Caso Clínico Interativo
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Ano 2013 -
Volume 3 -
Número
1
Disfonia e estridor em lactente
Dysphonia and stridor in infant
Bruna de Siqueira Barros1; Silvia Calvano Orlando2; Maria Isabel de Brito Almeida3; Paloma de Carvalho Costa3; Natália Rocha do Amaral Estanislau3; Luciano Abreu de Miranda Pinto4
RESUMO
O objetivo é relatar o caso de um lactente internado no Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) com história de disfonia e estridor progressivo.
Palavras-chave:
disfonia, dispneia, sons respiratórios.
ABSTRACT
Case-report of infant hospitalized in Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) with a history of progressive dysphonia and stridor.
Keywords:
dysphonia, dyspnea, respiratory sounds.
Id: M.S., 1 ano e 10 meses, masculino, negro, natural do RJ, residente no Maracanã.
QP: "rouquidão e chiado".
HDA: início do quadro há oito meses, quando o paciente apresentou disfonia. Na ocasião, foi diagnosticada amigdalite bacteriana, sendo prescrita antibioticoterapia por via oral. Desde então, permaneceu a alteração da voz com evolução para afonia ao longo dos meses.
Com 1 ano e seis meses, após um quadro de infecção de via aérea superior, passou a apresentar estridor e dispneia, sendo diagnosticada pneumonia e indicada internação hospitalar. Na alta, ainda apresentava estridor.
No momento, afônico e com estridor em repouso, é levado a serviço de saúde para investigação diagnóstica.
HPP: nega intubações, comorbidades ou alergias.
História neonatal: nascido de parto vaginal, primogênito, a termo, peso adequado para a idade gestacional. Mãe adolescente. Pré-natal completo. Alta da maternidade com dois dias de vida.
História alimentar: aleitamento materno até um ano, exclusivo até três meses. No momento, cardápio familiar.
História do crescimento e desenvolvimento: adequados para a idade. Consegue se comunicar, mesmo com alteração na voz, articula as palavras corretamente.
História vacinal: faltam vacinas conjugadas para meningococo e pneumococo e tríplice viral.
História familiar: avô materno hipertenso.
História social: mora com a mãe em casa de alvenaria com saneamento básico.
Exame físico:
Peso: 12.400 g.
Estatura: 90 cm. PC: 46 cm.
IMC: 15,3 kg/m2.
P/I escore Z entre 0 e 1. E/I escore Z entre 1 e 2. IMC/I escore Z entre -1 e 0.
Sinais vitais: FC: 100 bpm. FR: 28irpm. Tax: 36,5°C. PA: 98/56 mmHg. SO2: 99%.
Paciente ativo, reativo, interagindo com o examinador, hidratado, corado, com estridor em repouso e retração de fúrcula, acianótico, boa perfusão capilar periférica, afebril.
Orofaringe: amígdalas hipertrofiadas.
Aparelho respiratório: pectus carinatum, com retração de fúrcula. Estridor inspiratório.
Aparelhos cardiovascular, abdominal, genital e neurológico: sem alterações.
Perguntas:
1. Qual a principal hipótese diagnóstica?
A Laringomalácia.
B Hemangioma subglótico.
C Crupe.
D Papiloma laríngeo.
E Asma.
2. Qual o exame de escolha para iniciar a investigação do caso?
A Tomografia com contraste.
B Laringoscopia.
C Ressonância magnética.
D Radiografia de tórax PA e perfil.
E Prova de função respiratória.
3. Qual a conduta terapêutica inicial indicada?
A Antibiótico intravenoso.
B Acompanhamento clínico.
C Ressecção cirúrgica.
D Propranolol.
E Pulsoterapia com corticoide.
4. Qual o prognóstico desta condição?
A Bom. Doença autolimitada.
B Alta probabilidade de recidiva, principalmente até a puberdade.
C Alta probabilidade de recidiva, independente da idade.
D Transformação maligna comum.
Trata-se de paciente com quadro de disfonia e estridor, o que sugere doença subglótica.
A laringomalácia é a malformação mais comum da laringe e a principal causa de estridor na infância, acometendo com maior frequência o sexo masculino. É uma doença que consiste no colapso das estruturas supraglóticas durante a inspiração. Clinicamente, é caracterizada por estridor inspiratório que pode estar presente logo após o nascimento, mas que, comumente, é notado apenas após alguns dias ou semanas de vida. O estridor é exacerbado por agitação, alimentação, choro ou na posição supina com flexão da cabeça e do pescoço, atenuando-se com a criança em decúbito ventral ou com extensão da cabeça e pescoço.
A história natural desta doença é diferente da evolução deste paciente. Normalmente, a laringomalácia é autolimitada, com aumento da intensidade do estridor nos primeiros seis a nove meses, seguido pela resolução gradual ao redor dos 18 aos 24 meses de vida. M.S., além de estridor, apresentava disfonia. Esta não é uma característica clínica da laringomalácia, pois indica envolvimento as cordas vocais e, portanto, uma doença de localização subglótica.
Os hemangiomas subglóticos se apresentam com estridor bifásico, sendo, geralmente, mais proeminente na inspiração. O lactente pode estar disfônico e apresentar tosse tipo ladrante. O quadro pode se apresentar como uma obstrução aguda da laringe. Geralmente, são sintomáticos dentro dos primeiros dois meses de vida, com quase todos apresentando manifestações clínicas antes dos seis meses de idade. Os hemangiomas subglóticos são lesões vasculares congênitas que passam por uma fase de rápido crescimento que se inicia durante as primeiras semanas ou meses de vida. Cinquenta por cento dos casos podem se apresentar como lesões solitárias, enquanto a outra metade está associada a lesões cutâneas. A fase de crescimento tem a duração de 12 a 18 meses. Após esse período, a lesão estabiliza em tamanho e, posteriormente, involui. Apresenta resolução completa em torno de cinco anos de idade em 50% dos casos e até 12 anos no restante.
Uma vez que as manifestações clínicas do lactente em questão se iniciam após o sexto mês de vida e possuem caráter progressivo, o hemagioma subglótico não deve ser considerado como principal hipótese.
O termo crupe se refere a uma obstrução aguda da laringe relacionada a um grupo heterogêneo de processos infecciosos e que é caracterizada por tosse do tipo ladrante associada, em graus variáveis, a disfonia, estridor inspiratório e dificuldade respiratória. Os agentes virais são responsáveis pela maioria destas obstruções infecciosas agudas das vias aéreas superiores. As exceções são difteria, traqueíte e epiglotite bacterianas. Os vírus parainfluenza (tipos 1, 2 e 3) são responsáveis por aproximadamente 75% dos casos. A maioria dos pacientes apresenta um quadro de infecção do trato respiratório superior caracterizado por rinorreia, faringite, tosse leve e febre baixa durante um a três dias antes dos sinais e sintomas obstrutivos se tornarem aparentes. Os sintomas são caracteristicamente piores à noite e costumam resolver-se em uma semana.
O crupe espasmódico ocorre com maior frequência em crianças com um a três anos de idade e é clinicamente semelhante ao crupe de origem infecciosa, exceto pela ausência de história de pródromo viral e febre no paciente e na família. Ocorre com maior frequência à tarde ou à noite e apresenta início súbito, que pode ser precedido por rinorreia de leve a moderada e rouquidão. A criança acorda com sintomas obstrutivos, mas a gravidade dos sintomas diminui em algumas horas e, no dia seguinte, o paciente geralmente parece estar bem, exceto por uma leve rouquidão e tosse.
Nosso paciente apresenta sintomas como estridor e disfonia há oito meses, de forma progressiva. Desse modo, crupe viral ou espasmódico não devem ser considerados, já que não se trata de uma doença aguda.
Tendo em vista que M.S. apresenta estridor inspiratório, que é uma manifestação clínica de obstrução da via aérea extrapleural, pode-se desconsiderar a hipótese de asma, já que tal doença consiste em episódios recorrentes de obstrução das vias aéreas intrapleurais que se manifestam clinicamente pela presença de tosse, dispneia e sibilos à ausculta pulmonar, um ruído respiratório caracteristicamente expiratório.
Desta forma, a papilomatose laríngea se torna a principal hipótese para o caso. Em crianças, o quadro clínico característico da papilomatose de laringe consiste na tríade de disfonia progressiva, estridor e esforço respiratório que o paciente possui.
A papilomatose é uma doença benigna rara da infância com poucos casos relatados em adultos. É o tumor benigno mais comum do laringe em crianças, sendo a maioria dos casos diagnosticados antes de 5 anos de idade, particularmente entre 2 e 3 anos. Acredita-se que a aquisição do papilomavírus humano - HPV - ocorre durante a passagem pelo canal do parto de uma mãe infectada. O HPV 6 e HPV 11 são os mais comumente envolvidos, os mesmos tipos responsáveis pelo condiloma genital. Os fatores de risco incluem ser o primogênito, parto vaginal, maternidade na adolescência e história de condiloma genital. M.S. possui os três primeiros fatores de risco e o quarto é desconhecido pela mãe do paciente. Os papilomas laríngeos são lesões benignas, que não se tornam malignas, a menos que tratadas com radiação2, porém, quando o diagnóstico é tardio, há um aumento considerável da morbidade com o crescimento progressivo das lesões, levando à afonia e, em seguida, obstrução das vias aéreas superiores, podendo ser fatal.
Alguns exames podem ser úteis na elucidação diagnóstica de um caso de papilomatose laríngea. A radiografia de tórax pode mostrar alterações, principalmente quando há comprometimento traqueal e em via aérea inferior. Nesses casos, pode-se observar aumento da densidade intraqueal, melhor visualizada em incidências laterais, além de manifestações obstrutivas, como atelectasias e, até mesmo, pneumonias de repetição. O acometimento intraparenquimatoso caracteriza-se pela presença de nódulos e cistos. Os nódulos são de tamanhos variáveis, geralmente múltiplos, e de parede espessada. Vale lembrar que a radiografia de tórax geralmente não firma o diagnóstico de papilomatose e, dessa forma, não deve ser colocada como exame de maior importância na investigação diagnóstica.
A tomografia computadorizada e a ressonância magnética de tórax permitem a melhor visualização das lesões do trato respiratório inferior, além de suas possíveis complicações. Possibilitam, ainda, a visualização de nódulos menores, o que não é possível pela radiografia, estreitamento intraluminal e dimensionam melhor possíveis complicações presentes. O acometimento do trato respiratório superior também pode ser visualizado por meio desses exames, porém, eles não configuram o método diagnóstico de escolha na papilomatose laríngea e respiratória.
A prova de função respiratória traduz o efeito obstrutivo causado pelos papilomas localizados nas vias aéreas superiores que pode ser variável, quando a onda de fluxo sofre um achatamento no seu ramo inspiratório, ou fixo, quando há achatamento tanto na parte inspiratória quanto na expiratória do exame.
Sem dúvida, o exame de escolha a ser realizado quando há a suspeita de papilomatose laríngea é a laringoscopia (ou a broncoscopia, quando há suspeita de acometimento das vias aéreas inferiores). Esse exame permite não só a visualização direta da lesão, como a realização da biópsia de um fragmento, o que será importante para a confirmação histopatológica da doença. Além disso, permite afastar a possibilidade de compressão extrínseca causada por uma série de condições, particularmente o anel vascular, que consiste em uma má formação do arco aórtico, também conhecida como anomalia dos vasos da base. Os anéis podem ser completos, quando há compressão de toda área traqueoesofágica, ou incompletos, quando a compressão é parcial. A sintomatologia depende do grau de compressão e, em alguns casos, pode haver tosse, estridor respiratório, sibilância crônica e cianose precipitada por choro. A laringoscopia deve, portanto, ser considerada o exame de escolha para o diagnóstico. O exame desse paciente evidenciou lesões papilomatosas ocupando pregas vocais falsas e verdadeiras bilateralmente, principalmente à esquerda.
O tratamento de escolha dessa doença é a ressecção cirúrgica. Os métodos mais utilizados atualmente são a excisão cirúrgica por laringoscopia direta ou a excisão com uso de laser de CO2. A excisão cirúrgica visa assegurar via aérea adequada e melhorar e manter qualidade aceitável de voz. No caso em questão, M.S. foi submetido à excisão das lesões papilomatosas, preservando-se a comissura glótica. Recebeu alta hospitalar no dia seguinte ao procedimento, sem estridor. Manteve a disfonia, sendo encaminhado ao Serviço de Fonoaudiologia e mantido o acompanhamento clínico nos serviços de Pediatria e Otorrinolaringologia.
Nessa condição mórbida, o acompanhamento deve ser obrigatório, pois as recorrências são frequentes. A probabilidade de recidiva é alta até a puberdade, sendo mais frequente quanto mais precoce a idade do início dos sintomas. O HPV pode ficar latente na mucosa laríngea por tempo indeterminado; por isso, é comum a recorrência mesmo após a excisão cirúrgica aparentemente completa, exigindo novas remoções. Entretanto, repetidas tentativas de tratar os papilomas podem causar sérias complicações. Tratamentos adjuvantes estão sendo utilizados ao lado da remoção cirúrgica na tentativa de melhorar os resultados1. No momento, estão sendo feitos procedimentos experimentais com crioterapia, quimioterapia, vitamina A, isotretinoina e interferon. Por ora, eles não mostram efeitos significativos na redução das lesões. Entretanto, o cidofovir, agente antiviral, tem sido injetado na base das lesões e com redução na recidiva e da velocidade de crescimento das mesmas1,2.
A infecção pelo HPV 11 está associada a um quadro mais grave, com maior risco de desenvolvimento de doença traqueal e pulmonar, ainda que essas sejam complicações mais raras da papilomatose respiratória recorrente. Frequentemente, exigem um maior número de procedimentos cirúrgicos e, até mesmo, traqueostomia, que, por sua vez, também pode estar relacionada ao aumento da recorrência e ao desenvolvimento da doença nas vias aéreas inferiores2-4.
A presença de refluxo gastroesofágico tem sido considerada um dos fatores responsáveis pela dificuldade no controle das recorrências. O seu tratamento pode melhorar o prognóstico2,3.
Assim, o pediatra, a partir da suspeição clínica, não deve economizar esforços em busca do diagnóstico de papilomatose laríngea, para que o tratamento e o controle adequados da doença possam minimizar os riscos e as consequências mórbidas dessa condição.
REFERÊNCIAS
1. Goon P, Sonnex C, Jani P, Stanley M, Sudhoff H. Recurrent respiratory papillomatosis: an overview of current thinking and treatment. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2008;265(2):147-51. http://dx.doi.org/10.1007/s00405-007-0546-z PMid:18046565 PMCid:2217621
2. Zacharisen MC, Conley SF. Recurrent respiratory papillomatosis in children: masquerader of common respiratory diseases. Pediatrics. 2006;118(5):1925-31. http://dx.doi.org/10.1542/peds.2006-1555 PMid:17079563
3. Ahmad SM, Soliman AM. Congenital anomalies of the larynx. Otolaryngol Clin North Am. 2007;40(1):177-91. http://dx.doi.org/10.1016/j.otc.2006.10.004 PMid:17346567
4. Marchiori E, Araujo Neto C, Meirelles GSP, Irion KL, Zanetti G, Misserie I, et al. Papilomatose laringotraqueobrônquica: aspectos em tomografia computadorizada de tórax. J Bras Pneumol. 2008;34(12):1084-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132008001200016 PMid:19180346
Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
1. Médica - Residente do segundo ano do Programa de Pediatria do Hospital Universitário Pedro Ernesto.
2. Residente do segundo ano do Programa de Pediatria do Hospital Universitário Pedro Ernesto (UERJ).
3. Médica - Residente do segundo ano do Programa de Pediatria do Hospital Universitário Pedro Ernesto (UERJ).
4. Doutorado em Medicina - Professor Adjunto da Disciplina de Pediatria da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Endereço para correspondência:
Bruna de Siqueira Barros
Boulevard 28 de setembro, 77. 2º andar Pediatria - Vila Isabel
CEP: 20551-030. Rio de Janeiro - RJ. Brasil
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RP em 7/5/2012 e aprovado em 20/12/2012.