Caso Clínico Interativo - Ano 2013 - Volume 3 - Número 2
Um paciente com história de pneumonia recorrente. Qual o seu diagnóstico?
Um paciente com história de pneumonia recorrente. Qual o seu diagnóstico?
CASO INTERATIVO
Identificação
PS, 3 anos, branco, masculino, natural e residente no Rio de Janeiro.
QP: tosse e febre
HDA: A mãe relatou início do quadro com febre, que não foi aferida, e tosse produtiva 3 dias antes da internação. Foi realizada radiografia de tórax na Unidade de Emergência, sendo diagnosticada pneumonia, e iniciou do tratamento com penicilina cristalina. Após melhora clínica, o paciente recebeu alta no 4º dia com prescrição de amoxicilina oral por mais 7 dias. Na revisão ambulatorial, encontrava-se assintomático, mas em decorrência da persistência da imagem radiológica a antibioticoterapia foi prolongada por mais uma semana e o paciente foi encaminhado para investigação. Na consulta com o especialista, a mãe trouxe exame radiológico de março de 2002 (oito meses antes), notando-se que a imagem já estava presente, entretanto, com dimensões menores.
HPP: pneumonia em março de 2002 tratada ambulatorialmente.
História de gestação, parto e desenvolvimento: Nasceu de parto normal, após gestação sem intercorrências. Crescimento e desenvolvimento normais. Calendário vacinal completo, sem efeitos adversos.
H. social: Mora em casa de alvenaria com três cômodos onde residem três pessoas. História negativa para tabagismo, etilismo ou uso de drogas ilícitas. Não mora com o pai. Não cohabita com animais. Não existem fábricas perto de casa. Frequenta a creche. Não há contato com pessoa com tuberculose ou paciente tossidor crônico.
Exame físico
Paciente em bom estado geral, eutrófico, cooperativo, hipocorado (+/4), acianótico, perfundindo bem, anictérico.
AR: Expansibilidade torácica preservada, sem alterações à palpação e à percussão, MV audível bilateralmente com diminuição em base de hemitórax esquerdo paravertebral. FR: 26 irpm.
ACV: RCR em 2T sem sopros ou extrassístoles.
Abdome: Globoso, flácido sem visceromegalias ou massas, peristalse audível.
Pulsos palpáveis sem edemas.
Conduta em 06/11/2002
Realizado RX de esôfago contrastado
Colhido hemograma completo: normal
Encaminhado para realização de TC de tórax e abdome
A radiografia de tórax (06/11/2003) (Figura 1) mostrava imagem hipotransparente homogênea arredondada com contornos bem definidos em terço médio de hemitórax esquerdo, central, não apagando silhueta cardíaca. No perfil, evidenciava-se massa ocupando grande parte do mediastino posterior mantendo a nitidez de seus contornos.
Figura 1. Imagem de hipotrnasparencia arredondada no terço médio esquerdo.
O exame com esôfago contratado (06/11/2002) confirmou a localização posterior da lesão, sem compressão esofagiana.
1. Diante da história de "pneumonia recorrente", de mesma localização e radiografia evidenciando massa em mediastino posterior, que diagnóstico seria o mais provável?
A Teratoma
B Seminoma
C Ganglioneuroma
D Linfoma de Hodgkin
E Linfoma não Hodgkin
COMENTÁRIOS
Localizar a massa nas diferentes divisões do mediastino ajuda a estreitar o diagnóstico. Porém, várias lesões como adenopatias, linfomas e lesões vasculares e linfáticas podem ocorrer em vários compartimentos. Lesões de grandes dimensões podem se estender a mais de um compartimento. As principais causas de massa mediastinal posterior são de origem neurogênica. São os cistos neurogênicos, a meningocele anterior e os tumores que se originam dos gânglios simpáticos (neuroblastoma, ganglioneuroblastoma e ganglioneuroma), dos nervos periféricos neurofibroma e schwannoma) e das células paraganglionares (paragangliomas)
A tomografia computadorizada de tórax e abdome (07/11/2002) (Figuras 2, 3A-B, 4 e 5): massa tumoral sólida arredondada com contornos bem delimitados ocupando mediastino posterior esquerdo, aparecendo a partir da bifurcação traqueal, sem aparentes calcificações e não modificando após injeção de contraste. No abdome, havia estrutura arredondada, sólida no quadrante superior esquerdo sem calcificações.
Figuras 2, 3A-B, 4 e 5. Imagens da tomografia computadorizada de tórax evidenciando massa tumoral sólida arredondada com contornos bem delimitados ocupando mediastino posterior esquerdo.
2. Em relação às massas mediastinais, qual das afirmativas é correta?
A O timoma e o carcinoma tímico são massas do mediastino médio incomuns na criança.
B A presença de calcificações sela o diagnóstico de teratoma.
C O neuroblastoma pode causar a síndrome de Claude-Bernard Horner.
D As neoplasias cardíacas e pericárdicas em geral ocupam o mediastino anterior.
E Metástases intrapulmonares são menos comuns que as metástases para os gânglios mediastinais.
COMENTÁRIOS
O timoma e o carcinoma tímico realmente são raros na criança, mas são tumores do mediastino anterior. Quando pensar em massas do mediastino anterior, lembre-se dos 4 T: timo, tireoide, teratoma/tumores de células germinativas e os linfomas de células T. Calcificações não são exclusivas dos teratomas e podem ocorrer nos neuroblastomas e neurofibromas. A síndrome de Claude-Bernard-Horner e a síndrome de compressão de veia cava superior são descritas em pacientes com lesão mediastinal alta. O mediastino médio é ocupado por coração e vasos (espaço vascular). Como exemplos de massas de mediastino médio, temos: os linfomas, outras adenopatias, linfangioma/hemangioma e neoplasias cardíacas e pericárdicas. Massas mediastinais são mais comuns que massas intrapulmonares e têm uma maior probabilidade de malignidade. Entretanto, as metástases intrapulmonares são mais frequentes que as metástases ganglionares, mas estas também ocorrem, especialmente com osteossarcomas, neuroblastomas e tumor de Wilms.
3. Em relação aos tumores neurogênicos, pode-se afirmar que:
A Os neuroblastomas são os tumores sólidos extracranianos mais comuns na infância e predominam em escolares e adolescentes.
B Os ganglioneuromas/ neuroblastomas podem causar hipertensão arterial, que geralmente é devida à produção de catecolaminas pelo tumor.
C Os neuroblastomas torácicos são mais comuns que os neuroblastomas abdominais.
D Os neurofibromas podem estar associados a lesões cutâneas, escoliose e deformidades costais.
E Os neuroblastomas torácicos não infiltram tecidos moles e não comprimem vias aéreas.
COMENTÁRIOS
Os neuroblastomas são os tumores sólidos extracranianos mais comuns na infância, porém, são mais frequentes em pacientes mais jovens. Cerca de 85% dos casos ocorrem em crianças menores de 4 anos. Alguns casos são detectados na ultrassonografia fetal. Os neuroblastomas/ ganglioneuromas são associados com algumas síndromes paraneoplásicas como síndrome feocromocitoma-like, diarreia decorrente da produção de peptídeo vasointestinal e síndrome de Claude-Bernard Horner. A hipertensão arterial associada ao neuroblastoma decorre mais frequentemente da compressão de vasos renais e estimulação do sistema renina-angiotensina que da secreção de catecolaminas pelo tumor. Os neuroblastomas abdominais são mais frequentes que os mediastinais. Aproximadamente 50% dos abdominais se originam das adrenais. A maioria dos neurofibromas está associada à neurofibromatose tipo I, anteriormente conhecida como doença de von Recklinghausen, que apresenta manchas café-com-leite, sardas axilares e inguinais, lesões na íris (nódulos de Lisch), cifoescoliose e outras lesões ósseas. Os neuroblastomas podem estar associados a nódulos subcutâneos escuros constituindo a síndrome do muffin de blueberry (mirtilo). Os neuroblastomas como outras massas mediastinais podem infiltrar tecidos moles adjacentes e comprimir as vias aéreas.
4. Os tumores cardíacos fazem parte do diagnóstico diferencial de massas do mediastino médio. Qual das afirmativas é verdadeira?
A Os mixomas são os tumores cardíacos mais comuns da infância, assim como no adulto.
B Muitas neoplasias cardíacas estão associadas a síndromes como síndrome de Gorlin, Beckwith-Wiedmann e síndrome de Carney.
C Os rabdomiossarcomas cardíacos têm forte associação com a neurofibromatose tipo I.
D O fibroma cardíaco é uma lesão benigna que não causa disfunção cardíaca significativa.
E As neoplasias cardíacas malignas em geral são tumores primários.
COMENTÁRIOS
O mixoma cardíaco é a neoplasia cardíaca mais comum nos adultos, mas é incomum na criança. Os rabdomiossarcomas cardíacos são hamartomas e têm estreita relação com a esclerose tuberosa. A detecção de múltiplasmassas miocárdicas no feto ou no recém-nascido é um forte indício de esclerose tuberosa. O fibroma cardíaco, embora seja uma lesão benigna, pode causar disfunção cardíaca significativa. As neoplasias cardíacas malignas, em geral, são secundárias e decorrentes da extensão venosa ou de embolia tumoral, mais comumente do tumor de Wilms, do hepatoblastoma e do neuroblastoma.
EVOLUÇÃO
Em 7 de novembro de 2002, a criança foi encaminhada ao INCA após realização dos exames.
Após consulta, foi realizada ressonância magnética de tórax e indicada cirurgia. Houve exérese da massa após biópsia de congelação. O diagnóstico foi de GANGLIONEUROMA DE MEDIASTINO POSTERIOR.
A evolução pós-operatória foi satisfatória e o paciente atualmente encontra-se bem clinicamente, assintomático e fazendo acompanhamento na Pneumologia Pediátrica.
SUGESTÕES BIBLIOGRAFICAS
1. Newman B. Thoracic neoplasms in children. Radiol Clin North Am. 2011;49(4):633-64. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.rcl.2011.05.010
2. Kim JY, Hofstetter WL. Tumors of the mediastinum and chest wall. Surg Clin North Am. 2010;90(5):1019-40. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.suc.2010.06.005
3. Davenport KP, Blanco FC, Sandler AD. Pediatric malignancies: neuroblastoma, Wilm's tumor, hepatoblastoma, rhabdomyosarcoma, and sacroccygeal teratoma. Surg Clin North Am. 2012;92(3):745-67. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.suc.2012.03.004
4. Fatimi SH, Bawany SA, Ashfaq A. Ganglioneuroblastoma of the posterior mediastinum: a case report. J Med Case Rep. 2011;5:322. DOI: http://dx.doi.org/10.1186/1752-1947-5-322
5. Oelschager AE A, Sawin R. Teratomas and ovarian lesions in children. SurgClin N Am. 2012;92:599-613.
1. Professora Assistente de Pneumologia Pediátrica da UNI-RIO. Pneumologista pediátrica do Instituto Fernandes Figueira. Doutoranda do Programa de Medicina Tropical da FIOCRUZ
2. Pneumologista Pediátrica do Hospital Municipal Jesus. Coordenadora da Residência Médica em Pediatria do Hospital Municipal Jesus. Mestre em Saúde da Criança – Universidade Federal Fluminense
3. Pneumologista Pediátrica do Hospital Federal de Bonsucesso. Mestre em Saúde da Criança - Universidade Federal Fluminense
* Pediatra. Pneumologista. Hospital Federal dos Servidores do Estado. Rio de Janeiro, RJ.