e prevenção da COVID-19 é incerto e doses que excedem a ingestão de nível superior não são recomendadas10.

Anticoagulação

Indivíduos com a COVID-19 podem ter várias anormalidades de coagulação, na direção de um estado hipercoagulável subjacente4,11. A hipercoagulabilidade parece ter um impacto adverso no prognóstico, mas não há estudos de alta qualidade para apoiar intervenções que vão além das indicações padrão e as terapias antitrombóticas apresentam riscos de aumento de sangramento6,11. Dessa forma, hoje indica-se a profilaxia farmacológica do tromboembolismo venoso para todos os pacientes hospitalizados com a COVID-19, particularmente aqueles que estão gravemente enfermos, a menos que haja contraindicação à anticoagulação, consistente com as recomendações de várias sociedades especializadas6,11.

Inibidores da enzima de conversão da angiotensina (ECA) ou bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRA)

Há muito interesse no papel dos inibidores da enzima de conversão da angiotensina (ECA) ou bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRA) na fisiopatologia da COVID-19, uma vez que o vírus SARS-CoV-2 se liga ao receptor ECA2 para a entrada celular5. O mecanismo de ação dessas drogas inclui a redução da tempestade de citocinas pela não adsorção viral da célula5. Teoricamente, o vírus pode ser bloqueado por BRAs. Sendo assim, foi proposto que esta medicação teria potenciais efeitos protetores com base em seu mecanismo de ação, mas não há evidências de ensaios para apoiar essa hipótese. Desta forma, não se usa inibidores da ECA ou BRAs como potencial tratamento para COVID-195.

Interferon beta

O interesse no interferon beta para SARS-CoV-2 foi estimulado por evidências sugerindo atividade in vitro contra o coronavírus da síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV) e bons resultados em um modelo animal de infecção por MERS-CoV12. Porém mais estudos são necessários para esclarecer o papel do interferon beta na terapia com a COVID-19. Ainda não se recomenda seu uso rotineiro5.

Plasma convalescente 

Dados de ensaios sobre o uso de plasma convalescente estão surgindo. É possível que este recurso forneça benefício clínico quando administrado no início da doença com melhora do estado clínico, do escore SOFA, da proporção de PaO2/FiO2 e redução da carga viral5. No entanto isso permanece incerto e são necessários ensaios clínicos, incluindo um grande grupo de pessoas, a fim de avaliar a eficácia potencial desse modo de tratamento5.

Corticoesteroide

O Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e a OMS orientam que os glicocorticoides não devem ser administrados rotineiramente em pacientes com a COVID-19, a menos que haja uma indicação baseada em evidências separada (por exemplo, asma ou exacerbação obstrutiva crônica da doença pulmonar, choque séptico refratário e insuficiência adrenal)5,7. Em junho de 2020, houve a divulgação dos resultados preliminares do estudo inglês Recovery, um ensaio clínico randomizado para testar tratamentos potenciais para COVID-19, incluindo doses baixas de dexametasona13. Nesse estudo, em adultos, a dexametasona reduziu as mortes em um terço nos pacientes ventilados e em um quinto em outros pacientes recebendo apenas oxigênio. Não foi demonstrado benefício nos pacientes que não precisaram de suporte respiratório. Ainda não há dados na população pediátrica13.


CONCLUSÃO

Concluiu-se que, embora algumas drogas promissoras tenham ação in vitro, até o presente, nenhuma mostrou-se comprovadamente eficaz e segura contra o novo coronavírus em seres humanos.


REFERÊNCIAS

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1 Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira - IPPMG, Pneumologia Pediátrica - Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - Brasil.

Endereço para correspondência:
Lenita de Melo Lima
Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira. Rua Bruno Lobo, 50 - Cidade Universitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro - RJ, Brasil. CEP: 21941-912
E-mail: nitamelo.le@gmail.com

Data de Submissão: 28/06/2020
Data de Aprovação: 29/06/2020