ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2020 - Volume 10 - Número 3

Isolamento social devido à COVID-19 - epidemiologia dos acidentes na infância e adolescência

Social isolation due to COVID-19 - epidemiology of accidents in childhood and adolescence

RESUMO

INTRODUÇÃO: Uma questão importante a ser discutida por pesquisadores, gestores e demais membros dos comitês de crise para o enfrentamento da pandemia são as repercussões do distanciamento social, como acidentes domésticos com vítimas crianças e adolescentes.
OBJETIVOS: Descrever os acidentes domésticos na infância e adolescência no período de isolamento social na cidade de São Paulo/SP, quanto às características dos indivíduos, do evento e evolução do caso. Métodos: Estudo transversal, descritivo, elaborado a partir de dados de internações por causas externas, acidentes e violência na cidade de São Paulo. Os dados foram coletados no sistema de informações hospitalares e sistema de informação de violência e acidentes. O período utilizado para o estudo foi de janeiro a maio de 2020.
RESULTADOS: Foram registrados 4.169 acidentes entre crianças e adolescentes residentes na cidade de São Paulo, e, consequentemente, resultando como diagnóstico de lesão, os traumatismos e ferimento de cabeça. Entre as vítimas, predominantemente do sexo masculino e o principal tipo de acidente foram as quedas.
CONCLUSÃO: Diante do exposto, a gravidade da COVID-19 no Brasil, na cidade de São Paulo e no mundo, e a necessidade de esforços para reduzir a velocidade da transmissão do vírus no nível populacional e reduzir a incidência da doença, até o momento, o distanciamento social faz parte do conjunto de medidas necessárias para o alcance desses objetivos, é necessária a educação permanente em saúde para pais, familiares e sociedade na prevenção dos acidentes domésticos.

Palavras-chave: Acidentes, Prevenção de Acidentes, Isolamento Social, Infecções por Coronavírus.

ABSTRACT

INTRODUCTION: An important issue to be discussed by researchers, managers and other members of the crisis committees to face the pandemic are the repercussions of social detachment, such as domestic accidents with child and adolescent victims.
OBJECTIVES: To describe domestic accidents in childhood and adolescence during the period of social isolation in the city of São Paulo-SP, regarding the characteristics of individuals, the event and the evolution of the case.
METHODS: Cross-sectional, descriptive study, based on data on hospitalizations for external causes, accidents and violence in the city of São Paulo. Data were collected in the hospital information system and the violence and accident information system. The period used for the study was from January to May 2020.
RESULTS: 4,169 accidents were registered among children and adolescents living in the city of São Paulo, and consequently, resulting in the diagnosis of injury, trauma and head injury. Among the victims, predominantly male and the main type of accident was falls.
CONCLUSION: Given the above, the severity of COVID-19 in Brazil, in the city of São Paulo and in the world, and the need for efforts to reduce the speed of virus transmission at the population level and to reduce the incidence of the disease, so far, social detachment is part of the set of measures necessary to achieve these goals, permanent health education for parents, family members and society is necessary to prevent domestic accidents.

Keywords: Accidents, Accident Prevention, Social Isolation, Coronavirus Infections.


INTRODUÇÃO

A epidemia de COVID-19 no Brasil já se constitui uma das mais impactantes questões de saúde pública na realidade do país e no mundo moderno, em decorrência das múltiplas consequências e tensões que atingem a nossa sociedade. Ainda que o foco esteja na proteção aos usuários e à comunidade, o cenário de epidemia no Brasil interferiu de forma abrupta no processo educacional, exigindo um remodelamento emergencial e demandando atenção e diálogo ágil entre educadores, gestores e sociedade1.

Este cenário complexo impõe desafios adicionais à vigilância epidemiológica, às relações internacionais e à programação de políticas públicas, sobretudo por meio de medidas que reduzam as desigualdades de acesso aos sistemas de saúde e a condições estruturais para o autocuidado2.

Diante desta pandemia que transforma a vida de todos nos aspectos políticos, econômicos, culturais e sociais em todo o mundo, e que frente a necessidades urgentes de mudança, novas formas de pensar/fazer devem ser colocadas em práticas3. Os desafios foram postos na educação mediante novas portarias que deram abertura para que os cursos, sejam eles em nível básico, técnico e superior, utilizassem de tecnologias remotas, nunca antes empregadas, como metodologia de ensino3.

Neste cenário as crianças e adolescente permanecendo em casa, nesse debate, uma questão que vem sendo pouco discutida por pesquisadores, gestores e demais membros dos comitês de crise para o enfrentamento da pandemia são as repercussões do distanciamento social, como acidentes doméstico com vítimas crianças e adolescentes4.

Os acidentes na infância e adolescência são considerados um problema de saúde pública5. O Sistema Único de Saúde (SUS) gastou no ano de 2019, R$ 89.288.190,48 de reais com internações por causas externas6.

As causas externas, têm importância quanto a ser causa de morte precoce e diversas incapacidades entre crianças, adolescentes e os adultos jovens7.

Os acidentes domésticos são situações complexas, não intencionais e evitáveis em sua maioria. Além de provocarem custos sociais, econômicos e emocionais, são também responsáveis por sequelas e eventos fatais que, a longo prazo, repercutem na família e na sociedade, penalizando crianças e adolescentes4.

Segundo Filócomo et al.8, uma medida importante foi disseminar o conceito adotado pela comunidade científica, de que acidentes são previsíveis e passíveis de prevenção, fortalecendo os pesquisadores no conhecimento dos fatores de risco e de proteção presentes no cenário do acidente8.

A informação de qualidade referente aos acidentes não pode ser vista simplesmente como uma questão técnica, mas sim como uma ferramenta para tomada de decisão coerente no que tange à saúde pública, visto que a análise detalhada pode auxiliar no aprimoramento de políticas de saúde9. Além disso, tais informações poderão contribuir para identificar a necessidade de capacitação dos profissionais médicos, atendimento pré e intra-hospitalar9.

Neste sentido, o presente estudo tem por objetivo descrever os acidentes domésticos na infância e adolescência no período de isolamento social na cidade de São Paulo/SP, quanto às características dos indivíduos, do evento e evolução do caso.


MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo, transversal, elaborado a partir de dados das internações hospitalares por causas externas e de acidentes e violências na cidade de São Paulo/SP.

Os dados foram coletados no sistema de informação de violências e acidentes (quedas e outros acidentes) e no sistema de informação hospitalar (causas externas) da cidade de São Paulo5,10.

A população do estudo foi composta pelo total de crianças e adolescentes que sofreram acidentes na cidade de São Paulo, no período de janeiro a maio de 2020. Os dados foram coletados das fichas de notificação de violência e acidentes e da autorização de internação hospitalar. Uma vez constatados erros na codificação da classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde - décima revisão (CID-10), seja na emissão das autorizações de internação hospitalar (AIH-SUS), seja nos prontuários, assim como o não registro dos campos diagnóstico principal (natureza da lesão) e secundário (tipo de causa externa que ocasionou a lesão), segundo os capítulos XIX e XX da CID-10, considerou-se, para definição dos casos, o conceito de causas externas da Organização Mundial da Saúde10, buscando descrições tanto nas AIH-SUS como nas fichas de notificação de violência e acidentes, que fizessem correspondência ao capítulo XX da CID-10.

As variáveis analisadas foram:

a. Referentes ao indivíduo: sexo (masculino; feminino; não informado); faixa etária (0 a 4 anos; 5 a 9 anos; 10 a 14 anos; 15 a 19 anos), tipo de acidente, mês do acidente, deficiência (física; mental; visual);

b. Diagnóstico da lesão: seguimento corporal afetado (cabeça; pescoço; tórax; abdome, dorso, coluna ou pelve; membros superiores; membros inferiores; múltiplos segmentos; não especificado) e tratamento realizado.

Para tabulação e análise dos dados utilizou-se o programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 21, mediante estatística descritiva, sendo apresentados em frequências absoluta e relativa. Para as variáveis numéricas foram calculadas as medidas de tendência central e dispersão.

Este estudo dispensa aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade de Santo Amaro, pois se trata de levantamento de banco de dados de domínio público, conforme a resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS-466/12).


RESULTADOS

Durante o ano de 2020 ocorreram 4.619 acidentes entre crianças e adolescentes na cidade de São Paulo. As vítimas dos acidentes: 62,0% eram do sexo masculino e 38,0% do sexo feminino.

Como mostrado na Tabela 1, os acidentes, ocorrem predominantemente no sexo masculino. O principal tipo de acidente foram as quedas (83,0%). No que tange o quesito raça/cor: 43,5% negros, 24,5% brancos, demais dados ignorados. Os dados acerca do mês da ocorrência do acidente: janeiro (20,6%), fevereiro (18,7%), março (14,0%), abril (5,0%) e maio (0,02%).




Foram notificados 0,10 deficiência mental e 0,12 deficiência motora da vítima, os demais dados foram ignorados. No que tange a faixa etária: 0 a 4 anos (48,5%), 5 a 9 anos (22,0%), 10 a 14 anos (15,3%) e 15 a 19 anos (14,2%).

Sobre o local do acidente: 48,0% na própria residência, 2,6% escola e creche, 2,6% via pública e os demais dados ignorados.

Conforme mostrado na Tabela 2, o principal diagnóstico foram os traumatismos (49,7%). Entre os diagnósticos e a parte do corpo acometida, descrevemos: a contusão predominante no punho e mão, as fraturas mais frequentes foram do pé e da proximidade distal da tíbia. Os tipos de traumatismos e de ferimentos, foram o de cabeça e entre as entorses a de tornozelo foi predominante. Os dados sobre a evolução do caso: 3,4% internação hospitalar, 0,04% óbito no atendimento, 87,9% alta hospitalar imediata, os demais dados não foram informados.




DISCUSSÃO

No presente estudo ocorreram 4.619 acidentes entre crianças e adolescentes residentes na cidade de São Paulo, as quedas acidentais corresponderam a 83,0% dos acidentes. Os acidentes por queda são amplamente discutidos na literatura. Como contribuições da presente pesquisa à medicina na área de ensino deseja-se a sensibilização daqueles envolvidos na formação dos médicos, sobre a importância de se contemplar conteúdos didáticos que abordem temas referente aos acidentes e violência, em especial os acidentes por queda, visto que esses são passíveis de prevenção10.

Neste estudo a faixa etária mais acometida foi de 0 a 4 anos (48,5%), seguido por 5 a 9 anos de idade (22,0%), à medida em que a criança se desenvolve, aumenta o seu interesse em explorar novas situações, surgem novas habilidades e diferentes interações com o meio ambiente, favorecendo a ocorrência de acidentes devido à inexperiência e incapacidade de prever e evitar situações de perigo. É importante que todos os envolvidos no cuidado da criança tenham conhecimento acerca dos acidentes mais prevalentes na infância, primeiros socorros e as formas de prevenção11.

Acreditamos que os acidentes sejam um problema de saúde pública. A residência da vítima tem sido apontada, nacional e internacionalmente, como o local mais prevalente de acidentes, entre eles os acidentes por quedas11,12. Os dados encontrados neste estudo corroboram com a literatura, 48,0% dos acidentes ocorreram na residência da própria vítima. Uma limitação deste estudo foi não poder avaliar se no momento do acidente, crianças e adolescente tinham a supervisão dos pais ou algum adulto responsável.

No presente estudo crianças e adolescentes vítimas de acidente, foi predominante entre o sexo masculino (81,0%), este achado é consistente com a literatura13.

Os dados acerca dos acidentes entre criança e adolescentes foram as quedas. Os acidentes por queda foram os mais prevalentes quando comparados ao sexo da vítima; sexo feminino 84,3% e 82,2% sexo masculino. Os fatores de risco para ocorrência de quedas no ambiente doméstico são multifatoriais. Não é apenas a idade ou gênero da vítima, o tipo de habitação, espaço, piso, tipo e tamanho do mobiliário, influenciam sobre a incidência e o padrão de lesões domésticas não intencionais14.

As investigações científicas sobre o tema, acidentes na infância e adolescência, afirmam a relação direta entre o perfil econômico das famílias vivendo em áreas de vulnerabilidade socioambiental e a ocorrência de acidentes domésticos14,15. Neste estudo identificou-se o mês de janeiro (20,6%) com maior ocorrência dos acidentes, período de férias no Brasil e na cidade de São Paulo, tanto em escolas públicas quanto privadas. Atualmente, mulheres e homens trabalham para os proventos de suas famílias, o que nos leva a refletir na realidade, que possivelmente as crianças e adolescentes encontram-se sem supervisão de adultos responsáveis, ou falta de conhecimento das famílias acerca das medidas de prevenção de acidentes.

No mês de março do ano de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que o novo coronavírus (SARS-CoV-2), causador da doença COVID-19, passou do estágio de uma epidemia para o de uma pandemia16. Desta forma, a OMS sugeriu que todos os países adotassem o protocolo do isolamento social como a principal medida a ser tomada para conter a expansão da pandemia16.

Neste presente estudo avaliou-se a ocorrência dos acidentes na infância e adolescência, sendo maior em janeiro (20,6%), o que reflete a questão de isolamento social, pois no mês de janeiro são período de férias escolares, como já citado anteriormente, onde as crianças encontram-se em casa e nem sempre com a supervisão de um adulto, ou os pais e/ou responsáveis, das crianças e adolescentes vítimas de acidentes, voltados ao home office, provavelmente, não tinha a atenção voltada aos cuidados, ou conhecimento relativos à prevenção dos acidentes. Além de refletir que no período da pandemia a qual nos encontramos, entre os meses de abril (5,0%) e maio (0,02%), os casos de acidentes, possivelmente, não chegaram aos serviços de saúde, ou os profissionais voltados ao enfrentamento da epidemia, não notificaram os acidentes.

Na análise da completitude dos dados desta pesquisa, pode-se diagnosticar alguns hiatos na qualidade da informação, que podem resultar na imprecisão e/ou viés na caracterização dos casos de acidentes contra as crianças e adolescentes ocorridos na cidade de São Paulo, refletindo a necessidade de constante qualificação dos profissionais para o diagnóstico e a notificação dos casos, além da sensibilização para a importância do preenchimento completo da ficha de notificação/investigação (FNI). Sendo assim, compete aos órgãos de saúde investir em atividades que orientem e qualifiquem os profissionais para o preenchimento correto da FNI, esclarecendo sobre as reais contribuições no tocante ao enfrentamento e prevenção de acidentes, além da proteção e cuidado à vítima e sua família17.

No que concerne raça/cor das vítimas 43,5% eram negros. Os negros (pretos e pardos) predominaram em todos os tipos de acidentes, confirmando as estatísticas encontradas no Brasil18. Segundo Mascarenhas et al.18, a população negra apresenta os maiores coeficientes de mortalidade por causas externas. Embora um grupo social não se defina por relações de raça ou cor, diferenças étnicas associam-se a desigualdades sociais e condicionam a forma de viver e de morrer de grupos populacionais. A etnia em si não é um fator de risco, mas a inserção social adversa de um grupo racial/étnico é que se constitui em característica de vulnerabilidade19.

Além dos fatores mais óbvios, destaca-se a redução na qualidade e na quantidade das informações necessárias, assim como qualidade do preenchimento das variáveis nas fichas de notificação de violência e acidentes. Como também observado, os acidentes são mais frequentes entre crianças e adolescentes com deficiência motora e mental16, neste estudo não foi possível avaliar se as vítimas tinham algum tipo de deficiência; no presente estudo foram notificados crianças e adolescentes com algum tipo de deficiência; 0,10 deficiência mental e 0,12 deficiência motora da vítima, os demais dados foram ignorados. Devido ao número de casos ignorados para esta variável que não foi preenchida pelos profissionais de saúde que realizaram atendimento, na literatura são escassos os artigos e dados que relacionam os acidentes na infância e adolescência, sendo estas vítimas portadoras de algum tipo de deficiência, seja ela física, auditiva, mental ou visual.

Para melhor enfrentamento dos acidentes envolvendo vítimas como crianças e adolescentes, os programas de atuação e os serviços de saúde devem ser integrados, multidisciplinares, engajados, possibilitando que os recursos necessários estejam disponíveis, facilitando o acesso às redes de apoio e proteção. A abordagem deve dar ênfase à capacitação das famílias, dos grupos comunitários para lidarem com os acidentes na infância e adolescência, não apenas como um episódio isolado, mas também, por suas características culturais, sociais e familiares20.

Como já supracitado neste estudo, na amostra analisada, os principais mecanismos de trauma foram as quedas acidentais (83,0%). Entre estes acidentes, os diagnósticos mais prevalentes foram os traumatismos (49,7%), ferimentos (23,3%), contusões (12,2%) e fraturas (5,1%). No que tange os diagnósticos de traumatismos e ferimentos, a região corpórea mais acometida foi a cabeça, entre as contusões a região corpórea mais acometida foi o punho e a mão, em relação às fraturas, principalmente do pé e da proximidade distal da tíbia.

Uma hipótese para o predomínio de acidentes em crianças de 0 a 4 anos (48,5%) encontrado na pesquisa seria o começar a ficar em pé sozinha, o que causaria quedas com consequentes traumatismos. Outra hipótese seria a ocorrência de maus tratos, o que poderia ser confirmado pela análise dos prontuários de pacientes, o que transcenderia os limites e o objeto desta pesquisa22.

Em um estudo realizado por Silveira e Pereira22, um número elevado de crianças vítimas de trauma da cabeça pelos acidentes por quedas, corrobora com os achados deste estudo22.

Guizzo et al.21, referem que os traumas ortopédicos foram muito prevalentes na amostra estudada, crianças e adolescentes, vítimas de acidentes, onde mostraram que as áreas mais lesionadas foram membros superiores e membros inferiores21.

Nesse sentido, estudos epidemiológicos caracterizando o perfil das vítimas, e também as características do trauma, são fundamentais para embasar políticas públicas e ações educativas, adaptando-as às peculiaridades locais21.

Dentre os indivíduos estudados, sofreram fraturas decorrentes da queda, sendo que a maior parte delas localizadas nos membros inferiores. Outras investigações também mencionam que tanto as fraturas, quanto as demais lesões decorrentes das quedas são mais comuns nos membros inferiores23. Medidas de prevenção devem ser implementadas, como a orientação para prevenção de acidentes, que pode ser disponibilizada para reduzir tais riscos23.

Embora neste estudo não se tenha identificado a presença ou ausência do familiar no momento do acidente, é importante salientar que os familiares frequentemente superestimam as habilidades das crianças, ocorrendo os acidentes, principalmente por queda, com relação à natureza da lesão, encontrou-se maior frequência de lesões menos graves, como a contusão e entorse. Quanto à parte do corpo atingida, as mais frequentes foram os membros superiores e inferiores, seguidos de cabeça/face, ordem também verificada no estudo de Zimmerman et al.24, sobre acidentes com crianças e adolescentes, segundo o VIVA 200924.

A maior parte das vítimas evoluiu para alta nas primeiras 24 horas, o que foi coerente com a literatura21,25. Houve registro de 2 óbitos nesta casuística. Esses dados vêm fortalecer a importância do sistema de vigilância de violência e acidentes como ferramenta de registro dos muitos casos de acidentes que não constam nas internações do sistema de informações hospitalares (SIH) nem nos dados de mortalidade do sistema de informação sobre mortalidade (SIM)25.

Os dados aqui apresentados traduzem a realidade do cotidiano dos serviços de emergência e despertam novos olhares sobre o problema do atendimento às vítimas de acidentes. A maior contribuição da modalidade de vigilância de causas externas em serviços sentinelas é a disponibilização de dados em tempo hábil, de forma que a sua análise e interpretação proporcionem as bases para a tomada de decisão18.

Uma limitação do presente estudo são os registros, com risco de viés de informação frente ao grande número de subnotificação de dados importantes22, como as hospitalizações, tempo de internação e o desfecho do caso. Ressalta-se a importância do desenvolvimento de novas ações, de práticas preventivas e de cuidado, tendo em vista o aumento constante no número de acidentes, em especial, os acidentes por queda, enquanto fator desencadeante do risco para o trauma ortopédico25. Acredita-se que essas ações impactem diretamente na melhoria da qualidade de vida, devido a um adequado planejamento situacional de saúde25.


CONCLUSÃO

Os acidentes entre crianças e adolescentes na população residente da cidade de São Paulo apresentou a queda como mais prevalente (83,0%), ocorrendo predominantemente em indivíduos 0 a 4 anos e do sexo masculino, em ambiente domiciliar, tendo como principal diagnóstico os traumatismos e ferimento de cabeça.

Frente à impossibilidade de controle imediato da pandemia, as experiências em todo mundo apontam para a necessidade de controle da velocidade de progressão da curva por meio de medidas de isolamento físico social. Portanto, crianças, adolescentes e familiares em isolamento social, este estudo pretendeu elucidar os acidentes e a sua prevenção.

A literatura aponta para a abrangência e magnitude dos acidentes infantis, havendo necessidade de ações preventivas junto aos profissionais de saúde, ao médico pediatra, médicos residentes em pediatria, criança, família, comunidade e sociedade em geral, no sentido de alertar para os riscos e para a necessidade em adotar comportamentos seguros em relação ao ambiente doméstico e à fase de desenvolvimento da criança.

Pode-se compreender que a prevenção é o caminho mais eficaz para reduzir os altos índices de acidente na infância. Outrossim, permite captar dados sobre eventos menos graves, mas cujo conhecimento é fundamental para o planejamento de políticas públicas de prevenção de agravos e promoção da saúde.


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1. Universidade Santo Amaro, Curso Medicina - São Paulo - São Paulo - Brasil
2. Centro Universitário São Camilo, Curso Medicina - São Paulo - São Paulo - Brasil

Endereço para correspondência:

Cintia Leci Rodrigues
Universidade Santo Amaro
Rua Isabel Schmidt, 349 - Santo Amaro
São Paulo - SP, Brasil. CEP: 04743-030
E-mail: kikarodrigues@hotmail.com

Data de Submissão: 04/07/2020
Data de Aprovação: 08/07/2020